Por Que Não Estudar a Bíblia?
Tempos atrás, tive a oportunidade de apreciar alguns artigos publicados no
periodismo espírita, falando a respeito das Escrituras Sagradas, naquilo que
toca em sua utilidade para nós, seguidores de Allan Kardec. Até hoje, não
compreendo a razão pela qual os estudiosos da Doutrina não deram seguimento às
pesquisas empreendidas pelo Codificador em torno de tão importante compêndio. O
movimento espírita deveria ser um ambiente onde a busca pela verdade pudesse ser
uma constante, no entanto, não o é. Há quem faça o possível para valorizar os
livros espíritas, desprezando o que de resto há. Escritores e dirigentes
preconceituosos acabaram por dar à Doutrina Espírita um ar de infalibilidade,
como se ela não trouxesse em si, erros naturais da condição humana. É a
ortodoxia.
A principal justificativa para que se deixassem os estudos bíblicos de lado,
seria a de que os livros sacros teriam sido “mexidos” por espertos copistas a
serviço da Igreja. Ora, é bem possível que os dedos da criatura humana estejam
presentes aqui e ali, dando um aspecto variável às narrativas existente nos
textos antigos, porém, daí a mudar o sentido do texto, vai uma enorme diferença.
Sabemos que existem edições bíblicas apócrifas, feitas por algumas facções da
Igreja, onde andaram substituindo palavras para atender interesses religiosos de
grupos mesquinhos. Porém, existem ótimas cópias do Antigo e Novo Testamento, que
são mantidos há séculos com a mesma estrutura e podem ser objeto de análise
racional.
Alguns estudiosos que se propuseram a contestar a Bíblia, e que são apontados
por espíritas como os que colocaram em cheque suas revelações, nem sempre
estiveram guiados pela razão. A maioria deles se prenderam em citações da face
profética das Escrituras, um dos departamentos onde pouco ou nada se sabe em
lugar algum. Afirmam que não há um lado iniciático na Bíblia. Por que motivo não
haveria? Há suspeitas sérias sobre o assunto. Narrativas feitas ali pelos
profetas, até hoje não foram interpretadas pelo racionalismo espírita, ou por
quem quer que seja. Existiria mais conhecimentos do que nos foram revelados
pelos Espíritos ou eles nos teriam dito todas as coisas? Cremos que não, pois
foram eles que afirmaram ser a Doutrina progressiva.
Uma dos princípios em que se assenta o Espiritismo é o de não trazer em si
mistérios, nem coisas que não possam ser tornadas públicas. Porém, isso não
significa que tudo deva ser falado indistintamente às criaturas, que nem sempre
estão preparadas para o conhecimento. Qualquer dirigente que conseguiu deixar o
comum da parte prática do Espiritismo, sabe que há “segredos” do mundo
espiritual que ele só compreende com o tempo de serviço, e que só podem ser
ensinados a quem esteja preparado para isso. Não queremos dizer, que sejam
coisas interditas a alguém.
Seria ótimo que os conhecimentos revelados pudessem ser explicados e
aplicados de forma popular como pretenderam alguns. Mas a realidade não é bem
assim. A simplória idéia de que “todos podem” já criou em nosso meio um
significativo contingente de espíritas imperfeitos, orgulhosos e com suas
cabeças cheias de fantasias ditadas pelo invisível, a quem subestimam com
pretensa sabedoria.
Não é difícil compreender o princípio da revelação e do aprendizado
progressivo. Basta que os comparemos às muitas fases vividas por um aluno na
escola. Nada lhe é proibido, porém, tudo lhe é dado a seu tempo. O Espiritismo é
um conjunto de ensinamentos da Espiritualidade e visa desenvolver o entendimento
dos seus adeptos acerca das questões que circundam a vida e a morte. Cada um dos
que o estuda tem uma visão mais ou menos clara acerca de suas leis e de seus
princípios, segundo sua própria condição evolutiva.
Se a Bíblia trás em si ensinamentos ocultos, não se sabe. Há nela, indícios
de que existam tais conhecimentos. O quadro dos profetas, por exemplo, não era
constituído só de homens simplórios como desejariam os espíritas, para
associá-los à humildade. Paira sobre João, a suspeita de que teria sido um
filósofo e que a escola a que pertencia escrevera seu evangelho. Por esse
motivo, suas narrativas seriam tão diferentes daquelas feitas pelos outros
evangelistas. Se isso fosse verdade, possivelmente o Mestre recebesse uma
assistência “oculta” desta escola e, segundo desconfiam, de alguns fariseus que
lhe eram simpáticos, como José de Arimatéia e Nicodemos. Jesus Cristo, parece
não ter sido somente um simples carpinteiro. Os reis magos, que o visitaram por
ocasião de seu nascimento, possivelmente não teriam vindo à Palestina só para
lhe trazer presentes. Evidente que podemos desprezar o que de antigo não tenha
sido explicado, mesmo a maioria das profecias. O espírito de cada um é livre
para se manifestar e se posicionar com bem entende. Só não é direito estendermos
nossos limites pessoais aos outros. Há estudiosos que querem saber mais, que se
propõem pesquisar o presente e o passado para compreenderem o futuro. Os que
estão animados deste espírito devem fazê-lo. Cada um tem sua glória, diria
Paulo.
Atualmente, observasse o aparecimento de um fosso entre o que pensa o
movimento espírita e a realidade do mundo. Enquanto o pensamento espírita aponta
numa direção, o mundo caminha noutra. Chegaram a ser ridículos os discursos
realizados por alguns oradores espíritas, falando da chegada da era do amor e da
fraternidade, quando caiu o muro de Berlim e o comunismo. O clima de “oba-oba”
logo foi abafado pelas agitações sociais que se seguiram nos países de quase
todo o planeta. E, é bem possível que essa falta de sintonia entre o pensamento
doutrinário e a realidade do mundo seja fruto da escravidão a que se submeteram
os espíritas neste século e meio de vida doutrinária.
A Bíblia poderia ter fornecido elementos para melhor se compreender o
histórico processo evolutivo da humanidade. Se tivesse sido estudada sem
preconceitos não estariam acontecendo coisas tão desagradáveis com os adeptos do
Espiritismo. Mas, estudá-la de que forma? Bem, aí reside um problema: o espírita
não estuda nem a sua Doutrina, como poderia estudar qualquer outra coisa? Eis a
verdade: o movimento espírita é constituído por indivíduos que pouco
conhecimento possuem da religião que professam. Isso nada mais é do que um
retrato triste da realidade. É lamentável que em tantos anos, não se tenha
desenvolvido o gosto pelo estudo do pensamento. Que os modelos pedagógicos
propostos ao movimento não tenham fugido daquele encontrado nas escolas humanas.
É triste vermos associarem a pobreza e a ignorância à humildade e à sabedoria.
Há algo que nós espíritas não compreendemos bem. Há uma íntima ligação entre
as Escrituras Sagradas e o Espiritismo. Muitos de nós estamos ligados ao
desenvolvimento do movimento de espiritualização do mundo não é de hoje.
Estivemos caminhando ao longo de séculos, apegados à história religiosa da
humanidade e somos responsáveis por muitas de suas alegrias e tristezas. O
verdadeiro espírita sente vibrar-lhe as fibras do coração quando está frente aos
fatos ligados ao cristianismo. Revolta-nos que pretensos filósofos de nosso
tempo, ponham-se a condenar o que já nos foi vida em outros tempos.
Seria a Bíblia infalível? Não, ela não é infalível, como nada o é. Só Deus é
infalível, pois que é plenitude. Porém, nós que estudamos os mistérios do
espírito, podemos e devemos estudar os livros sacros. Eles são documentos
antigos que nos auxiliam a compreender a sociedade humana, sua conduta frente à
obra de Deus e o que pode nos trazer o futuro. A infalibilidade espírita vem
sendo responsável pela cegueira espiritual que se esparramou pelo movimento,
transformando-o num enorme organismo doente. Desenvolveu nos adeptos a preguiça
e o apego às idéias prontas. Com isso, multiplicaram-se em nosso meio pessoas
que se posicionaram como líderes sem realmente o serem. São companheiros que
confundiram cultura com sabedoria, duas coisas distintas uma da outra. Não
queremos com isso afirmar que não sejam espíritas esforçados. Porém, suas obras
quase nada diferenciam-se daquelas que fazem os homens comuns. A proposta do
Espiritismo é outra. Só ele possui uma ciência que pode auxiliar o homem
espiritualmente, e deve procurar fazê-lo.
Não há solução para estes males a curto prazo. Se nos próximos anos, como
afirmam as profecias, a humanidade engalfinhar-se com sua ignorância numa
derradeira crise global, as sociedades espíritas poderão corrigir-se. Não pelo
caminho do entendimento como seria o desejável, mas pelo do sofrimento e da
provação.
BANCO DE DADOS Jornal “A Voz do Espírito”
São José do Rio Preto – SP