O difícil aprendizado de viver em sociedade
Diariamente presenciamos na mídia e no cotidiano de nossas vidas o desrespeito
ao direito do outro, quer seja esse outro uma pessoa, um grupo, uma etnia ou mesmo
uma nação.
Alguns episódios são de extrema violência gerando indignação e até intervenção
armada de forças internacionais, outras são sutis passando desapercebida até para
os mais próximos.
O olhar percorrendo a história da humanidade revela que este desrespeito assume
vestes diferenciadas, mas, também revela sempre a presença do egoísmo como pano
de fundo das diferentes manifestações.
A respeito do egoísmo assim se expressa Kardec em Obras Póstumas em sua dissertação
O Egoísmo e o Orgulho:
“O egoísmo e o orgulho têm origem num sentimento natural: o instinto de conservação.
Todos os instintos têm sua utilidade e sua ração de ser, pois Deus nada faz que
seja inútil. Deus não criou o mal. É o homem que o causa pelo abuso dos dons de
Deus, em virtude do livre arbítrio que, exercido dentro dos justos limites, é um
sentimento bom. Seu uso exagerado é que o torna mau e pernicioso.”
Podemos perceber que o instinto de conservação desencadeia manifestações extremamente
individualistas na pessoa que sente que sua integridade está ameaçada, assim a disputa
fica exacerbada quando um indivíduo percebe que o outro pode lhe tirar o que lhe
é essencial para a sobrevivência. Foi este estilo de vida que caracterizou os primeiros
estádios evolutivos do ser humano.
À medida que o estilo de vida foi se modificando o ser humano apropriou-se dos
avanços tecnológicos para assegurar sua alimentação, abrigo e mesmo sua integridade
física.
A agricultura forneceu-lhe mais alimentos que o necessário; as técnicas de construção,
ambientes cada vez mais espaçosos e a indústria forneceram-lhe maneiras requintadas
de defesa de sua pessoa e de seus espaços.
Evoluiu intelectualmente, mas a evolução moral não acompanhou este desenvolvimento.
TER passou a ser seu objetivo de vida, agora não mais porque preciso mais porque
quero independente de estar fazendo falta ao outro. Como diz Kardec acima citado,
é o exagero.
Em Lei de Conservação, Kardec formula sete questões e dois desdobramentos sobre
os gozos dos bens terrenos e sobre o necessário e o supérfluo, nas respostas dos
Espíritos evidencia-se que as necessidades humanas modificam-se com a evolução social
mas, ainda assim os vícios criam necessidades artificiais.
São essas necessidades artificiais nascidas da percepção de superioridade dos
demais achando que tem mais direitos e ofendendo-se com qualquer coisa que a seu
ver o esteja lesando” que caracterizam o uso exagerado que é mau e pernicioso.
É amplamente conhecido o adágio que nosso direito termina quando começa o direito
do outro, bem como que o que é bem coletivo não pode ser usado exclusivamente em
benefício pessoal.
A primeira vista e conceitualmente isto parece óbvio, entretanto o exercício
destes dois paradigmas resolveria na quase totalidade grandes problemas do viver
em sociedade. Pois se ainda não o amo pelo menos eu o respeito
A todos nos ocorre as imagens das CPIs dos poderes públicos, mas é preciso ir
além, pois uma grande parte dos indivíduos já não cometem essa atrocidades. Assim
poderíamos pensar que desta já nos livramos, o que não podemos esquecer é que quando
atingimos este nível esta na hora de “aparar as rebarbas.”
É um processo de refinamento tal como é o desenvolvimento de nossa psicomotricidade,
primeiro os grandes movimentos , depois os mais finos e sutis, primeiro aprendo
a não lesar meu próximo, depois a não magoá-lo por palavras ou gestos.
Assim entendendo, cuido de meu espaço e de meus direitos, mas minha ação é pautada
levando em consideração que nem sempre eu venho em primeiro lugar, que algumas vezes
é a vez do outro, como em outra é a minha vez.
Ilustrando este aspecto podemos colocar a homenagem que os alunos prestaram a
um colega de classe no dia formatura, presenciamos certa vez uma destas homenagens,
a colega que foi encarregada da mesma colocou o motivo: o universitário sempre soube
estar presente quando alguém necessitou de compreensão, incentivo e apoio; acrescentando
que esse aluno estuda e trabalha (e tenha dois empregos) portanto o cansaço era
seu companheiro diário e mesmo assim teve disponibilidade para se preocupar com
seu próximo. Bonita sua vida ao longo dos anos universitários e bonito também os
colegas que se apagaram no dia da formatura para dizer: “você foi um exemplo para
nós”
Oxalá pudéssemos todo nós entender que há o dia de brilhar mas há o dia de permitir
que a luz do próximo também brilhe. Este seria o momento que o egoísmo estaria a
caminho que ser transformado em generosidade a grande chave da transformação moral
de nosso planeta e o caminho para a instalação do amor como princípio norteador
das relações humanas.
(Jornal Verdade e Luz Nº 181 de Fevereiro de 2001)