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São Paulo 450 anos – O Museu Espírita

Carlos Alberto Iglesia Bernardo

Comentamos em artigo publicado no Boletim 469 – o primeiro de uma série que pretendemos publicar em homenagem ao aniversário da capita paulista – que nela a Doutrina Espírita encontrou ambiente propício para sua implantação e desenvolvimento. Pois nesta edição apresentamos um exemplo desta acolhida. Foi em São Paulo que um antigo projeto de Kardec para a manutenção da memória do movimento espírita tornou-se realidade.

Museu Espírita

No artigo “Constituição Transitória do Espiritismo”, da Revue Spirite de dezembro de 1858, Kardec apresenta a idéia de um “museu em que serão reunidas as primeiras obras da arte espírita, os trabalhos mediúnicos mais notáveis, os retratos dos adeptos que bem o tiverem merecido da causa por seu devotamento, os dos homens que o Espiritismo honra, embora estranhos à doutrina, como benfeitores da Humanidade, grandes gênios missionários do progresso, etc.”

No ano seguinte – 1869 – Allan Kardec desencarna e seus sucessores imediatos na direção da Sociedade de Estudos Espíritas de Paris e na direção da Revue Spirite tem de enfrentar questões mais imediatas como a continuidade da divulgação da Doutrina e sua sobrevivência em um mundo que passa por transformações politicas e econômicas gigantescas. Em 1870 estoura a guerra franco-prussiana que culmina na derrota francesa, pondo fim ao período histórico do Império de Napoleão III.

A turbulência inicial – cujo episódio mais famoso foi a Comuna de Paris[1] – abre o caminho para a “Belle Époque”. É a época do apostolado de Léon Denis, da celebridade de Cammille Flammarion e, junto com o desenvolvimento da fotografia, também a época da fotografia espírita. A França dita a moda e influencia o mundo. Por meio da influência cultural francesa o Espiritismo se propaga e nesse momento de expansão os planos de um museu acabam esquecidos. Investiga-se, discute-se, abrem-se caminhos novos e – para os pioneiros desta época – os fatos que deram surgimento ao Espiritismo são tão próximos que não parecem precisar de um museu para sua preservação[2].

A “Belle Époque” termina com a I Guerra Mundial, um tragédia de proporções colossais para a cultura européia, tragédia que só seria superada pela II Guerra Mundial. O fim da “Belle Époque” e o início do período de entre-guerras vê o surgimento da Revolução Russa e dos regimes totalitários – de esquerda e de direita – em praticamente todo o continente europeu. Onde se escapa das ditaturas não se escapa do medo que elas infundem. É uma época de incertezas e de receio, o que sai do normal é visto como ameaça e idéias diferentes são um perigo a ser erradicado. Assim o Espiritismo praticamente desaparece na Europa deste período.

Dr. Paulo Toledo Machado

O sonho só seria retomado em 1997, a partir de um acervo reunido durantes décadas pelo Dr. Paulo Toledo Machado e pelo Instituto de Cultura Espírita do Estado de São Paulo. Retomando o projeto de Kardec este acervo foi reunido em local adequado e organizado para permitir sua preservação e análise. O Museu, localizado na Lapa, conta com uma excelente biblioteca, uma hermacoteca em fase final de organização e salas para conferências e apresentação do acervo principal. Em edifício anexo estão sendo preparadas a Pinacoteca, uma sala para projeção de filmes, arquivo histórico e sala de teatro. São ao todo três edifícios que contém o Museu, a sede administrativa do ICESP e as instalações citadas.

Reconstituição das Pinturas de Monvoisin

Simbolizando a forte ligação entre o museu atual e o projeto de Kardec, estão em local de destaque as reconstituições das pinturas de Monvoisin (Raymond-Auguste Quinsac) presenteadas pelo artista a Allan Kardec. Estas obras constituiriam o ponto inicial do museu proposto (vide Revista Espírita – junho de 1869 – Museu do Espiritismo) e representam momentos históricos de grande significado, como por exemplo a transfiguração no Monte Tabor, cenas da vida de Joanna D´Arc e a execução de João Huss.

Entre as obras disponíveis na Biblioteca e na Hemeroteca, encontram-se livros e periódicos raros. Obras do séc. XIX e início do século XX que permitem reconstituir os passos iniciais do Espiritualismo Moderno e da Codificação Espírita. De destaque são edições originais da Revue Spirite e das obras da codificação, entre elas a edição comemorativa do primeiro centenário do Livro dos Espíritos com o fac-simile da edição de 1857. A edição que é conhecida atualmente foi uma revisão e ampliação desta edição original, publicada em 1860.

Dentro da visão de que um Museu é também um pólo gerador de cultura, ao preservar e interpretar o passado, o ICESP promove ciclos de palestras onde são estudados a história da Doutrina e seus postulados, desde os precursores até o movimento espírita atual. A história desta maneira torna-se guia para a compreensão do presente e base para a escolha dos rumos do futuro.

A revista do Instituto, publicada trimestralmente, também é um dos recursos de apoio deste trabalho, seus artigos veiculam os estudos realizados no ciclo de conferências e aprofundam temas históricos e culturais. Andrew Jackson Davis (1826-1910), Marina Duclos Leymarie (1837-1904), Pierre-Gaëtan Leymare (1827-1901), Adolfo Bezerra de Menezes (1831-1900) além de Chico Xavier e do próprio Kardec foram alguns dos temas principais das edições desta revista.

O Museu, como outras grandes obras espíritas, foi construído com abnegação e sacrifício. Fundamenta-se no trabalho e nas contribuições voluntárias de seus colaboradores. Assim, não seria possível deixar de salientar que ele está de portas abertas a todos os companheiros que desejarem colaborar com a preservação da memória do movimento espírita.

É uma obra extraordinária e fazemos votos de que continue prosperando, que, da mesma forma que nestes 450 anos da cidade, esteja aberta ao pesquisador nos aniversários de 500, 550, 600 e assim por diante …

E fazemos votos de que as edições do GEAE estejam lá em seu acervo também 😉

O endereço do Museu Espírita é:

Rua Guaricanga, 357

Lapa – São Paulo, SP

TEL (11) 3834-4701

CEP 05075-030

icesp@frontier.com.br

http://www.frontier.com.br/Icesp

Notas Complementares

1 – Com a rendição de Napoleão III foi criada na França uma republica de tendência conservadora. O conselho municipal de Paris recusou-se a aceitar os termos da rendição e a forma como a nova republica foi constituída, estabelecendo um governo independente. As tensões do final da guerra acabaram levando a exaltação dos ânimos e ao radicalismo de ambos os lados. A “Comuna de Paris” reviveu episódios do extremismo jacobino da revolução de 1789, com execuções publicas e assassinatos cometidos pela turba descontrolada. Sem uma organização militar efetiva a Comuna foi facilmente derrotada pela tropa do governo, que por sua vez foi implacável contra seus partidários.

2 – Naturalmente ocorreram algumas iniciativas isoladas para a preservação da história do Espiritismo, como, por exemplo, o livro de biografias escrito por J. Malgras e publicado em 1906: “Les Pionniers du Spiritisme en France” (Os Pioneiros do Espiritismo na França). Em 1926, já no período entre as guerras mundiais, foi publicado o livro “The History of Spiritualism” (A História do Espiritualismo) de Arthur Connan Doyle, que é a principal fonte de informações para a história do surgimento do Espiritualismo Moderno e do Espiritismo.

Bibliografia

  • BAUMARD, C. Léon Denis na intimidade. Tradução Wallace Leal V. Rodrigues. Matão (SP): Casa Editora O Clarim.
  • DOYLE, A. C. História do Espiritismo. Tradução Júlio Abreu Filho. São Paulo: Editora Pensamento, 1978.
  • FRIEDRICH, O. Olympia – Paris no tempo dos impressionistas. Tradução Hildegard Feist. São Paulo: Círculo do Livro, 1992. (Este livro apresenta o panorama cultural do período de Napoleão III. Tem informações interessantes sobre a guerra franco-prussiana, inclusive do cerco de Paris pelas tropas prussianas e da Comuna).
  • KARDEC, A. Constituição Transitória do Espiritismo, Revista Espírita – Dezembro 1868. Tradução Júlio Abreu Filho. São Paulo: EDICEL (vol. XVI da coleção com as obras completas de Allan Kardec).
  • ___. Museu do Espiritismo, Revista Espírita – Junho 1868. Tradução Júlio Abreu Filho. São Paulo: EDICEL (vol. XVIII da coleção com as obras completas de Allan Kardec).
  • LEYMARIE, M. P. Processo dos Espíritas. Introdução em português por Herminio C. Miranda. Rio de Janeiro: FEB, 1976 (O livro original é um texto da Madame Leymare em defesa de seu marido, Pierre-Gaëtan Leymare, sucessor de Kardec na direção da Revue Spirite, injustamente acusado de participar de um caso de falsificação de fotografias espíritas. Em 1875 a fotografia espírita estava em voga e chamava muito a atenção de pesquisadores e dos leigos. A edição da FEB é na realidade um resumo de Herminio C. Miranda com uma apresentação inicial sua sobre a fotografia espírita e sua história).
  • MALGRAS, J. Os Pioneiros do Espiritismo. Tradução Sebastião Paz. São Paulo: DPL, 2002.
  • SAMPAIO, J. Flammarion: Um Astrônomo diante do mundo dos Espíritos. GEAE: http://www.geae.inf.br/pt/biografias/cflammarion.html
  • VALENTIN, V. História Universal. Tradução Eduardo de Lima Castro. São Paulo: Livraria Martins Editora: 1948. (Uma excelente obra do historiador alemão Veit Valentin. O tomo III trata desde o inicio do século XIX até o final da II Guerra Mundial. Há um capitulo sobre Napoleão III, abordando inclusive a guerra Franco-Prussiana de 1870. Este historiador viveu pessoalmente os problemas da ascensão do nazismo na Alemanha – teve inclusive que se refugiar no exterior – dando assim uma descrição de primeira mão sobre os fatos que marcaram essa época).
  • WANTUIL, Z. THIESEN, F. Allan Kardec. Rio de Janeiro: FEB, 1980 (Uma das melhores obras sobre Allan Kardec e seu tempo).
  • WEBER, E. França Fin-de-Siècle. São Paulo: Companhia das Letras, 1988 (Um olhar sobre a França da virada do século XIX para o XX. A rigor o “fin de siècle” corresponde aos anos finais do século XIX e a Belle Époque aos anos iniciais até a I Guerra Mundial. O nome “Bela Época” foi dado posteriormente face aos horrores da I Guerra Mundial e as incertezas do entre-guerras).

(Publicado no Boletim GEAE Número 470 de 10 de fevereiro de 2004)

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