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Um Negócio de Morte

Um Negócio de Morte

A morte é uma companheira inevitável, tanto quanto indesejável. A maioria
nem quer falar dela, ponderar a sua perspectiva no horizonte, num processo de
auto-ilusão. Depois dela, começa o culto da morte, com todo um conjunto de
rituais e despesas com o cadáver, que as pessoas teimam em continuar. Mas, será
que isso tem alguma validade? Será que é importante para os falecidos? Como
encara o espiritismo esta situação?

Acabámos de ver o noticiário numa das televisões. A notícia valia pelo seu
inedetismo, conseguindo o seu objectivo: prender o telespectador ao ecrã.
Dava-nos conta de que numa cidade do centro do país os terrenos do cemitério
estavam mais caros (o metro quadrado) do que no centro da cidade. A reportagem
continuava com todo um rol de acontecimentos excêntricos, desde pessoas que se
zangavam por causa de um negócio perdido… no cemitério! Apareceu-nos um
testemunho de um coveiro, um senhor simples e com pouca instrução mas pelos
vistos cheio de bom senso, em que determinada personalidade da referida cidade
teria dado 1.000 contos (um milhão de escudos) por um pedaço de terreno para uma
campa, no cemitério. Paralelamente outro tipo de comércio vai vicejando ao redor
dos cemitérios e dos funerais. Só falta as pessoas matarem-se por causa de um
pedaço de terra no derradeiro paradeiro do corpo físico.

Mas por que será que acontece tudo isto? Falta de formação espiritual?
Excesso de carinho pós-morte pelos familiares (por vezes em oposição ao que se
passava quando estavam ainda na Terra)? Preconceito humano levado ao exagero?
Comércio? Respeito pelos falecidos? O que leva as pessoas a “investirem” nos
cemitérios? Perguntas para cada um de nós meditar…

Mas o que pensa o espiritismo desta situação, do culto dos mortos, do exagero
desse mesmo culto e da situação dos desencarnados (fora do corpo de carne pelo
processo da morte física)? Vejamos o que nos diz “O Livro dos Espíritos”, de
Allan Kardec, uma das obras básicas da doutrina espírita:

«320. Sensibiliza os espíritos lembrarem-se deles os que lhes foram caros na
Terra?

«Muito mais do que podeis supor. Se são felizes, esse facto aumenta-lhes a
felicidade. Se são desgraçados, serve-lhes de lenitivo.

«322. E os esquecidos, cujos túmulos ninguém vai visitar, também lá, não
obstante, comparecem e sentem algum pesar por verem que nenhum amigo se lembra
deles?

«Que lhes importa a Terra? Só pelo coração nos achamos a ela presos. Desde
que aí ninguém mais lhe vota afeição, nada mais prende a esse planeta o
espírito, que tem para si o Universo inteiro.

«326. Comovem a alma que volta à vida espiritual as honras que lhe prestem
aos despojos mortais?

«Quando já ascendeu a certo grau de perfeição, o espírito acha-se escoimado
de vaidades terrenas e compreende a futilidade de todas essas coisas…».

Tentando aferir da validade de tais atitudes, hoje em dia, e tendo em conta
os relatos dos desencarnados (falecidos), sabemos que o que mais lhes importa
são os nossos bons pensamentos a eles direccionados, as nossas preces, que lhes
servem de amparo, de estímulo para o seu reerguimento ou para as suas tarefas no
plano espiritual. De nada lhes importa se tal pensamento é enviado deste ou
daquele local, nem se é acompanhado deste ou daquele ritual. Ficam contentes se
nos lembramos deles com amor e como tal se sentem bem. Tudo o resto são
exteriorizações criadas pelo homem para manifestar o seu apreço pelos
«falecidos». Apenas um espírito ainda muito preso à matéria poderá ficar
lisonjeado pelas honrarias prestadas, muitas vezes acompanhadas de sentimentos
contrários. No entanto, o homem tem o direito de se lembrar dos seus afectos já
falecidos da maneira que mais lhe aprouver, de acordo com a sua maneira de
pensar. Apenas todo o excesso é condenável, raiando muitas vezes o ridículo como
é o caso em pauta.