Tamanho
do Texto

Seremos todos espíritas?

Seremos todos espíritas?

O mundo das imagens oscilantes, marca registrada dos tempos atuais, é também
o dos mitos construídos e das ideologias veiculadas através de mensagens
persuasivas. O sonho de um Espiritismo universal está representado pelo “mito da
humanidade espírita” construído pelo adepto cujos valores se firmaram
internamente.

As discussões em torno da idéia retro-alimentada (indivíduo-centro
espírita-federativas-indivíduo) de uma conquista geral de mentes e corações para
o espiritismo contemplam uma gama considerável de sentidos que podem ser
explorados em seus conteúdos diversos. Embora não tenha sido objeto de uma
pesquisa consistente- e o mereceria- a questão alcança não apenas o campo da
comunicação, em que uma insistente parcela de adeptos tenta marcar presença em
considerações teórico-críticas e mesmo uma ação pela busca dos meios de
comunicação de massa, mas atinge também o meio privilegiado da prática
espírita-o centro- fazendo com que muitos dos esforços que aí se realizam sejam
canalizados para o convencimento do adepto à ação.

Até que ponto o sonho de uma mundialização massiva do Espiritismo responde a
uma iniciativa presente na própria realidade dos meios de comunicação, que
exploram a competição e a tornam até certo ponto uma moda a ser seguida? Quanto
existe de intenção de supremacia e dominação na vocação dos adeptos de tornar a
sua doutrina hegemônica? Até que ponto o estímulo dado nos centros espíritas
reflete a influência do meio social e se torna outra influência a reforçar o
sentido competitivo explorado pela mídia através de mensagens persuasivas muitas
vezes irresistíveis?

As atitudes voltadas ao convencimento do outro para as nossas idéias e
crenças são comuns e, talvez, rotineiras na sociedade. Se há alguma coisa que
poderíamos qualificar como natural parece ser esta. As crenças políticas,
econômicas, ideológicas, religiosas etc.,que perpassam os seres humanos em seus
mais variados conceitos assumem na hierarquia dos valores internos uma posição
destacada, pois compõem aquilo que poderia ser denominado cultura da segurança.
Munido desses valores, o indivíduo se sente em condições de um agir em sociedade
suficientemente satisfatório, sustentando-se na convicção de que possui um
mínimo necessário para sua sobrevivência psíquica, para conquistar outros
espaços e concretizar novas realizações. Daí, portanto, sobrevir-lhe o desejo de
convencer o outro para suas crenças e idéias. Conquistar aliados reforça a
crença, dá-lhe ainda mais substância, confere validade ao esforço de ampliação
dos próprios domínios.

Ao mesmo tempo, porém, que este mundo internalizado de valores confere
segurança e sustenta o indivíduo em sua vida de relação, esconde os perigos
existentes nas próprias condições de sobrevivência psíquica oferecidas pela
sociedade. “Nada é estável -afirma Thompson-, nada é fixo, e não há entidade
separada da qual estas imagens são o reflexo: na idade de saturação da mídia, as
múltiplas e mutáveis imagens são o self.” 1

O mundo das imagens oscilantes, marca registrada dos tempos atuais, é também
o dos mitos construídos e das ideologias veiculadas através de mensagens
persuasivas. Mitos e ideologias se misturam identificados e muitas vezes
concorrem para o mesmo fim. O sonho de um Espiritismo universal está
representado pelo “mito da humanidade espírita” construído pelo adepto cujos
valores se firmaram internamente.

O estímulo à competição aparece subjacente em mensagens que circulam nas
diferentes mídias, e nem sempre surge dissimulado. Somos todos persuadidos de
que competir faz parte do cotidiano e essa competição está presente na moda, nos
esportes, na literatura, e até mesmo nos lares, como se fizesse parte do ser e
como se o ser só pudesse se realizar através das vitórias que tornam a sua
identidade visível. Também por isso, essa identidade se faz mutante e instável.
Em contexto dessa ordem, o mito da superioridade alcança o adepto das diversas
doutrinas como estímulo à competição umas com as outras, competição que recebe
ainda outros estímulos através do conteúdo das próprias doutrinas. Parece claro
que o Espiritismo não foge à esta regra, embora seja preciso reconhecer que
estes conteúdos estimulantes nem sempre tenham sido construídos para funcionar
como elementos direcionadores de uma competição real.

A análise do mito reserva um espaço para a problematização das profundas
diferenças que marcam os indivíduos e singularizam as interações humanas.
Conquanto essas diferenças sejam contempladas teoricamente no corpo da doutrina
espírita, elas tendem a desaparecer em presença do mito, que em si mesmo
constituí uma maneira de empobrecer a teoria da evolução, não apenas porque é
reducionista, mas por esconder as diferenças. Uma ética da convivência considera
a diversidade de caracteres individuais, nos níveis moral e intelectual,
diversidade essa que desaparece com o mito da humanidade espírita, menos por ter
sido resolvida e mais pela presença de um certo romantismo.

O sonho mítico que entende e (pre)tende um agir no sentido de conquistar para
a crença espírita a humanidade é estimulado por elementos presentes no cotidiano
social e nos conteúdos doutrinários. É justo concluir que o sonho contempla um
forte anseio de poder, seja ou não para exercer qualquer tipo de dominação, uma
vez que a suposta conquista da humanidade conferiria uma condição total para o
estabelecimento de rumos segundo a ideologia específica. Fora isso viável,
restaria resolver a questão: como se desenvolveriam no interior dessa nova
sociedade, entre outras, as interações humanas, considerando que a simples
percepção dos conteúdos espíritas, como tem sido exemplo as relações no interior
da própria comunidade espírita, não é suficiente garantir a paz e a harmonia, um
dos maiores anseios contidos no sonho? Também por essa mesma razão, conviria às
lideranças espíritas, especialmente os dirigentes de centros, reconsiderarem se
vale a pena estimular, mesmo que indiretamente, os adeptos a uma disputa pela
hegemonia de sua crença.

São Paulo – S.P

(Resumo do trabalho apresentado pelo autor no S.B.P.E, de Outubro último.)

1-Thompson, John B. A Modernidade e a Mídia, 2a Ed.Vozes,
Petrópolis,1999,p.201.

Unidades Feal

FUNDAÇÃO ESPÍRITA ANDRÉ LUIZ |||

Feal

Você gostou deste conteúdo?

Há décadas a FEAL - Fundação Espírita André Luiz assumiu o compromisso de divulgar conteúdos edificantes voltados ao bem estar dos seres humanos gratuitamente e, com a sua ajuda, sempre será.

Podemos contar com você?
logo_feal radio boa nova logo_mundo_maior_editora tv logo_mundo_maior_filmes logo_amigos logo mundo maior logo Mercalivros logo_maior