Tamanho
do Texto

Um Estudo Comparativo Sobre a Psicografia

Jáder Sampaio

Parte I

Introdução*

Quase 140 anos se passaram após a publicação de “O Livro dos Espíritos” e o movimento espírita ainda tem a psicografia como um dos principais canais de comunicação com o mundo espiritual.

Fenômeno diferente da pneumatografia, ou escrita direta, onde as palavras surgem espontaneamente grafadas em um meio recipiente, papel, lousa, paredes ou outros lugares, a psicografia tem por mediação opsiquismo do médium, o que torna este fenômeno complexo e exige dos interessados na sua compreensão um esforço de análise das características da mesma.

Três linhas de estudo destacaram-se na literatura espírita. A primeira discute a existência do fenômeno mediúnico e busca na psicografia uma base empírica para assegurar a tese da imortalidade e comunicabilidade das pessoas após a morte. Nela se tenta refutar hipóteses alternativas à mediunidade de maneiras diversas.

A segunda, decorrente da primeira, tenta entender as diferenças do fenômeno psicográfico entre os médiuns e propor mecanismos diversos que o explicariam, bem como características que o distinguiriam de fenômenos anímicos (como a imaginação ativa, por exemplo), fraudes e outras alternativas cabíveis e existentes.

A terceira abordagem, de orientação mais biologicista, conjugaria as alterações neurofisiológicas perceptíveis e tentaria compreender o funcionamento cerebral durante o fenômeno da psicografia.

Nosso objetivo com este artigo é agrupar em um mesmo texto idéias que se acham dispersas pela extensa literatura espírita sobre este tema e discuti-las, preservando suas origens.

A psicografia na obra de Kardec

Na introdução de “O livro dos espíritos” Kardec apresenta sumariamente a evolução dos fenômenos mediúnicos na prática cotidiana dos grupos espiritualistas da América e da França. Essencialmente, as comunicações se davam por meio de batidas (“raps”) que eram produzidas por espíritos em resposta a perguntas feitas pelos participantes, que logo providenciaram letras e passaram a apontá-las a fim de obter algum tipo de comunicação verbal com seus interlocutores. Posteriormente, com o advento do movimento de mesas, foi tentado a adaptação de lápis a mesas leves, depois minúsculas e depois foi sugerido aos participantes que amarrassem um lápis em uma cesta e colocassem os dedos sobre a borda, o que a fez mover-se (assim como as mesas) sob a influência dos médiuns. Temos, finalmente, os experimentos com o lápis na mão do médium que Kardec afirma “escrever por um impulso involuntário e quase febril” (1979, p. 21).

Em “O livro dos médiuns”, Kardec descreveu detidamente diversos aparelhos utilizados como instrumentos psicográficos (capítulo 13) e classificou a estas práticas de “Psicografia Indireta“, contrapondo-as à “Psicografia Direta ou Manual“.

Desde então, o codificador está atento às características peculiares deste fenômeno, tais como a mudança de caligrafia, as respostas fora do campo de conhecimento dos médiuns, os pensamentos que revelam uma inteligência superior, as páginas escritas em idiomas desconhecidos pelos intermediários e as respostas a perguntas mentais, dirigidas ao espírito comunicante sem o acesso do médium pelos cinco sentidos.

Os resultados da psicografia são diferenciados, o que fez com que Kardec observasse as variações deste fenômeno. Quanto ao processo de realização do fenômeno, Kardec distinguiu dois tipos extremos: amediunidade mecânica e a intuitiva. O psicógrafo mecânico é identificado pelo movimento involuntário da mão e a ausência de consciência do conteúdo da mensagem. A psicografia intuitiva é o seu inverso, isto é, o espírito transmite suas idéias ao médium que as registra voluntariamente. O tipo mais comum, segundo o autor, é um tipo intermediário, onde ao mesmo tempo o médium sente seu braço em movimento e lhe advém os pensamentos que estão sendo grafados. Este tipo é chamado de psicografia semimecânica. A mediunidade intuitiva ainda teria uma variedade que o codificador denominou médiuns inspirados. Aqui a participação dos espíritos é tão sutil que o inspirado tem dificuldade de distinguir o que é pensamento deles e o que é produto da sua própria mente. Nesta variedade encontrar-se-iam muitos artistas e “homens de gênio” que seriam médiuns sem o saber, dada a dificuldade de identificar a participação dos espíritos desencarnados em seu trabalho.

Sem analisar os mecanismos subjacentes, Kardec ainda apresenta outras tipologias de médiuns psicógrafos focalizadas no resultado de seu trabalho: os polígrafos, que têm sua letra alterada na comunicação, podendo apresentar a caligrafia que o comunicante possuía em vida (situação rara, segundo o codificador); os poliglotas, que possuem a faculdade de escrever em línguas desconhecidas por eles e osiletrados, que escrevem a despeito de serem analfabetos.(KARDEC, 1978. p. 226)

Ao discutir o papel do médium nas comunicações mediúnicas Kardec debate com um espírito (São Luís? Erasto? Timóteo? Ou será o próprio Kardec?) que lhe assegura o papel de intérprete que o psicógrafo sempre desempenha, seja intuitivo ou mecânico. Com isto ele admite que os médiuns podem “alterar as respostas dos espíritos e assimilá-las às suas próprias idéias e a seus pendores” (1978, p. 261).

Estudos que mostram evidências sobre a existência da comunicação com os mortos através da psicografia: Bozzano, Perandréa e Severino

Bozzano escreveu cerca de 120 páginas, onde analisa casos de xenoglossia, obtidos através do automatismo escrevente, publicado em meados da década de 1930. Diferentemente da metodologia adotada por Severino, o metapsiquista italiano realiza estudos de casos, discutindo individualmente os resultados obtidos e discutindo teses associadas aos casos.

Basicamente, são discutidas cinco teses alternativas à tese espiritualista, que vão sendo postas de lado com a análise das características da casuística do pesquisador.

Entre os casos analisados sintetizamos sumariamente alguns:

  • O espírito Imperátor dita a Staiton Moses trechos de livros antigos dos doutores da Igreja. (1910)
  • Nas sessões da casa de Victor Hugo o Sr. Pinson faz perguntas em inglês para o irmão, desaparecido há doze anos que trata de coisas de família. (1854)
  • A Sra. B. psicografa em caracteres hieráticos (conhecidos apenas por alguns especialistas no mundo todo, à época em que o fenômeno ocorreu) coisas que se passam no paquete em que está viajando. (1922)
  • A Srta. Bedette (nome fictício), hipnotizada por Henri Sausse, redige uma mensagem atribuída a um Grão Vigário, em latim de convento antigo, segundo especialistas. (1911)
  • A médium inglesa Estelle Roberts psicografa uma mensagem em holandês vulgar identificada pelos senhores De Jonge, holandeses presentes à reunião, que se convenceram ter originado de um filho/irmão já falecido. Destaca-se o fato de estar escrito com os erros que o holandês comum comete quando fala, ou seja, em linguagem falada. (1931)
  • A Sra. Curran psicografa o poema Telka, de autoria de um espírito que se denomina Patience Worth, em língua anglo-saxônica do século XVII, repleto de dizeres e locuções dialetais da época, contendo cerca de 70.000 palavras e escrito (270 páginas) e escrito em apenas 35 horas. A qualidade do trabalho, juntamente com os aspectos linguísticos impressiona doutores das universidades britânicas que fornecem pareceres favoráveis à autenticidade da língua.
  • Van Reuter e sua mãe dialogam com um padre que os responde em Russo, idioma que absolutamente desconheciam. A grafia das palavras se dá nos caracteres da língua mãe (inglês), imitando a sonoridade do russo. Embora eles conhecessem o inglês, o alemão, o francês, o espanhol, o italiano e um pouco de sueco e latim, obtiveram mensagens em húngaro, norueguês, polonês, holandês, lituano, irlandês, persa, árabe e turco, além do russo já citado. (1926)

Com base nestes relatos e em outros casos, melhor descritos em sua obra, Bozzano descarta as seguintes hipóteses explicativas:

  1. Criptomnésia: que tenta explicar os fenômenos mediúnicos com a idéia do subconsciente. Para esta hipótese, durante o fenômeno emergiriam conhecimentos adquiridos e depois esquecidos e conhecimentos adquiridos inconscientemente (tese esta bastante estranha aos psicólogos até os dias de hoje, seria necessário demonstrar que isto é possível). Esta explicação é insuficiente para os detalhes do caso da Sra. B. ou da mensagem de Estelle Roberts.
  2. Telemnésia ou clarividência telepática: que tenta explicar os fenômenos através da incursão do médium no subconsciente (!!) dos presentes e dos ausentes (!!!). Esta hipótese também se mostra insuficiente para explicar fenômenos como o poema de Patience Worth e muito menos qualquer situação que exija raciocínio associado ao conhecimento para aplicação em situações que estão se desenrolando no momento (como no caso da Sra. B.).
  3. Telestesia: que toma a forma de leitura à distância de livros fechados e que Bozzano admite existir e estar suficientemente comprovada, mas que não explica os casos onde as frases retiradas de livros foram empregadas para responder a questões propostas no momento. A hipótese, por demais mecânica, será sempre insuficiente para explicar situações onde se haja a manifestação de raciocínio e de uma personalidade distinta da do médium.
  4. Memória ancestral: que entende que os conhecimentos apresentados nos fenômenos são fruto da herança genética do sensitivo. Bozzano entende que esta hipótese não explicaria o fenômeno da Sra. B., que precisaria ter herdado conhecimentos de um improvável ancestral que tivesse morado no oriente a cerca de 5.000 anos, ou de outros casos onde se relata o conhecimento de uma dúzia de línguas diversas, escritas corretamente através de um médium, especialmente de línguas extintas.
  5. Reservatório cósmico das memórias individuais: que é uma hipótese desenvolvida por William James e que não explica os casos onde o conteúdo da mensagem não trata apenas de ocorrências passadas, mas de uma “atividade inteligente desenvolvida na atualidade e em correspondência com situações do momento” (BOZZANO, 1980. p. 204).
  6. Consciência cósmica: que é uma hipótese de Hartmann que afirma estarem os sensitivos em contato direto com Deus, o que faz com que Bozzano argumente não poder comprovar ou descartar através de casos este tipo de proposição explicativa. Ele tece algumas considerações, como achar estranho que a divindade se fizesse passar por espíritos, enganando os homens, ou que se fizesse agente de uma mistificação feita por um homem para com os demais.

Tendo, pois, nos fenômenos de xenoglossia o seu “corvo branco”, Bozzano se põe francamente favorável à tese espiritualista, que propõe serem certos fenômenos produzidos pelos espíritos dos mortos.

Em outras obras Ernesto Bozzano retomaria esta questão, mas para o estudo da psicografia, esta se faz suficiente para expressar o tipo de preocupações que o envolve e as conclusões a que chega.

O Dr Carlos Augusto Perandréa publicou um trabalho onde realizava exames grafotécnicos em uma mensagem psicografada em idioma italiano por Francisco Cândido Xavier. O presente técnico é perito com mais de 25 anos de experiência, advogado, professor de datiloscopia e grafoscopia, entre outras disciplinas, e publicou livros sobre o assunto, não podendo, em hipótese alguma, ser qualificado como um leigo bem intencionado.

Entre as técnicas disponíveis, o pesquisador preferiu a análise da gênese gráfica, utilizou peças da escrita comum do médium e do espírito comunicante quando encarnado e realizou superposição por transparência para fins de comparação. Considerando a singularidade do fenômeno psicográfico, o autor se serviu de trabalhos que tratam de escrita com “mão guiada”, “mão forçada” e “mão auxiliada” realizadas para tirar dúvidas quanto a autoria de testamentos que foram redigidos com auxílio alheio.

O espírito comunicante se identificou como “Ilda Mascaro Saullo”, falecida em Roma, na Itália, em 20 de dezembro de 1977.

Suas conclusões são claras e intrigantes. Transcrevemo-las abaixo:

A mensagem psicografada por Francisco Cândido Xavier, em 22 de julho de 1978, atribuída a Ilda Mascaro Saullo, contém, conforme demonstração fotográfica (figs. 13 a 18), em “número” e em “qualidade”, consideráveis e irrefutáveis características de gênese gráfica suficientes para a revelação e identificação de Ilda Mascaro Saullo como autora da mensagem questionada.

Em menor número, constam, também, elementos de gênese gráfica, que coincidem com os existentes na escrita-padrão de Francisco Cândido Xavier.” (PERANDRÉA, 1991. p. 56)

O Sr. Paulo Rossi Severino (1991), auxiliado por membros da Associação Médico Espírita do Estado de São Paulo, realizou uma pesquisa com quarenta e cinco mensagens de parentes falecidos, recebidas por Franscisco Cândido Xavier.

Basicamente, ele realizou entrevistas com parentes das pessoas que assinaram as mensagens, onde faz uma identificação mais minuciosa do espírito comunicante, das condições em que a mensagem foi recebida, de possíveis erros encontrados na mesma e das informações que o médium não dispunha, entre outras. Embora não se ache descrito na metodologia do trabalho, ele parece ter obtido as assinaturas dos espíritos, enquanto vivos, para compará-las com as obtidas por Francisco Cândido Xavier.

Pouco mais da metade dos informantes de Paulo Severino não professam a religião espírita e apenas 20 % dos espíritos comunicantes eram espíritas enquanto encarnados. Em 93,3% dos casos, o médium não conheceu o informante antes do óbito.

Em 93,3% das mensagens encontram-se relatos de fatos pessoais, sendo que em 71,1% há o relato de mais de três casos por mensagem. Em 55,6% das, mensagens se encontram palavras peculiares e em 60% se encontram frases peculiares do “falecido”. O estilo peculiar do comunicante é reconhecido pelos familiares em 57,8% das mensagens e mais de 6 fatos comprovados são descritos na comunicação em 62,2% das mesmas. Não se encontram erros relatados em nenhuma das mensagens pesquisadas. E uma última característica que transcrevemos do trabalho citado se encontra registrada na figura 1:

(Continua no próximo Boletim)

__________________________________

(*) Trabalho apresentado no Grupo de Estudos da Associação Espírita Célia Xavier em Março de 1996.

Fontes Bibliográficas

  • ANDRÉ LUIZ. Missionários da luz. Rio de Janeiro: FEB, 1980. [Psicografado por Francisco Cândido Xavier]
  • ______ Nos domínios da mediunidade. Rio de Janeiro: FEB, 1979. [Psicografado por Francisco Cândido Xavier]
  • ______ Mecanismos da mediunidade. Rio de Janeiro: FEB, 1977. [Psicografado por Francisco Cândido Xavier e Waldo Vieira]
  • ARMOND, Edgard. Mediunidade. São Paulo: Aliança, 1982.
  • BOZZANO, Ernesto. Xenoglossia. Rio de Janeiro: FEB, 1980.
  • CERVIÑO, Jayme. Além do inconsciente. Rio de Janeiro: FEB, 1979.
  • ERNY, Alfred. O psiquismo experimental. Rio de Janeiro: FEB, 1982.
  • KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Rio de Janeiro: FEB, 1978.
  • _____ O livro dos médiuns. Rio de Janeiro: FEB, 1978.
  • MACHADO, Ângelo B. M. Neuroanatomia funcional. Rio de Janeiro: Atheneu, 1983.
  • MIRANDA, Hermínio C. Diversidade dos carismas (vol. 2). Niterói-RJ.: Arte e Cultura, 1991.
  • MOSES, W. Staiton. Ensinos espiritualistas. Rio de Janeiro: FEB, 1981.
  • PERANDRÉA, Carlos Augusto. A psicografia à luz da grafoscopia. São Paulo: Editora Jornalística Fé, 1991.
  • SEVERINO, Paulo Rossi. A vida triunfa. São Paulo: Editora Jornalística Fé, 1992.

(Publicado no Boletim GEAE Número 449 de 11 de fevereiro de 2003 )