Será que é uma religião ou seita?
Luís de Almeida
Basicamente o Espiritismo é uma ciência, em função da metodologia adoptada por Allan Kardec.
Sempre que alguém trabalha um conceito, estruturado sobre uma metodologia científica qualquer, esse trabalho tem basicamente estrutura científica. Allan Kardec através do tipo de questões que levantou, tipo de análise que apresentou, observação que desenvolveu, deu ao Espiritismo um carácter eminentemente científico.
Allan Kardec era um homem acostumado às reflexões da ciência e aos seus processos – deu à proposta espírita uma dinâmica de carácter científico.
O ESPIRITISMO É UMA RELIGIÃO?
Não, não é. Usualmente define-se o Espiritismo como uma religião. Inclusive, em alguns locais, o Espiritismo é tratado como mais uma religião, a par de centenas de outras. Allan Kardec definiu o Espiritismo de forma bem clara e transparente. Se o Espiritismo fosse mais uma religião perderia o seu carácter Universalista e seria apenas mais uma, no meio de um milhar oriundas do cristianismo, e mais de três milhares provenientes de outras sensibilidades religiosas.
O pensamento de Kardec é bem claro, pelo que não se entende muito bem, essa infeliz afirmativa.
Leiamos Kardec: (1) “Porque, então declaramos, que o Espiritismo não é uma religião?*
Porque não há uma palavra para exprimir duas ideias diferentes, e que, na opinião geral, a palavra religião é inseparável da de culto; desperta exclusivamente uma ideia de forma, que o Espiritismo não tem. Se o Espiritismo se dissesse uma religião, o público não veria aí senão uma nova edição, uma variante, se se quiser, dos princípios absolutos em matéria de fé; uma casta sacerdotal com seu cortejo de hierarquias, de cerimónias e de privilégios; não o separaria das ideias de misticismo e dos abusos contra os quais tantas vezes se levantou a opinião pública.
Não tendo o Espiritismo nenhum dos caracteres de uma religião, na acepção usual do vocábulo, não podia nem devia enfeitar-se com um título sobre cujo valor inevitavelmente se teria equivocado. Eis porque simplesmente se diz: doutrina filosófica e moral.“*
Acreditamos que podemos amar profundamente o próximo e pôr em prática essa notável nobreza, aproximando-nos de Deus, através do crescimento interior de cada um, sem haver necessidade de se reduzir o Espiritismo a uma religião, contrariamente ao pensamento de Kardec. Não devemos confundir moral com religião. A moral tem um sentido mais abrangente, mais Universalista, englobando todas as sensibilidades religiosas, sendo ela própria, uma disciplina da Filosofia. O conceito de religião é redutor limitando-se apenas a uma religião, é limitativa, absolutista, estática, e sendo a mais pura antítese, da lógica e do raciocínio.
O QUE É O ESPIRITISMO?
Mas afinal o que é o Espiritismo?(2): “O Espiritismo é, ao mesmo tempo, Ciência Experimental e Doutrina Filosófica. Como ciência prática, tem a sua essência nas relações que se podem estabelecer com os espíritos. Como filosofia, compreende todas as consequências morais decorrentes dessas relações. Pode ser definido assim: O Espiritismo é uma ciência que trata da natureza, origem e destino dos espíritos, bem como de suas relações com o mundo corporal.“*.
Pelo que podemos constatar, Allan Kardec, numa definição límpida de Espiritismo não faz qualquer menção a ser uma religião. Será que o génio de Kardec se esqueceu? Vejamos…
QUAL O VERDADEIRO CARÁCTER DO ESPIRITISMO?
Mais à frente no mesmo livro, podemos observar uma conversa de Allan Kardec com um padre, em que ambos estabelecem o seguinte diálogo(3):
“O sacerdote – Convenho em que, no que diz respeito às questões em geral, o Espiritismo é conforme às grandes verdades do Cristianismo. Mas… e aos dogmas? Não vai ele de encontro a certos princípios que a igreja ensina?
Allan Kardec – O Espiritismo é, antes de tudo, uma ciência, e não se ocupa com questões dogmáticas. Como ciência, e como todas as filosofias, tem consequências morais. Estas são boas ou más? Pode-se julgá-lo pelos princípios gerais que acabo de recordar. Algumas pessoas se equivocaram quanto ao verdadeiro carácter do Espiritismo. A questão é suficientemente séria e de molde a merecer uma explicação de nossa parte.”*
Pelo que vimos acima, já podemos observar que o próprio Allan Kardec considera o Espiritismo como tendo consequências morais e não consequências religiosas como alguns pretendem. É tremendamente lógica e racional esta conclusão de Kardec; uma vez que o Espiritismo leva à nossa reforma moral, e não à nossa reforma religiosa. Alertando mesmo para a gravidade de tal proposta.
Um pouco mais à frente, Kardec, ainda detalha mais esta questão…(4): “Melhor observado depois de sua divulgação, o Espiritismo faz luz sobre uma multidão de questões até hoje tidas como insolúveis ou mal compreendidas. Seu verdadeiro carácter é, pois, o de uma ciência e não de uma religião. A prova disso é que conta entre seus adeptos homens de todas as crenças (…)”.*
RELIGAMENTO A DEUS OU “RELIGAÇÃO”…!?
Existem também algumas teorias sofistas, (partindo de uma premissa falsa) de que a palavra religião vem do latim religare que se considerarmos que o Espiritismo nos “religou” a Deus (o que é um autentico paradoxo, já que nunca estivemos separados do Criador), podemos chamar-lhe religião. Independentemente da etimologia ou semântica da palavra, vamos novamente ver o que Kardec diz a este respeito, ainda no mesmo livro (5):
“O sacerdote – O senhor faz não obstante, as invocações segundo uma formula religiosa?
Allan Kardec – Anima-nos, certamente, um sentimento de religioso, nas evocações e em nossas reuniões. Não existe, porem, uma formula sacramental. Para os Espíritos o pensamento é tudo; a forma não vale nada. Nós os invocamos em nome de Deus porque cremos em Deus e sabemos que nada se cumpre neste mundo sem a Sua permissão e porque se Deus não lhes permitisse vir, não viriam. (…) Isto tudo o que prova? Que NÃO SOMOS ATEUS, O QUE DE NENHUM MODO IMPLICA EM QUE SEJAMOS RELIGIOSOS.” *
Observa-se aqui que Allan Kardec é bem pragmático ao fazer a diferenciação entre NÃO SER ATEU e SER RELIGIOSO. Saber que Deus existe, é tão somente isso mesmo: não ser ateu.
QUEM DESEJA QUE O ESPIRITISMO SEJA MAIS UMA RELIGIÃO?
Eis uma observação de Kardec, muito a propósito, na Revue Spirite de 1864, p. 199, com respeito à divulgação do Espiritismo como uma religião pelos doutores da Lei da era moderna:
“Quem primeiro proclamou que o Espiritismo era uma religião nova, com seu culto e seus sacerdotes, senão o clero? Onde se viu, até o presente, o culto e os sacerdotes do Espiritismo?
Se algum dia ele (Espiritismo*) se tornar uma religião, o clero é quem o terá provocado”.*
Bem e finalizamos… o Espiritismo é a doutrina mais bela que pessoalmente temos conhecimento.
Referências
(1) “Revista Espírita”, Ano XI, Dezembro 1868, vol. 12, – Discurso proferido pelo Sr. Allan Kardec na sessão anual comemorativa dos mortos na Sociedade de Paris, 1º de Novembro de 1868
(2) Kardec, Allan – O que é o Espiritismo -, Prólogo, pág. 12, LAKE
(3) Kardec, Allan – O que é o Espiritismo -, Cap. I, Terceiro Diálogo – O sacerdote, pág. 97, LAKE
(4) Kardec, Allan – O que é o Espiritismo -, Cap. I, Terceiro Diálogo – O sacerdote, pág. 98-99, LAKE
(5) Kardec, Allan – O que é o Espiritismo -, Cap. I, Terceiro Diálogo – O sacerdote, pág. 99-100, LAKE
* Grifos nossos.