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Atualização da Linguagem

Atualização da Linguagem

Ivan René Franzolim

XIV Conferência Regional Espírita Pan-Americana

Tema central: Atualizar para Permanecer

Introdução

A questão proposta é sobre a necessidade ou não de atualizar a linguagem com que é comunicada a Doutrina Espírita, para facilitar a transmissão de seu conhecimento e ajudar as pessoas no caminho evolutivo consciente.

A linguagem é a maneira que o ser humano encontra para se comunicar. Essa análise visa abordar o uso da palavra articulada ou escrita como meio de expressão e de comunicação entre pessoas, embora haja outras linguagens como a música, os diversos tipos de arte, a dança.

Cada pessoa percebe o mundo a sua maneira, condicionada pelos seus valores internos, sentimentos, motivações, interesses, necessidades e paradigmas. Assim, nossa visão do mundo precisa ser constantemente ajustada a partir da percepção dos outros, em nosso relacionamento interpessoal que é o melhor instrumento para uma compreensão cada vez melhor da vida.

A linguagem é um sistema de signos que serve de meio de comunicação entre indivíduos e pode ser percebida pelos diversos órgãos dos sentidos simultaneamente, caracterizando-se por um sistema complexo. Seu estudo também é muito complexo, pois abrange áreas como: Teoria da Informação (estudo da estruturação da mensagem – código), Teoria da Comunicação (estudo do relacionamento mensagem-fonte-receptor), Semiótica ou Semiologia (ciência geral do signo), Filologia (estudo da língua em toda a sua amplitude, e dos documentos escritos que servem para documentá-la), Lógica (conjunto de regras e princípios que orientam, implícita ou explicitamente, o desenvolvimento de uma argumentação ou de um raciocínio), Psicologia (ciência dos fenômenos psíquicos e do comportamento), Retórica (estudo do uso persuasivo da linguagem), Fonética (estudo dos sons da fala), entre outros campos do saber humano.

A manifestação da linguagem tem como finalidade principal ocasionar alguma transformação em uma ou mais pessoas e essa transformação levar a uma ação interna e/ou externa. Essa mudança pode ocorrer ao transmitir melhor compreensão acerca de algo já conhecido, ao comunicar nova informação ou conhecimento, mas também, quando se exercita o poder e se estimula alguém a sentir alguma emoção. Na maioria das vezes a linguagem assume todos esses papéis ao mesmo tempo.

A chave para conseguir esse objetivo de levar o indivíduo a agir, é garantir o máximo de entendimento sobre a mensagem que se está transmitindo. Sempre se perde algo no processo de transmissão e assimilação. E, dependendo do quanto se perde, esse objetivo se torna inatingível.

Outro aspecto importante é a capacidade da mensagem conter originalidade. Quanto mais previsível a mensagem, menor o seu grau de informação e menor o impacto no receptor. Por outro lado, quanto maior a carga de originalidade, maior o grau de informação e maior o impacto no receptor. A geração de dúvida ou certeza também influencia no impacto junto ao receptor, considerando de uma forma genérica.

Toda mensagem é formada por elementos da percepção organizados segundo as motivações, interesses, necessidades e intenções que se interagem em um contexto sócio cultural.

Uma mensagem elaborada em outra época ou outra região foi estruturada com aspectos sócio culturais diferentes que dificultam o entendimento da mensagem e prejudicam sua finalidade principal. A necessidade de tradução encerra outras dificuldades relativas à manutenção do significado que o autor quis dar ao substituir os signos da mensagem, por outros da outra língua. É o desafio de alterar a forma, mas não alterar o conteúdo.

Palavra escrita

No Espiritismo, a palavra escrita exerce grande influência como meio disseminador de conhecimento e cultura própria. Tudo está centrado nas obras da Codificação e nas chamadas obras subsidiárias, as matérias da mídia espírita, as atividades, palestras, cursos e reuniões nos Centros Espíritas.

É notória a dificuldade da maioria dos brasileiros de lerem e entenderem esses livros. Uma explicação é a conseqüência da falta de hábito de ler para entender e não, ler para entreter. Mas somente essa explicação é insuficiente para assumir toda a responsabilidade. Inegavelmente, há outros motivos que dividem esse ônus. No caso das obras de Kardec e das obras subsidiárias, exercem grande influência, o vocabulário empregado, a forma gramatical, a fonética e o estilo do texto. Todos eles estruturados segundo um contexto distante do leitor atual. Veja exemplo de vocábulos que não mais fazem parte do vocabulário atual encontrado nos livros Nosso Lar (1944) e O Livro dos Espíritos (1857):

VocábulosExplicação
GenitoraMãe
DestraMão direita
OlvidarEsquecer
conjurarConvocar para conspiração
AduzirTrazer, apresentar
AnuirAceitar
LograrConseguir
EmpedernidoEndurecido
AlanceadoTorturado moralmente
ProrromperManifestar-se de repente
PorfiarDiscutir
HirtoDuro
IncreparRepreender
SicárioAssassino

Fica clara então, a necessidade de atualizar, de transpor o conteúdo da mensagem para a forma contemporânea. Mas isso esbarra na imensa dificuldade de atualizar não só o conteúdo, mas seu contexto. Tudo o que pensamos baseia-se em referências que fazem parte do contexto. As referências do autor não são as mesmas dos leitores e isso pode levar a entendimento equivocado que é pior do que não conseguir entendimento. A solução encontrada é ajustar a gramática e o estilo (incluindo o vocabulário), e inserir quantas notas, diagramas e explicações forem necessárias para melhor transportar, não o contexto ao leitor, mas o leitor ao contexto do autor. Essa é a recomendação para as obras espíritas.

Propaganda adequada ao contexto dos anos 40

Com relação a tradução da Codificação, o ideal seria realizar nova tradução não por um tradutor, mas por uma equipe de tradutores, para evitar tendências e maximizar o entendimento por meio das notas já explicadas. Veja no quadro a seguir, as diferentes maneiras que os tradutores encontraram para comunicar o mesmo conteúdo.

Pergunta da segunda edição de O Livro dos Espíritos em francês

155.Comment s’opère la séparation de l’âme et du corps?«Les liens qui la retenaient étant rompus, elle se dégage.»

-La séparation s’opère-t-elle instantanément et par une brusque transition? Y a-t-il une ligne de démarcation nettement tranchée entre la vie et la mort?

«Non, l’âme se dégage graduellement et ne s’échappe pas comme un oiseau captif rendu subitement à la liberté. Ces deux états se touchent et se confondent; ainsi l’Esprit se dégage peu à peu de ses liens: ils se dénouent et ne se brisent pas

Comparação entre as traduções

Guillon Ribeiro

Salvador Gentile

J. Herculano Pires

Júlio Abreu Filho

155-a. A separação se instantaneamente por brusca transição? Haverá alguma linha de demarcação nítidatraçada entre a vida e a morte?Não; a alma se desprende gradualmente, não se escapa como um pássaro cativo a que se restitua subitamente a liberdade. Aqueles dois estados se tocam e se confundem, de sorte que o Espírito se solta pouco a pouco dos laços que o prendiam. Estes laços se desatam, não se quebram.155. A separação se opera instantânea-mente e por uma transição brusca? Há uma linha de demarcação bem nítida entre a vida e a morte?Não, A alma se liberta gradualmente e não se escapa como um pássaro cativo que ganhasubitamente a liberdade. Estes dois estados se tocam e se confundem. Assim o Espírito se liberta pouco a pouco de seus laços: os laços se desatam; não se quebram.155-a. A separação se verifica instantaneamente, numa transição brusca? Há uma linha divisóriabem marcada entre a vida e a morte?Não; a alma se desprende gradualmente e não escapa como um pássaro cativo que fosse libertado. Os dois estados se tocam e se confundem, de maneira que o Espírito se desprende pouco a pouco dos seus liames; estes se soltam e não se rompem.155. A separação é instantânea e por uma transição brusca? Há uma linha de demarcação nítida entre a vida e a morte?Não. A alma desprende-se gradualmente e não se escapa como um pássaro cativo libertado subitamente. Estes dois estados se tocam e se confundem. Assim o Espírito pouco a pouco se desprende de seus laços. Estes se desatam; não se quebram.

As diferenças de vocábulos empregados e de pontuação, podem levar o leitor a uma compreensão parcial ou errada do texto.

O ideal seria realizar uma tradução com o objetivo de ser fiel ao pensamento de Kardec, adicionando a quantidade que for necessária de notas esclarecedoras, sempre que surgir alguma dúvida ou dificuldade de tradução. Esse trabalho deveria ser feito por um grupo de tradutores, sem líder, para evitar a manifestação de tendências pessoais.

Tradução para o Inglês por Anna Blackwell

A tradução para o inglês, mostra um estilo próximo da mídia atual, capaz de ser entendido pela heterogeneidade dos leitores.

— Is this separation effected instantaneously, and by means of an abrupt transition? Is there any distinctly marked line of demarcation between life and death?
“No; the soul disengages itself gradually. It does not escape at once from the body, like a bird whose cage is suddenly opened. The two states touch and run into each other; and the spirit extricates himself, little by little, from his fleshly bonds, which are loosed, but not broken.”

A necessidade de atualizar e por meio de notas explicar, fica mais evidente em relação a termos científicos, que sofreram grande transformação.

Palavra articulada

A linguagem assume outra importância monumental, se considerarmos que ela influencia a forma de pensar. Quanto melhor estruturada e clara, melhor vamos pensar e concluir para atendermos as infinitas decisões que temos de tomar para nossa evolução.

A linguagem espírita deveria ser essencialmente lógica, racional, argumentativa envolvendo a dose certa de emoção no momento certo e mostrando sempre o caminho, a solução, caracterizada pelo otimismo, pela compreensão e esperança.

No local onde a palavra articulada é soberana – os Centros Espíritas, quase sempre encontramos o discurso superficial, com excesso de adjetivação, não estruturado, divagante, muitas vezes em tom de repreensão, excessivamente focado na religião, utilizando-se inadequadamente de falácias (erros de raciocínio) como recurso de persuasão.

As falácias mais comuns são: a circunstancial que foge a tentativa de provar seu raciocínio, alegando que é uma verdade já aceita por Jesus, Kardec ou espíritos superiores; a falácia do argumento pela ignorância que tenta provar alguma coisa simplesmente por que ninguém provou o contrário; a falácia do apelo à autoridade errada, no qual se recorre a um pensamento de uma pessoa famosa para provar algo fora de sua especialidade; a falácia de acidente que se generaliza a partir de um caso ou situação cujas circunstancias impedem a aplicação de uma proposição geral; a falácia de exigir resposta simples a questões complexas; a falácia da conclusão irrelevante quando o argumento é válido, mas não aplicado ao assunto, e várias outras falácias que contribuem para transformar o discurso espírita em algo frágil e inconsistente.

Conclusão

O Espiritismo não enfrenta maiores problemas advindos dessa situação, em razão da tendência geral da população, independente de suas crenças, de acreditar, ter interesse ou simpatizar com várias idéias espíritas.

O público espírita é em sua maioria, pessoas que querem acreditar em algo que lhes dêem consolo e esperança e não desejam questionar, pois o questionamento levaria ao desconforto da falta de solução para seus problemas. Isso faz com que os comunicadores não tenham experiência argumentativa e acabam se acostumando com essa situação.

A solução está no esforço das pessoas e instituições espíritas voltadas a disseminação do conhecimento espírita. Federativas, associações especializadas, mídia, e associações de divulgadores.

O assunto refere-se à evolução. A busca natural de melhoria em todas as coisas. Edições de livros devem ser melhoradas, cursos de Espiritismo precisam ser ajustados, cursos de oratória necessitam de maior atenção, e, principalmente, a linguagem geral do Espiritismo precisa ser melhorada para facilitar seu correto entendimento e garantir as transformações sociais de que ele é capaz.