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Religião, Cristianismo e os significados das palavras

Carlos Alberto Iglesia Bernardo

Religião: 1 – Crença na existência de força ou forças sobrenaturais; 2
– Manifestação de tal crença pela doutrina e ritual próprio; 3 – devoção(mini
dicionário Aurélio – editora Nova Fronteira – 2.a edição)

Sobrenatural: 1 – Não atribuído à natureza; 2 – Relacionado com
fenômenos extra terrenos; 3 – Sobre humano; (mini dicionário Aurélio – editora
Nova Fronteira – 2.a edição)

Cristianismo: O conjunto das religiões cristãs, i.e., baseadas nos
ensinamentos, pessoa e vida de Jesus Cristo.(mini dicionário Aurélio – editora
Nova Fronteira – 2.a edição)

A língua é um veículo de comunicação, e a fala é o uso desse veículo por um
dado indivíduo numa ocasião dada. Semântica, Stephen Ullman, FundaçãoCalouste
Gulbenkian.

O significado completo e o tom de certas palavras só podem ser captados se os
colocarmos de novo no contexto cultural do período: O rex latino não é um
equivalente exato do king inglês ou do roi francês; a partir da
queda da monarquia, nos primeiros tempos da história romana, adquiriu um matiz
odioso e tornou-se o símbolo da tirania. Semântica, Stephen Ullman, Fundação
Calouste Gulbenkian.

Sem entrarmos detalhadamente na teoria da comunicação, todo transmitir de
informação envolve três elementos:A fonte da informação, o meio de transmissão e
o receptor. Para que a transmissão seja efetiva, há necessidade de que fonte e
receptor possam interpretar a informação recebida, que concordem no modo em que
a informação é codificada.

Na troca de informações entre seres humanos, a linguagem é essencialmente uma
forma de codificação da informação, e os significados das palavras são o código
compartilhado. Um código não muito preciso e que normalmente é compartilhado de
forma inconsciente. Concordamos com o significado das palavras, porque crescemos
em um contexto histórico-cultural em que elas tem um determinado significado
compartilhado por todos. Também concordamos, porque passamos por um processo
educativo em que aprendemos a usar as palavras dentro de determinados limites.

Assim quando “comunicamos” alguma informação,”vestindo” nosso pensamento com
um conjunto de palavras, selecionamos dentre as que – frente a nossa experiência
e formação cultural- correspondem ao que queremos transmitir. Inconscientemente
selecionamos as mais adequadas, não só ao assunto, como ao nosso
“interlocutor”.Quanto maior a “concordância” no significado do código, maior é a
compreensão – a transmissão fiel das informações.

Nossa capacidade de codificar um pensamento em palavras, não só é
proporcional ao nosso domínio da língua,como também da nossa capacidade de
pensar com clareza. Não é possível codificar corretamente um pensamento vago, do
qual nem o próprio autor sabe discernir claramente do que está falando. Neste
processo de codificação, em que muitas das informações para decodificação ficam
subentendidas, é de suma importância o contexto em que a informação é
transmitida. Até hoje, as pesquisas na área de informática para interpretação
automática de textos e fala esbarram nessa dificuldade.

Algumas idéias são codificadas precisamente em palavras, não há muita
ambigüidade quando se fala de substantivos concretos como “água”, “pedra” ou
“fogo” – experiências sensoriais diretas – por outro lado é quase que certeza
que conceitos abstratos como “amor”, “amizade”, “beleza” ou “perfeição” dariam
páginas e mais páginas de discussões acirradas.

Curiosamente, nós normalmente não nos apercebemos deste aspecto da
comunicação e julgamos que nossa fala é precisamente o reflexo de nossas idéias
e que será decodificada pelo nosso interlocutor com a maior eficiência. Não nos
apercebemos que muitas vezes pensamos uma coisa, dizemos outra e nosso
interlocutor entende ainda outra diferente. Na prática, no dia-a-dia, as
diferenças são tão pequenas que não chegam a constituir maiores empecilhos,
porém a questão assume outras proporções quando do jogo de palavras dependem
eventos maiores que somente nossas ocupações corriqueiras. Nos grandes debates
filosóficos e religiosos a perfeita compreensão mútuas e torna a premissa básica
para resultados frutíferos.

Um exemplo bastante acessível disso é a própria palavra “RELIGIÃO”. Quando
estamos discutindo sobre religião com outra pessoa será que estamos discutindo a
mesma idéia de “RELIGIÃO”? Significará RELIGIÃO a mesma coisa para um brasileiro
e para um espanhol? Um hindu e um ocidental estariam falando da mesma coisa ao
usar a mesma palavra? Mesmo dois brasileiros de formação diferente – um de
família protestante e outro de família espírita por exemplo – estariam
traduzindo pela palavra a mesma idéia?

Mais curioso ainda com esse exemplo é o potencial de divisão nos grupos
sociais que essa “codificação” imprecisa traz. Há grupos espíritas que se
dividem porque uns vêem o Espiritismo como filosofia e ciência de
conseqüências religiosas
e outros o vêem como de conseqüências morais.
Uns associam a palavra “Religião” a todo o histórico negativo de manipulação do
ser humano pelos poderes religiosos e se insurgem quanto a simples possibilidade
de lhes ligar a uma “Religião”, enquanto outros vêem na “Religião” a ligação do
homem com Deus e com a criação (que nada tem de sobrenatural, outra palavra com
muito a discutir).

Para uns, não ter “Religião” significa ser ateu, para outros ser “livre
pensador” – não ser ligado a um culto organizado especifico.

Outro exemplo rápido: O que é “Cristianismo”? Talvez alguns digam que é a
adoração ao Cristo! Mas foi esse o sentido original, quando o nome foi atribuído
aos discípulos de Jesus Cristo (do grego, traduzindo um pouco mal o
sentido do Messias hebraico), ainda na antiguidade? Esse sentido para a palavra
não é derivado de um fator histórico posterior, quando a igreja de Roma assumiu
a hegemonia dentre as diversas correntes cristãs dos primeiros séculos (haviam
até os cristãos de Jerusalém que seguiam todos os preceitos mosaicos)? Não seria
cristão, no verdadeiro sentido da palavra, aquele que segue os
ensinamentos de Jesus, independentemente se crê ou não que ele é Deus (ou parte
de uma trindade)?

Pois há quem diga que os espíritas não são cristãos por não termos “culto” a
Jesus e espíritas que querem dissociar Espiritismo e Cristianismo, pois acham
que este prejudica a universalidade – Como se “Amar a Deus sobre todas as coisas
e ao próximo com a sí mesmo” não fosse universal!

Enfim, é importante que tenhamos em mente que a “letra mata, mas o espírito
vivifica” – que saibamos, quando estamos nas discussões de estudo, das naturais
limitações do meio de comunicação e não caiamos na armadilha de nos
desentendermos porque estamos falando de coisas diferentes. Muita tinta e muito
sangue já correu na história por causa dos significados diferentes de uma
palavra (é claro que sempre atiçados por outros interesses além do
esclarecimento fraterno). De codificações erradas – e ambições mal-conduzidas –
já surgiram até cismas religiosos …

“As palavras nos importam pouco. A linguagem deve ser formulada de maneira a
se tornar compreensível. As dissensões humanas surgem porque sempre há
desentendimentos sobre as palavras, pois a linguagem humana é incompleta para as
coisas que não lhes ferem os sentidos”. Resposta dos Espíritos a questão 28 do
Livro dos Espíritos, Cáp. II – Elementos Gerais do Universo.

Atenciosamente,

Carlos Iglesia

(Publicado no Boletim GEAE Número 404 de 14 de Outubro de 2000)

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