Enéas Canhadas
Esta afirmação tão corriqueira e que usamos tantas vezes, mesmo inadvertidamente, talvez encerre um profundo desejo da criatura humana, mas do qual não temos ciência aprofundada, isto é, não nos damos conta do que isso pode significar.
Desde as situações mais descompromissadas “ah! Se eu fosse você eu faria assim ou assado” até aquelas situações que implicam em acontecimentos muito importantes tanto para a vida de alguém como para a nossa própria vida, se não falamos essa frase claramente ou em voz alta, no nosso íntimo ela, muitas vezes, por certo foi pronunciada. Depois ao nos afastarmos da situação ou da pessoa, vamos dizendo dentro de nós coisas como “ele não deveria fazer isso” ou “ela não sabe ainda o que está fazendo, mas quando cair a ficha…” e assim por diante. Estamos em situações como essa, dizendo essa mesma frase lá dentro de nós, sem que nenhum som tenha saído da nossa boca. Aliás, existe um filme brasileiro com esse nome, estrelado por Tony Ramos e Glória Pires, que conta a história de um casal que, em dado momento do seu casamento, passam a viverem em corpos trocados, isto é, ele passa a viver no corpo da sua mulher e ela passa a viver no corpo do seu marido, cada um por se fosse o outro. O filme também mostra que coisas acontecem quando nós tentamos viver como se um fosse a outra pessoa.
Mas é claro que em se tratando de comportamento humano, em geral, quando pronunciamos esta frase, estamos querendo dizer que sabemos o que é melhor para uma outra pessoa. Existe aí uma onipotência quando sabemos melhor do que a outra pessoa o que é bom para ela. Como alguém pode saber o que é melhor para mim se não está dentro de mim sentindo o que estou sentindo? Bert Hellinger1 nos ensina que a grande sabedoria nos relacionamentos consiste em ver o outro como ele é, do jeito que ele é, e somente da maneira como ele é. Parece simples, mas quanta dificuldade nós enfrentamos em conseguir olhar para uma pessoa e dizer apenas como ela se apresenta ali naquela hora em que a vemos e como nós conseguimos vê-la. O problema não está no fato de alguém olhar para a sua aparência física e pensar que imaginava aquela pessoa mais alta ou mais baixa, o problema está no fato de, ao olharmos para uma pessoa, os nossos valores, os nossos critérios pessoais de ver e perceber a vida e tudo o que se encontra ao nosso redor, automaticamente e muito rapidamente nos leva a julgar a outra pessoa. Com igual rapidez vamos substituindo o “como eu a vejo ou percebo que ela é” para o “como eu acho ou entendo que ela é”, e assim vou criando uma “verdade” apenas dentro de mim de como aquela pessoa é, já segundo a mim mesmo, e dessa maneira vou esquecendo o como ela é de fato. Não mais a enxergo e o meu olhar dá lugar para uma outra pessoa que acabo de determinar dentro de mim.
Quando criamos a pessoa dentro de nós do jeito que queremos que ela seja, temos uma expectativa: “ela deve ou deveria ter feito dessa ou daquela maneira” e é por isso que ainda tentamos “salvar” a situação dizendo a expressão “se eu fosse você”, é como se ainda fosse possível daquela pessoa se tornar o que eu espero que ela se torne. Quando, ao olhar para uma pessoa, já tenho dentro de mim uma expectativa do que ela deve ser então já não a vejo do que jeito que ela é. Podemos observar um casal de namorados apaixonados. O que acontece entre eles? Há, por causa da paixão, um fascínio pelo outro. Talvez seja um momento em que uma pessoa apaixonada olha somente para a outra e não vê a si mesma. Quando estamos fascinados ou encantados pela outra pessoa, ela se torna perfeita, e por isso não temos que colocar sobre ela nenhum julgamento e nenhum “como ela deve ser”. Estamos despojados de nós mesmos. O problema agora se tornou outro e reside no fato de que estarmos fascinados pela outra pessoa. Também constitui dificuldade porque um relacionamento equilibrado só será possível quanto melhor nós nos conhecermos e também procurarmos conhecer a outra pessoa, mas desde que seja, tanto quanto possível, do jeito mais fiel a como ela realmente é, com suas virtudes e defeitos, com suas qualidades e suas limitações. Mas é uma pena que, quando duas pessoas estão apaixonadas, de novo nós imaginamos como elas deveriam ser apaixonadas uma pela outra e então, a maneira como eles ou elas se olham, dizemos que é errada, porque não conseguem ver isto ou aquilo uma na outra, ou não conseguem ver como aquela pessoa irá trazer problemas para a vida da outra, e então finalizamos o nosso julgamento dizendo que o “amor é cego”. Talvez melhor fosse dizer que a paixão é “cega”, porque é romântica, fantasiosa e imaginativa, e isso nos conduz para uma visão que queremos ter ou pensamos que estamos tendo, como se fosse uma espécie de miragem da alma que nos leva a ver o que desejamos enxergar. O sentimento de amor é racional e não tira os nossos pés do chão.
A evolução é um processo rigorosamente individual no sentido de que cada Espírito vive a sua evolução da maneira que já possui condições para tanto. Todos os caminhos que o Espírito trilha está, de alguma forma, representando a sua maneira própria de evoluir, e isto nos conduz rapidamente ao discernimento de que nenhum pode evoluir pelo outro, nem mesmo junto com o outro, mas apenas dentro de certo tempo que pode ser mais ou menos próximo. Não podemos nem falar em evolução de dois Espíritos ao mesmo tempo, a não ser que compreendamos que ao mesmo tempo estamos todos evoluindo. Nessa direção caminhamos progredindo buscando, aos poucos, evitar pensar que sabemos como a outra pessoa deveria ser ou estar “se eu fosse você”, mas não é demais repetir que isso não é possível.