Tendo em vista a grande procura por parte das pessoas de uma idéia que lhe
dê respostas às questões que as tradicionais religiões não dão, é de prever
que, com a contínua e progressiva divulgação do Espiritismo vá aumentando o
fluxo de freqüentadores nas associações espíritas. Nesse sentido, urge
repensar as práticas doutrinárias nas associações espíritas, tendo em vista as
expectativas das pessoas e aquilo que devemos oferecer às pessoas: uma visão o
mais correcta possível acerca do Espiritismo.
Práticas doutrinárias
Quando se fala em práticas doutrinárias dever-se-ia englobar todas as
actividades da associação espírita, no entanto, geralmente abrange-se aquelas
actividades que de um modo mais directo têm impacto sobre os frequentadores: o
atendimento, a palestra pública, o passe espírita e a reunião de desobsessão.
Vejamos pois algumas considerações sobre estas e outras actividades, sem que
com isso pretendamos esgotar o assunto. Apenas referimos assuntos, ideias,
que, ou já tiveram relação com a nossa actividade ou tivemos delas
conhecimento dentro do movimento espírita português, sempre com o intuito
positivo de auxiliar a melhorar a situação actual.- O Atendimento. Entendemos por atendimento ao público, a
actividade de ouvir a pessoa que vai pela primeira vez à associação
espírita, em busca de informações, de conhecimento ou de auxílio. É
imprescindível que todas as associações tenham uma reunião de atendimento ao
público. Não se confunda atendimento com recepção. A recepção é o acto
normal de receber a pessoa, conversar um pouco com ela, fazer sentir que a
associação também é sua, de maneira que ela se sinta à vontade. Deve ocorrer
logo na primeira vez que se depara com uma pessoa nova na associação. Seria
útil a associação possuir um desdobrável, explicando qual a sua actividade,
objectivos, e o que é o Espiritismo. Seria, digamos uma espécie de montra
que poria a pessoa mais à vontade. A associação espírita deve ter um dia
próprio em que se faça o atendimento ao público, em privado, e não
efectuá-lo no dia da palestra ou de outra actividade. Aí, a pessoa é ouvida,
o seu assunto é analisado à luz do Espiritismo e é-lhe dada uma orientação
de molde a que ela saia do atendimento com a luz da esperança acesa no
coração. O atendimento deve ser efectuado apenas pelos trabalhadores que
tenham condições para isso, e que sejam da irrestrita confiança dos
dirigentes da casa espírita. O ideal seria ser sempre uma equipe de
atendimento, no mínimo de duas pessoas, uma de cada sexo, tendo em conta a
perspicácia de cada um deles. Além disso, o facto de estarem duas pessoas
pode servir de travão a veleidades por parte de pessoas menos preparadas que
estando sozinhas poderão prejudicar a imagem do Espiritismo. É claro que
isso nunca deveria acontecer, mas, nem sempre as pessoas que fazem o
atendimento têm condições para isso (ver colóquios efectuado pela FEP, sobre
este assunto). O atendimento deve ser sempre gratuito, nunca, em situação
alguma cobrando preços de fichas de inscrição, pois aí a pessoa estará a
pagar o próprio auxílio que vai pedir, o que contraria os preceitos do
“Evangelho Segundo o Espiritismo”. Sabemos das dificuldades financeiras que
as associações espíritas têm no seu dia-a-dia, no entanto motivos válidos e
justos como formação, cursos, assistência social, etc., nunca poderão ser a
causa da cobrança antidoutrinária do quer que seja. A associação terá de
rever estratégias de angariação de fundos de molde a não beliscar a pureza
da doutrina espírita. - Palestras públicas. As palestras públicas devem ser orientadas
dentro dos princípios evangélicos. Nesse sentido, os dirigentes espíritas
devem senti-las, e fazer com que essa ideia passe ao público, como reuniões
de amigos, relembrando os cristãos de outrora que se reuniam nas catacumbas
e alguém falava do evangelho, e discutiam amigavelmente o assunto. As
palestras públicas, devem ser isso: uma reunião de amigos onde a
fraternidade, a amizade, têm de ser o combustível que liga os corações. Os
palestrantes devem preocupar-se por estarem perto do público e nunca se
superiorizarem ao ponto de se criarem palanques, estrados, ares de
superioridade, linguagem inacessível para mostrar a nossa superioridade
espiritual, etc., etc. As palestra não devem demorar mais de 30 a 40
minutos. O ideal seria 30 minutos. Posteriormente, deve-se dar oportunidade
ao público de ter esclarecimentos. Assim, deve-se dar cerca de 30 minutos
para perguntas e respostas, onde o palestrante deve mostrar-se humilde ao
ponto de, se não souber a resposta, dizê-lo abertamente, com a promessa de
ir estudar o assunto. A maioria dos palestrantes inventam quando não sabem,
criando muitas vezes embaraços sérios e afastando muito boa gente
interessada que se afasta perante a leviandade das afirmações proferidas.
Temos de ter em atenção este aspecto. O palestrante é apenas alguém que vai
expor o seu tema, à luz do espiritismo, e não fazer uma prova de absoluta
sabedoria. O público deve sentir que esta reunião é sua, em que tem
oportunidade de participar, de discordar, de opinar, sentindo-se assim
próximos do orador. - O passe magnético espírita. O passe espírita é também fonte de
muitos pontos de vista diferentes. É compreensível que muitos trabalhadores
espíritas vivam com hábitos acumulados do passado, pois por vezes torna-se
difícil abandonar hábitos adquiridos. A associação espírita deve ter uma
equipe de passistas devidamente esclarecidos sobre o que é o passe, como
efectuá-lo e em que condições. Terão de ser esclarecidos que não podem tocar
nas pessoas. O ideal seria que os passistas pudessem intercambiar conceitos
com outros trabalhadores de outras associações, aprendendo assim uns com os
outros. A maioria de nós vivemos envoltos no complexo de insularidade, ou
então atingidos pelo “complexo umbilical” (somente olhamos para nos
próprios, ignorando as imensas oportunidades de crescimento interior que
existem no nosso exterior). Está provado cientificamente (por cientistas não
espíritas) que o passe espírita não depende do mexer das mãos e que nem
sequer é necessário a imposição das mãos. Nesse sentido talvez fosse bom
reflectir sobre a necessidade ou não dos movimentos das mãos no passe
espírita, já que o passe é um acto de amor, uma questão de atitude mental e
não uma técnica cega e mecânica. O passe deve ser simples e discreto, os
passistas devem ser simples e discretos, sem roupas especiais (batas brancas
e outros), sem incensos, sem ruídos, estalar de mãos, entre outras práticas.
Teremos de ponderar se essas práticas não irão alimentar o ego do passista,
pois perante o doente poderemos passar por mágicos ou pessoas com poder, se
fizermos mais ou menos movimentos. Decerto poderá ser uma situação
inconsciente, mas poderá existir. É a natural tendência de queremos curar o
próximo. O espírita precisa de ser esclarecido verificando que com movimento
ou sem eles, o passe tem a mesma eficácia. Assim sendo será desnecessário
essa prática de movimentos das mãos, podendo haver uma maior discrição
durante esta actividade. - A desobsessão e mediunidade em público. A reunião de desobsessão
é uma reunião em que pessoas bem preparadas se reúnem com o objectivo de
atender irmãos desencarnados que estejam necessitados e vinculados a irmãos
encarnados que buscaram auxílio na associação. Por isso, só devem estar
presentes nesta reunião os elementos da associação que se considera estarem
preparados para tal. Nunca em situação alguma deve ser efectuada em público
por motivos sobejamente explanados no «O Livro dos Médiuns» de Allan Kardec.
A pessoa necessitada não deverá estar presente, a nenhum pretexto, nem tão
pouco em compartimentos contíguos em que possa ouvir algo proveniente das
manifestações psicofónicas. Os bons espíritos trazem à reunião de
desobsessão os espíritos obsessores necessitados de se manifestarem naquele
dia, devendo-se pedir à pessoa que nessa altura esteja em casa, lendo o
Evangelho e sintonizando com a associação, pedindo ajuda. Temos consciência
do quanto mal pode fazer a presença do doente na reunião de desobsessão,
podendo inclusive agravar os laços que unem o obsessor ao doente pela
atitude mental de medo e até pânico que a pessoa possa adoptar. Defender a
tese que é necessária a presença do doente para retirar laços magnéticos que
o unem ao obsessor, seria o mesmo que admitir que Deus foi injusto para com
os irmãos que vivem noutras regiões do planeta e que não dispõem de
associações espíritas nos seus países. Estudando «O Livro dos Médiuns» bem
como livros de Divaldo Franco, Raul Teixeira e vendo entrevistas de pessoas
conceituadas como a professora Heloísa Pires, a pedagoga Juselma Coelho,
entre muitos outros, todos são unânimes em considerar profundamente errado
fazer desobsessão pública ou com a presença do doente. Aliás bastará ver a
opinião de Kardec, no «Livro dos Médiuns» que é o manual para a prática em
segurança da mediunidade. É claro que cada um tem o livre-arbítrio de seguir
ou não os preceitos de Kardec. - Donativos. Este é outro assunto que teremos de ponderar bem, nas
associações espíritas. De um modo geral, as pessoas habituadas a pagar ou a
“deixar o que quiser” aos médiuns comerciantes, facilmente aceita ou até
deseja, perante o alívio dos sintomas e da perturbação que experimenta, dar
um donativo à associação espírita. Teremos de ponderar se devemos aceitar ou
não. Somos de opinião que não, pois embora muito carentes monetariamente, a
associação que aceita um donativo de uma pessoa doente espiritualmente, é
como se ela estivesse a pagar o auxílio espiritual. Ela sente-se na
obrigação moral de pagar, de contribuir com algo em troca do que recebeu –
alívio, paz, auxílio. Ora a pessoa deve ser esclarecida do objectivo do
Espiritismo, a prática desinteressada da caridade, de molde a que ela
consiga descortinar novas ideias, novos rumos para os seus horizontes de
vida, a espraiarem-se na prática do cristianismo. - Actividades extra-associação. A associação espírita deve ter
actividades fora do seu espaço físico, sejam elas de cariz social, apoiando
famílias carenciados entre outras actividades, sejam elas de âmbito
cultural. Em todas as actividades a simpatia deve ser uma constante, nas
relações humanas, bem como nas relações institucionais, com os diversos
órgãos existentes na cidade, procurando mostrar à cidade o Espiritismo como
um amplo movimento cultural que é, embasado no cristianismo, no seu estado
mais puro. - Formação. A associação espírita deve ter um plano interno de
actividades, que inclua pelo menos um curso básico de espiritismo, formação
para passistas, doutrinadores, palestrantes e atendedores, bem como reunião
de estudo e educação da mediunidade. Deve levar a cabo estas actividades,
mesmo que não possuam pessoas que se sintam com capacidade para efectuarem
esta formação, convidando espíritas esclarecidos de outras associações para
desenvolverem esse trabalho. Não é possível colocar alguém a trabalhar numa
associação espírita sem que ela saiba BEM, o que deve fazer, como, porquê e
para quê. - Perguntas aos espíritos. Uma das razões por que muitas pessoas
recorrem aos centro espíritas é a vontade de fazer perguntas aos espíritos,
para que estes lhes digam o que fazer nesta ou naquela área. Vemos no «O
Livro dos Médiuns», de Allan Kardec, que esta prática não deve ser
generalizada, antes pelo contrário, deve ser uma prática excepcional,
regendo-se o ser humano pelos seus conhecimentos, estudando, ouvindo as
intuições que todos têm. Para além de nem toda as associações possuírem
médiuns seguros para esta tarefa, ter-se-á de ter muito cuidado com a
generalização desta prática que poderá desembocar em situações de obsessão
(pelo excesso de credulidade), e de mistificação (pelo excesso de perguntas,
já que os guias não se dão a esse trabalho indiscriminadamente, tomando o
seu lugar outros que querem opinar). Corre-se o grave risco da pessoa ouvir
aquilo que deseja e passados dias a realidade ser bem diferente, surgindo
assim um natural descrédito do Espiritismo por falta de vigilância das
associações. - Extraterrestres mediúnicos. Uma das novidades repescadas de vez
em quando é a de alguns grupos mediúnicos, secretamente, quase sempre,
revelarem a alguns ouvidos eleitos que foram escolhidos, por entidades
espirituais extraterrestres, pela sua diferença para melhor em relação aos
restantes grupos. É lamentável que a falta de estudos doutrinários nesses
casos seja tão expressiva ao ponto de caberem ali aberrações desse gênero.
Allan Kardec destacou no método espírita a característica da Universalidade
das Comunicações dos Espíritos: quando uma verdade existe para ser revelada,
será então dispersada por todo o mundo pela Espiritualidade Maior, em
perfeito cumprimento do preceito «Colocar a luz em cima do alqueire».
Avançado o dislate, cabem nos tais extraterrestres confusões caóticas das
mais diversas, abrindo-se campo para obsessão e exposição ao ridículo. A
mediunidade é uma ferramenta de trabalho, não é um passatempo para pessoas
que não sabem com o que lidam. Às vezes parece que esta dos extraterrestres
veio para ficar(!). Ora, bastaria estudar melhor «O Livro dos Médiuns» para
entender a inoquidade de tais afirmações. Se já existe tanta dificuldade de
comunicação entre encarnados e desencarnados deste planeta, se os
desencarnados por vezes mesmo querendo não conseguem a afinidade desejado
com o médium X ou Y (tendo a mesma estrutura perispiritual) como conceber
essa facilidade de contacto com espíritos de extraterrestres tendo eles
possivelmente perispíritos diferentes e estando em realidades diferentes? No
mínimo quer parecer-nos bastante fantasioso, ultrapassando as fronteiras do
bom senso a que o Espiritismo nos induz. - Outros aspectos não menos importantes. Outras situações não menos
importantes poderão ser aqui brevemente assinaladas. Por vezes acontece a
tentação de tratamento diferente perante o Dr. X, o Eng.º Y, diferença de
tratamento essa que não passa despercebida aos mais humildes que frequentam
a associação. Teremos de ter muito cuidado nessa área, tratando todos por
igual e não abrindo excepções para ninguém. Uma outra situação é o
receituário, receitando mezinhas, ervas, medicamentos e às vezes até outras
coisas bem absurdas. Teremos de ter em conta que esta atividade não deve
ser praticada na associação espírita a não ser em situações excepcionais e
com médiuns muito seguros (o que é raro). Teremos de ter atenção pois a
associação poderá ficar desacreditada socialmente, no caso do receituário
surtir efeitos inesperados, podendo acabar a associação muito mal vista e
até com problemas de ordem legal. Uma situação que vem ameaçando alastrar no
movimento espírita é a inclusão de músicas, CDs, cassetes com palestra de
palestrantes brasileiros, mensagens ou pensamentos, nas aparelhagens sonoras
com o bom intuito de amenizar o ambiente. Pensamos que não o devemos fazer,
tendo em conta a natural aversão à língua brasileira, que é sinal de
descrédito, na sociedade portuguesa, em virtude das atitudes dos nossos
irmãos de religiões recentemente instaladas. As associações poderão optar
por músicas suaves, pedir aos jovens ou algum adulto que leia suavemente um
pensamento ou mensagem ou até passagem de slides com paisagens, pensamentos
ou ideias espíritas, enquanto a atividade programada não começa. Importante
também não esquecer que a associação espírita deve ser o mais sóbria
possível, sem quadros pendurados, imagens, bustos, decorações espalhafatosas
entre outras originalidades afins. A associação espírita deve ser como a
própria doutrina que procura veicular: simples e discreta, sem altares, sem
toalhas rendadas (o que é muito habitual) e outras coisas que com boa
vontade e sem maldade carregamos do catolicismo. Teremos de ver que a
associação espírita não é uma igreja, mas sim um espaço que deve estar
aberto à sociedade onde é possível ser útil ao próximo, seja pelo estudo
seja pelo apoio mais imediato.
- O Atendimento. Entendemos por atendimento ao público, a
Conclusão
Pensamos que é possível inverter o estado atual do movimento espírita
português. Para isso é necessário a boa vontade de todos, a determinação em
modificar hábitos errados, melhorar o que tiver de ser melhorado. A prática
doutrinária na casa espírita somente melhorará se nos melhorarmos
interiormente. Enquanto continuarmos orgulhosamente sós, fechados nos nossos
conceitos, receando que os “estranhos” venham desestabilizar a nossa
associação, esta não crescerá qualitativamente. Uma associação bem orientada,
segura nas orientações de Kardec, não teme a colaboração alheia. Essa
colaboração deve ser incentivada por todos os dirigentes espíritas,
intercambiando actividades.Com boa formação de base, com mais participação, com mais colaboração mútua
e com mais humildade e vontade de melhorar, o futuro será risonho para esta
doutrina que estamos certos todos nós amamos muito e à qual muito devemos.