Adolfo Bezerra de Menezes Cavalcanti, no ano de 1838, entrou para a escola
pública da Vila do Frade, onde em dez meses apenas, preparou- se suficientemente
até onde dava o saber do mestre que lhe dirigia a primeira fase de educação. Bem
cedo revelou sua fulgurante inteligência, pois, aos onze anos de idade, iniciava
o curso de Humanidades e, aos treze anos, conhecia tão bem o latim que
ministrava, a seus companheiros, aulas dessa matéria, substituindo o professor
da classe em seus impedimentos.
Seu pai, o capitão das antigas milícias e tenente- coronel da Guarda
Nacional, Antônio Bezerra de Menezes, homem severo, de honestidade a toda prova
e de ilibado caráter, tinha bens de fortuna em fazendas de criação. Com a
política, e por efeito do seu bom coração, que o levou a dar abonos de favor a
parentes e amigos, que o procuravam para explorar- lhe os sentimentos de
caridade, comprometeu aquela fortuna. Percebendo, porém, que seus débitos
igualavam seus haveres, procurou os credores e lhes propôs entregar tudo o que
possuía, o que era suficiente para integralizar a dívida. Os credores, todos
seus amigos, recusaram a proposta, dizendo- lhe que pagasse como e quando
quisesse.
O velho honrado insistiu; porém, não conseguiu demover os credores sobre essa
resolução, por isso deliberou tornar- se mero administrador do que fora sua
fortuna, não retirando dela senão o que fosse estritamente necessário para a
manutenção da sua família, que assim passou da abastança às privações.
Animado do firme propósito de orientar- se pelo caráter íntegro de seu pai,
Bezerra de Menezes, com minguada quantia que seus parentes lhe deram, e animado
do propósito de sobrepujar todos os óbices, partiu para o Rio de Janeiro a fim
de seguir a carreira que sua vocação lhe inspirava: a Medicina.
Em novembro de 1852, ingressou como praticante interno no Hospital da Santa
Casa de Misericórdia. Doutorou- se em 1856 pela Faculdade de Medicina do Rio de
Janeiro, defendendo a tese “Diagnóstico do Cancro”. Nessa altura abandonou o
último patronímico, passando a assinar apenas Adolfo Bezerra de Menezes. A 27 de
abril de 1857, candidatou-se ao quadro de membros titulares da Academia Imperial
de Medicina, com a memória “Algumas Considerações sobre o Cancro encarado pelo
lado do Tratamento”.
O parecer foi lido pelo relator designado, Acadêmico José
Pereira Rego, a 11 de maio de 1857, tendo a eleição se efetuado a 18 de maio do
mesmo ano e a posse a 1.o. de junho. Em 1858 candidatou- se a uma vaga de lente
substituto da Secção de Cirurgia da Faculdade de Medicina. Por intercessão do
mestre Manoel Feliciano Pereira de Carvalho, então Cirurgião- Mor do Exército,
Bezerra de Menezes foi nomeado seu assistente, no posto de Cirurgião- Tenente.
Eleito vereador municipal pelo Partido Liberal, em 1861, teve sua eleição
impugnada pelo chefe conservador, Haddock Lobo, sob a alegação de ser médico
militar. Objetivando servir o seu Partido, que necessitava dele a fim de obter
maioria na Câmara, resolveu Bezerra de Menezes afastar- se do Exército. Em 1867
foi eleito Deputado Geral, tendo ainda figurado em lista tríplice para uma
cadeira no Senado.
Quando político, levantou- se contra ele, a exemplo do que ocorre com todos
os políticos honestos, uma torrente de injúrias que cobriu o seu nome de
impropérios. Entretanto, a prova da pureza da sua alma deu- se quando,
abandonando a vida pública, foi viver para os pobres, repartindo com os
necessitados o pouco que possuía.
Corria sempre ao tugúrio do pobre, onde houvesse um mal a combater, levando
ao aflito o conforto de sua palavra de bondade, o recurso da ciência de médico e
o auxílio da sua bolsa minguada e generosa.
Desviado interinamente da atividade política e dedicando- se a
empreendimentos empresariais, criou a Companhia de Estrada de Ferro Macaé a
Campos, na então província do Rio de Janeiro. Depois, empenhou- se na construção
da via férrea de S. Antônio de Pádua, etapa necessária ao seu desejo, não
concretizado, de levá-la até o Rio Doce. Era um dos diretores da Companhia
Arquitetônica que, em 1872, abriu o “Boulevard 28 de Setembro”, no então bairro
de Vila Isabel, cujo topônimo prestava homenagem à Princesa Isabel. Em 1875, era
presidente da Companhia Carril de S. Cristóvão.
Retornando à política, foi eleito vereador em 1876, exercendo o mandato até
1880. Foi ainda presidente da Câmara e Deputado Geral pela Província do Rio de
Janeiro, no ano de 1880.
O Dr. Carlos Travassos havia empreendido a primeira tradução das obras de
Allan Kardec e levara a bom termo a versão portuguesa de “O Livro dos
Espíritos”. Logo que esse livro saiu do prelo levou um exemplar ao deputado
Bezerra de Menezes, entregando- o com dedicatória. O episódio foi descrito do
seguinte modo pelo futuro Médico dos Pobres: “Deu- mo na cidade e eu morava na
Tijuca, a uma hora de viagem de bonde. Embarquei com o livro e, como não tinha
distração para a longa viagem, disse comigo: ora, adeus! Não hei de ir para o
inferno por ler isto…
Depois, é ridículo confessar- me ignorante desta
filosofia, quando tenho estudado todas as escolas filosóficas. Pensando assim,
abri o livro e prendi- me a ele, como acontecera com a Bíblia. Lia. Mas não
encontrava nada que fosse novo para meu Espírito. Entretanto, tudo aquilo era
novo para mim!… Eu já tinha lido ou ouvido tudo o que se achava no “O Livro
dos Espíritos”. Preocupei- me seriamente com este fato maravilhoso e a mim mesmo
dizia: parece que eu era espírita inconsciente, ou, mesmo como se diz
vulgarmente, de nascença”.
No dia 16 de agosto de 1886, um auditório de cerca de duas mil pessoas da
melhor sociedade enchia a sala de honra da Guarda Velha, na rua da Guarda Velha,
atual Avenida 13 de Maio, no Rio de Janeiro, para ouvir em silêncio, emocionado,
atônito, a palavra sábia do eminente político, do eminente médico, do eminente
cidadão, do eminente católico, Dr. Bezerra de Menezes, que proclamava a sua
decidida conversão ao Espiritismo.
Bezerra era um religioso no mais elevado sentido. Sua pena, por isso, desde o
primeiro artigo assinado, em janeiro de 1887, foi posta a serviço do aspecto
religioso do Espiritismo. Demonstrada a sua capacidade literária no terreno
filosófico e religioso, quer pelas réplicas, quer pelos estudos doutrinários, a
Comissão de Propaganda da União Espírita do Brasil, incumbiu- o de escrever, aos
domingos, no “O Paiz” tradicional órgão da imprensa brasileira, a série de
“Estudos Filosóficos”, sob o título “O Espiritismo”. O Senador Quintino
Bocaiúva, diretor daquele jornal de grande penetração e circulação, “o mais lido
do Brasil”, tornou-se mesmo simpatizante da Doutrina Espírita.
Os artigos de Max, pseudônimo de Bezerra de Menezes, marcaram a época de ouro
da propaganda espírita no Brasil. De novembro de 1886 a dezembro de 1893,
escreveu ininterruptamente, ardentemente.
Da bibliografia de Bezerra de Menezes, antes e após a sua conversão do
Espiritismo, constam os seguintes trabalhos: “A Escravidão no Brasil e as
medidas que convém tomar para extingui-la sem dano para a Nação”, “Breves
considerações sobre as secas do Norte”, “A Casa Assombrada”, “A Loucura sob Novo
Prisma”, “A Doutrina Espírita como Filosofia Teogônica”, “Casamento e Mortalha”,
“Pérola Negra”, “Lázaro — o Leproso”, “História de um Sonho”, “Evangelho do
Futuro”. Escreveu ainda várias biografias de homens célebres, como o Visconde do
Uruguai, o Visconde de Carvalas, etc. Foi um dos redatores de “A Reforma”, órgão
liberal da Corte, e redator do jornal “Sentinela da Liberdade”.
Bezerra de Menezes tinha a função de médico no mais elevado conceito, por
isso, dizia ele: “Um médico não tem o direito de terminar uma refeição, nem de
perguntar se é longe ou perto, quando um aflito qualquer lhe bate à porta. O que
não acode por estar com visitas, por ter trabalhado muito e achar- se fatigado,
ou por ser alta hora da noite, mau o caminho ou o tempo, ficar longe ou no
morro, o que sobretudo pede um carro a quem não tem com que pagar a receita, ou
diz a quem lhe chora à porta que procure outro — esse não é médico, é
negociante de medicina, que trabalha para recolher capital e juros dos gastos de
formatura.
Esse é um desgraçado, que manda para outro o anjo da caridade que lhe
veio fazer uma visita e lhe trazia a única espórtula que podia saciar a sede de
riqueza do seu Espírito, a única que jamais se perderá nos vaivens da vida.”
— o0o —
Em 1883, reinava um ambiente francamente dispersivo no seio do Espiritismo
brasileiro e os que dirigiam os núcleos espíritas do Rio de Janeiro sentiam a
necessidade de uma união mais bem estruturada e que, por isso mesmo, se tornasse
mais indestrutível.
Os Centros, onde se ministrava a Doutrina, trabalhavam de forma autônoma.
Cada um deles exercia a sua atividade em um determinado setor, sem conhecimento
das atividades dos demais. Esse sentimento levou- os à fundação da Federação
Espírita Brasileira.
Nessa época já existiam muitas sociedades espíritas, porém, as únicas que
mantinham a hegemonia de mando eram quatro: a “Acadêmica”, a “Fraternidade”, a
“União Espírita do Brasil” e a “Federação Espírita Brasileira”, entretanto, logo
surgiram entre elas vivas discórdias.
Sob os auspícios de Bezerra de Menezes, e acatando prescrições das
importantes “Instruções” recebidas do plano espiritual pelo médium Frederico
Júnior, foi fundado o famoso “Centro Espírita”, o que, entretanto, não impediu
que Bezerra desse a sua colaboração a todas as outras instituições. O entusiasmo
dos espíritas logo se arrefeceu, e o velho seareiro se viu desamparado dos seus
companheiros, chegando a ser o único freqüentador do Centro. A cisão era
profunda entre os chamados “místicos” e “científicos”, ou seja, espíritas que
aceitavam o Espiritismo em seu aspecto religioso, e os que o aceitavam
simplesmente pelo lado científico e filosófico.
Em 1893, a convulsão provocada no Brasil pela Revolta da Armada, ocasionou o
fechamento de todas as sociedades espíritas ou não. No Natal do mesmo ano
Bezerra encerrou a série de “Estudos Filosóficos” que vinha publicando no “O
Paiz”.
Em 1894, o ambiente mostrou tendências para melhora e o nome de Bezerra de
Menezes foi lembrado como o único capaz de unificar o movimento espírita. O
infatigável batalhador, com 63 anos de idade, assumiu a presidência da Federação
Espírita Brasileira, cargo que ocupou até a sua desencarnação.
Iniciava- se o ano de 1900, e Bezerra de Menezes foi acometido de violento
ataque de congestão cerebral, que o prostrou no leito, de onde não mais se
levantaria.
Verdadeira romaria de visitantes acorria à sua casa. Ora o rico, ora o pobre,
ora o opulento, ora o que nada possuía.
Ninguém desconhecia a luta tremenda em que se debatia a família do grande
apóstolo do Espiritismo. Todos conheciam suas dificuldades financeiras, mas
ninguém teria a coragem de oferecer fosse o que fosse, de forma direta. Por
isso, os visitantes depositavam suas espórtulas, delicadamente, debaixo do seu
travesseiro. No dia seguinte, a pessoa que lhe foi mudar as fronhas,
surpreendeu- se por ver ali desde o tostão do pobre até a nota de duzentos mil
reis do abastado!…
— o0o —
Ocorrida a sua desencarnação, verdadeira peregrinação demandou sua residência
a fim de prestar- lhe a última visita.
No dia 17 de abril, promovido por Leopoldo Cirne, reuniram- se alguns amigos
de Bezerra, a fim de chegarem a um acordo sobre a melhor maneira de amparar a
sua família, tendo então sido formada uma comissão que funcionou sob a
presidência de Quintino Bocaiúva, senador da República, para se promover
espetáculos e concertos, em benefício da família daquele que mereceu o cognome
de “Kardec Brasileiro”.
— o0o —
Digno de registro foi um caso sucedido com o Dr. Bezerra de Menezes, quando
ainda era estudante de Medicina. Ele estava em sérias dificuldades financeiras,
precisando da quantia de cinqüenta mil réis (antiga moeda brasileira), para
pagamento das taxas da Faculdade e para outros gastos indispensáveis em sua
habitação, pois o senhorio, sem qualquer contemplação, ameaçava despejá-lo.
Desesperado — uma das raras vezes em que Bezerra se desesperou na vida — e
como não fosse incrédulo, ergueu os olhos ao Alto e apelou a Deus.
Poucos dias após bateram- lhe à porta. Era um moço simpático e de atitudes
polidas que pretendia tratar algumas aulas de Matemática.
Bezerra recusou, a princípio, alegando ser essa matéria a que mais detestava,
entretanto, o visitante insistiu e por fim, lembrando- se de sua situação
desesperadora, resolveu aceitar.
O moço pretextou então que poderia esbanjar a mesada recebida do pai, pediu
licença para efetuar o pagamento de todas as aulas adiantadamente. Após alguma
relutância, convencido, acedeu. O moço entregou- lhe então a quantia de
cinqüenta mil réis. Combinado o dia e a hora para o início das aulas, o
visitante despediu- se, deixando Bezerra muito feliz, pois conseguiu assim pagar
o aluguel e as taxas da Faculdade. Procurou livros na biblioteca pública para se
preparar na matéria, mas o rapaz nunca mais apareceu.
No ano de 1894, em face das dissensões reinantes no seio do Espiritismo
brasileiro, alguns confrades, tendo à frente o Dr. Bittencourt Sampaio,
resolveram convidar Bezerra a fim de assumir a presidência da Federação Espírita
Brasileira.
Em vista da relutância dele em assumir aquele espinhoso encargo, travou- se a
seguinte conversação:
— Querem que eu volte para a Federação. Como vocês sabem aquela velha
sociedade está sem presidente e desorientada. Em vez de trabalhos metódicos
sobre Espiritismo ou sobre o Evangelho, vive a discutir teses bizantinas e a
alimentar o espírito de hegemonia.
— O trabalhador da vinha, disse Bittencourt Sampaio, é sempre amparado. A
Federação pode estar errada na sua propaganda doutrinária, mas possui a
Assistência aos Necessitados, que basta por si só para atrair sobre ela as
simpatias dos servos do Senhor.
— De acordo. Mas a Assistência aos Necessitados está adotando exclusivamente
a Homeopatia no tratamento dos enfermos, terapêutica que eu adoto em meu
tratamento pessoal, no de minha família e recomendo aos meus amigos, sem ser,
entretanto, médico homeopata. Isto aliás me tem criado sérias dificuldades,
tornando- me um médico inútil e deslocado que não crê na medicina oficial e
aconselha a dos Espíritos, não tendo assim o direito de exercer a profissão.
— E por que não te tornas médico homeopata? disse Bittencourt.
— Não entendo patavinas de Homeopatia. Uso a dos Espíritos e não a dos
médicos.
Nessa altura, o médium Frederico Júnior, incorporando o Espírito de S.
Agostinho, deu um aparte:
— Tanto melhor. Ajudar-te-emos com maior facilidade no tratamento dos nossos
irmãos.
— Como, bondoso Espírito? Tu me sugeres viver do Espiritismo?
— Não, por certo! Viverás de tua profissão, dando ao teu cliente o fruto do
teu saber humano, para isso estudando Homeopatia como te aconselhou nosso
companheiro Bittencourt. Nós te ajudaremos de outro modo: Trazendo- te, quando
precisares, novos discípulos de Matemática…