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Ser Religioso NÃO É Ter Religião

Fernando Guedes de Mello

Entrevista do autor do livro para o jornal “O Tempo” em 22/04/2003

Advertência: O texto a seguir é o originalmente enviado à redação e não coincide exatamente com o que foi publicado. Os jornais têm seus critérios editoriais que não nos cabe aqui discutir, mas que às vezes podem comprometer a inteireza da nossa exposição. Por essa razão, optamos por enviar-lhes o texto original com as respostas e a introdução sugerida para a entrevista.

Mais que uma formação universitária em engenharia, Fernando Guedes de Mello tem uma preocupação universal. Trabalhou durante 25 anos em obras, mas dedicou seus últimos anos de profissão à formação de equipe no treinamento gerencial da empresa onde atuava, junto com outros profissionais (médicos, psicólogos, administradores, etc.). De formação católica, fez parte da Juventude Universitária Católica (1957-61). Nos anos 80, iniciou-se na prática de yoga e meditação zen, o que propiciou-lhe uma percepção mais aguçada do fenômeno religioso. Por conseguinte, lançou em 1997 seu primeiro livro, “Reencontro Cristão” (DP&A). Como parte do estudo das origens de sua religião de berço, cursou teologia (1996-98). O livro “Ser Religioso NÃO É Ter Religião”, agora lançado via Internet, é fruto dessa nova fase.

Ainda em 1998, produziu um documento com comentários à Encíclica “Fé e Razão” do papa João Paulo II e que mereceu o reconhecimento do consagrado filósofo Pe. Henrique Vaz, S.J., recentemente falecido. Alguns desses comentários fazem parte do livro ora lançado. Entre outras coisas, dizia o Pe. Vaz em sua carta de 17/06/1999:

“Só agora, em meio ao acréscimo de afazeres administrativos nessa faculdade da qual, por algum tempo ainda, sou o Diretor, consegui fazer uma primeira leitura de seu belo comentário à “Fides et Ratio”. É o mais minucioso e compreensivo entre os que até agora li, em geral pequenos artigos. Os teólogos europeus, que eu saiba, ainda não reagiram à Encíclica de modo mais profundo e abrangente.

“Estou substancialmente de acordo com suas interpretações. Há pormenores que podem ser discutidos e aprofundados. Voltarei a reler seu texto nas férias (…). Além do valor doutrinal, seu texto representa um testemunho existencial que merece ser conhecido. Espero que venha a ser publicado e difundido, sobretudo no meio universitário.”

O Tempo: Por que o lançamento de um livro pela Internet? É um “e-book”?

Autor: Não. Ao contrário do “e-book”, não é virtual. Quem compra o livro recebe-o em casa pelo correio. No lançamento pela Internet, é apresentado um resumo de seu conteúdo e os procedimentos para sua aquisição, junto com um breve curriculum do autor. Trata-se na verdade de uma idéia nova que visa a simplificação e democratização do mercado editorial. Qualquer pessoa com conhecimento do assunto, que disponha de um computador e que tome a decisão de colocar suas idéias na tela pode nele se lançar.

Chamo a atenção para a criatividade do novo formato que rompe com antigo modelo de livro, herança ainda do velho códice romano do século I. Só o papel substituiu o papiro. O novo modelo é de mais fácil manuseio. Dispensa, por exemplo, o “marcador de livro” e tem preço competitivo. As 108 páginas no novo formato eqüivalem a um livro tradicional com 180 páginas. Elimina de uma só vez editora, estoque e distribuição do livro, e a sua divulgação é feita pela própria Internet. O autor torna-se seu próprio editor.

O Tempo: O que você quer dizer por “Ser Religioso NÃO É Ter Religião”?

Autor: Bom, uma resposta mais completa só com a leitura do livro. Mas, em linhas gerais, trata-se de uma denúncia da massificação da religião, reduzida a mais um produto da sociedade de consumo. De repente, é como se o problema da salvação pudesse ser resolvido com um bom marketing religioso. Nessa perspectiva, nossa interioridade perde sua razão de ser. Torna-se supérflua.

O Tempo: Desde o início dos tempos, grupos e/ou instituições têm se apropriado da religião, para incitar conflitos políticos. Na sua opinião, porque a religiosidade foi tão maculada?

Autor: Seria bom não generalizar. Todas as grandes tradições religiosas tiveram seus momentos de glória, em geral com aqueles tidos como seus fundadores ou, mais tarde, com reformadores que buscavam resgatar-lhe os ideais originais. Na medida em que as religiões se afastam no tempo de sua origem, há uma tendência a se institucionalizarem, transformando-se em mega-organizações. É quando ocorrem os compromissos políticos, de direita ou de esquerda, que lhe obscurecem os propósitos iniciais.

O Tempo: Você teve uma criação católica, estudou teologia e há mais de 20 anos se debruça sobre textos canônicos, apócrifos e gnósticos. Na sua opinião, qual o maior pecado da Igreja Católica? Porque ela tem perdido tantos fiéis?

Autor: Bem, colocar a questão em termos de “pecado” é repetir um erro que começou com o judaísmo e que foi repassado aos cristãos, qual seja, o de procurar um culpado (ou uma vítima propiciatória) para expiar os nossos pecados. Isso impregnou toda a cultura ocidental. Para corrigir essa sociopatologia milenar, o Ocidente teria muito o que aprender com as filosofias e religiões orientais. Trata-se de uma corrida contra o tempo, já que o próprio Oriente vem se ocidentalizando aceleradamente com a globalização… Aliás, a questão não é geográfica. Oriente e Ocidente encontram-se dentro de cada um de nós. É mais uma questão de autodescoberta.

Quanto à perda de fiéis pela Igreja Católica, é como se ela tivesse parado no tempo. Sua postura é ainda a de religião oficial do Império Romano. Mesmo as reformas do Concílio Vaticano II foram muito tímidas, tendo em vista o “aggiornamento” com que o papa João XXIII tanto sonhou.

O Tempo: O Evangelho de Tomé tem uma mensagem que, a meu ver, tem um poder devastador: o Reino de Deus está dentro e não fora de nós. Por que surgiram tantas religiões, cada uma com seus próprios dogmas e prometendo o reino dos céus, a salvação, quando na verdade, essa é uma dificílima jornada interior?

Autor: Na realidade, a afirmativa de que o Reino de Deus está dentro de nós já se encontra nos evangelhos canônicos, notadamente em Lucas (Lc.17,20-21). O evangelho de Tomé, que é mais antigo do que os canônicos, tem uma abordagem mais ampla e afirma que “o Reino está dentro de vós e, também, fora de vós” (Logion 3). É claro, se está dentro de mim, está também dentro de você e das demais criaturas. Além disso, sua descoberta em mim deve me levar a agir no mundo de acordo com a vontade de Deus.

A ênfase que a metáfora do Reino tomou na religião organizada levou-a a se identificar com ele, considerando-se a única representante de Deus na Terra. Com isso esvaziou o sentido do Reino de sua principal dimensão a que você chamou jornada interior.

O Tempo: É preciso um novo paradigma teológico?

Autor: Basta você ver o que o velho paradigma anda aprontando pelo mundo afora. As religiões baseadas em dogmas são dualistas e tendem a se tornar maniqueístas na medida em que se envolvem na luta pelo poder. É o que ficou conhecido por fundamentalismo. Lideranças políticas predatórias do tipo George W. Bush, Ariel Sharon e Osama bin Laden só se tornaram possíveis porque têm atrás de si movimentos religiosos fundamentalistas.

O Tempo: As religiões funcionariam como um poder paralelo no sentido de manipular e dominar as mentes?

Autor: Mais uma vez, não se pode generalizar. Em seus primórdios ou após um movimento de renovação, as religiões funcionam, via de regra, como instrumento de libertação. Com o passar do tempo, entretanto, tendem a se cristalizar e transformam-se em instrumento de manipulação e de domínio das consciências, até que uma nova tradição seja inaugurada ou uma renovação da antiga tenha lugar. É sempre bom lembrar que toda tradição um dia foi novidade.

O Tempo: Estamos vivenciando o apocalipse?

Autor: A julgar pela capa da revista “Veja” de 26 de março passado (“Apocalipse ao Vivo”, a propósito dos bombardeios a Bagdá), a resposta seria sim. Mas é bom lembrar que apocalipse em grego quer dizer simplesmente “revelação”. O uso do termo como sinônimo de “juízo final” e “fim dos tempos” é fruto de uma teologia medieval mal informada que distorceu o seu sentido original. Aliás, essas duas últimas acepções do termo não fazem sentido à luz da ciência moderna. Segundo ela, o atual universo tem cerca de 15 bilhões de anos e ainda vai existir por outros tantos. Portanto, esqueçam essa idéia de um fim do mundo ou juízo final iminente. O que pode acontecer, como já aconteceu no passado, é o fim de um tempo ou ciclo, e não o fim do mundo.

O Tempo: Você acredita na era de ouro?

Autor: Todas as civilizações e impérios surgiram, cresceram, entraram em declínio e desapareceram. Conheceram uma época áurea, simbolizada nas antigas mitologias da idade do ouro, prata, bronze e ferro. Não se trata, pois, de um objeto de crença, mas de uma constatação histórica.

Ao concluir, gostaria de citar o Dalai-lama no seu livro “Um Coração Aberto”. Diz ele:

“O próprio Buda disse: “Oh, monges e sábios, não aceitem minhas palavras apenas por reverência. Vocês devem submetê-las a análise crítica e aceitá-las com base em sua própria compreensão”. É claro que o Buda está nos dizendo que, quando lemos um texto, devemos confiar não só na fama do autor, mas principalmente no conteúdo. E, ao confrontar o conteúdo, devemos confiar no tema abordado e no significado, em vez de no estilo literário…”

Faço minhas suas palavras e convido os leitores a dar-se uma chance de conhecer o conteúdo do livro “Ser Religioso NÃO É Ter Religião”.

Algumas idéias veiculadas pelo autor do livro:

  • Deus – “Deus não existe… Deus acontece” (Zen).
  • Diabo – Não existe fora, mas dentro de nós. Seu nome é Ego.
  • Salvação, auto-realização – Duas faces da mesma moeda: ninguém salva ninguém, mas também ninguém se salva sozinho.
  • Igreja – “A Igreja não é seu papa, nem seus bispos e padres. Ela é seus santos” (Pio XII).
  • Éden – Projeção do autor do Gênesis de seu sonho de um mundo perfeito num passado mítico (Frei Carlos Mesters).
  • Ressurreição, reencarnação – Ressuscitamos e reencarnamos a cada instante da vida.
  •  – Fé é fé num mestre que realizou Deus em sua vida. Ao contrário da mera crença, pode nos levar à auto-realização.
  • Espiritualidade – O caminho interior para Deus

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