Trindade Santa
Conta o pessoal da velha guarda, em Bauru, que na primeira metade do
atribulado século passado havia um sacerdote decididamente empenhado em
erradicar o Espiritismo, que fincara pé na cidade a partir da fundação do Centro
Espírita Amor e Caridade, em dezembro de 1919.
A par das diatribes contra a Doutrina, em suas homilias domingueiras,
situando-a como iniciativa do demônio para infiltrar-se entre os incautos, ele
costumava determinar que as procissões passassem em frente ao Centro. Então
fazia parar o cortejo e exorcizava a respeitável instituição com gestos rituais
e palavras pronunciadas em latim, do tipo vade retro satane!
Os fiéis persignavam-se buscando proteção contra supostas investidas do
tinhoso, expulso de seu “reduto”.
Os participantes do Centro, quando presentes, contemplavam perplexos aquela
incrível manifestação de intolerância religiosa, chegando a temer que algum
crente mais afoito exercitasse atos de vandalismo, em nome da fé.
Os tempos mudaram. O Espiritismo firmou-se. Tem hoje milhões de adeptos,
incontáveis simpatizantes e é respeitado particularmente pela grandiosa obra
social que realiza, atendendo à multidão aflita e sofredora.
Seus opositores desistiram de atribuir a Doutrina às artes do demônio.
Impossível que satanás se voltasse contra ele próprio, pondo-se a estimular a
bondade.
Jesus, que enfrentou idêntica acusação dos fariseus, ensinou:
Todo reino dividido contra si mesmo acabará em ruína, e toda cidade, ou casa,
dividida contra si mesma, não subsistirá. E, se satanás expulsa satanás, está
dividido contra si mesmo. Como, pois subsistirá o seu reino? (Mateus, 12:25-26).
Somente religiosos retrógrados, que negam o que não conhecem e condenam o que
não se dão ao trabalho de examinar, continuam achando que o demônio dirige o
Centro Espírita.
A propósito, leitor amigo, a Doutrina Espírita faz surpreendente revelação:
Demônios são apenas homens desencarnados ou as almas dos mortos, agindo no
plano espiritual de conformidade com as tendências cultivadas na Terra, mas
submetidos a leis divinas que mais cedo ou mais tarde os conduzirão aos roteiros
do Bem, já que para isso fomos criados e Deus não falha jamais em seus
objetivos.
Assim, o “demônio” até pode manifestar-se no Centro Espírita, apenas para
receber ajuda, dentro da melhor orientação cristã.
Como ensinava Jesus, os sãos não precisam de médico…
Não obstante os progressos alcançados, há muito que se fazer no sentido de
esclarecer as pessoas quanto às finalidades do Centro Espírita.
Há idéias equivocadas.
Supõe-se que o Centro Espírita é:
- Hospital para tratamento de males variados, físicos e psíquicos;
- Ambulatório de revitalização magnética com o passe;
- Gabinete de consultas espirituais, revivendo os oráculos e as pitonisas;
- Caixa postal para correspondências postadas no correio mediúnico;
- Posto de evocação de poderes mágicos para resolver problemas particulares.
Há uma providência fundamental:
Reconhecer que, num primeiro momento, o Centro Espírita deve ser encarado
como uma Escola, onde noções fundamentais são oferecidas a respeito da Vida.
Ficamos sabendo de onde viemos, porque estamos na Terra, para onde vamos…
A partir desse conhecimento, que envolve também preciosas noções sobre leis
que regem nossa existência, como a Reencarnação, Causa e Efeito e Sintonia
Mediúnica, adquirimos condições para enfrentar com segurança nossos problemas,
superando mazelas e imperfeições.
Aprendemos, então, que além de escola o Centro Espírita é também:
- Templo sagrado para a comunhão com o Criador, a partir do inadiável
esforço de nossa própria renovação. - Oficina de trabalho, onde o esforço do bem é o elixir milagroso para todos
os males.
Escola, templo, oficina, eis a santa trindade que faz do Centro Espírita
abençoada célula do Cristianismo Redivivo, sustentada por servidores
esclarecidos e conscientes, dispostos ao glorioso esforço em favor de um mundo
melhor.
(Revista “Visão Espírita”, nº10)