Do Laboratório do Mundo Invisível
14ª Os objetos que, pela vontade do Espírito, se tornam tangíveis,f
poderiam permanecer com esse caráter e tornarem-se de uso?
“Isso poderia dar-se, mas não se faz. Está fora das leis.”
15ª Têm todos os Espíritos, no mesmo grau, o poder de produzir objetos
tangíveis?
“É fora de dúvida que quanto mais elevado é o Espírito, tanto mais facilmente
o consegue. Porém, ainda aqui, tudo depende das circunstâncias. Desse poder
também podem dispor os Espíritos inferiores.”
16ª O Espírito tem sempre o conhecimento exato do modo por que compõe suas
vestes, ou os objetos cuja aparência ele faz visível?
“Não; muitas vezes concorre para a formação de todas essas coisas, praticando
um ato instintivo, que ele próprio não compreende, se já não estiver bastante
esclarecido para isso.”
17ª Uma vez que o Espírito pode extrair do elemento universal os materiais
que lhe são necessários à produção de todas essas coisas e dar-lhes uma
realidade temporária, com as propriedades que lhes são peculiares, também poderá
tirar dali o que for preciso para escrever, possibilidade que nos daria a
explicação do fenômeno da escrita direta?
“Até que, afinal, chegaste ao ponto.”
NOTA. Era, com efeito, aí que queríamos chegar com todas as nossas
questões preliminares. A resposta prova que o Espírito lera o nosso pensamento.
18ª Pois que a matéria de que se serve o Espírito carece de persistência,
como é que não desaparecem os traços da escrita direta?
“Não faças jogo de palavras. Primeiramente, não empreguei o termo – nunca.
Tratava-se de um objeto material volumoso, ao passo que aqui se trata de sinais
que, por ser útil conservá-los, são conservados. O que quis dizer foi que os
objetos assim compostos pelos Espíritos não poderiam tornar-se objetos de uso
comum por não haver neles, realmente, agregação de matéria, como nos vossos
corpos sólidos.”
129. A teoria acima se pode resumir desta maneira: o Espírito atua sobre a
matéria; da matéria cósmica universal tira os elementos de que necessite para
formar, a seu bel-prazer, objetos que tenham a aparência dos diversos corpos
existentes na Terra. Pode igualmente, pela ação da sua vontade, operar na
matéria elementar uma transformação íntima, que lhe confira determinadas
propriedades. Esta faculdade é inerente à natureza do Espírito, que muitas vezes
a exerce de modo instintivo, quando necessário, sem disso se aperceber. Os
objetos que o Espírito forma, têm existência temporária, subordinada à sua
vontade, ou a uma necessidade que ele experimenta. Pode fazê-los e desfazê-los
livremente. Em certos casos, esses objetos, aos olhos de pessoas vivas, podem
apresentar todas as aparências da realidade, isto é, tornarem-se momentaneamente
visíveis e até mesmo tangíveis. Há formação; porém, não criação, atento que do
nada o Espírito nada pode tirar.
130. A existência de uma matéria elementar única está hoje quase geralmente
admitida pela Ciência, e os Espíritos, como se acaba de ver, a confirmam. Todos
os corpos da Natureza nascem dessa matéria que, pelas transformações por que
passa, também produz as diversas propriedades desses mesmos corpos. Daí vem que
uma substância salutar pode, por efeito de simples modificação, tornar-se
venenosa, fato de que a Química nos oferece numerosos exemplos. Toda gente sabe
que, combinadas em certas proporções, duas substâncias inocentes podem dar
origem a uma que seja deletéria. Uma parte de oxigênio e duas de hidrogênio,
ambos inofensivos, formam a água. Juntai um átomo de oxigênio e tereis um
liquido corrosivo. Sem mudança nenhuma das proporções, às vezes, a simples
alteração no modo de agregação molecular basta para mudar as propriedades. Assim
é que um corpo opaco pode tornar-se transparente e vice-versa. Pois que ao
Espírito é possível tão grande ação sobre a matéria elementar, concebe-se que
lhe seja dado não só formar substâncias, mas também modificar-lhes as
propriedades, fazendo para isto a sua vontade o efeito de reativo.
131. Esta teoria nos fornece a solução de um fato bem conhecido em
magnetismo, mas inexplicado até hoje: o da mudança das propriedades da água, por
obra da vontade. O Espírito atuante é o do magnetizador, quase sempre assistido
por outro Espírito. Ele opera uma transmutação por meio do fluido magnético que,
como atrás dissemos, e a substância que mais se aproxima da matéria cósmica, ou
elemento universal. Ora, desde que ele pode operar uma modificação nas
propriedades da água, pode também produzir um fenômeno análogo com os fluidos do
organismo, donde o efeito curativo da ação magnética, convenientemente dirigida.
Sabe-se que papel capital desempenha a vontade em todos os fenômenos do
magnetismo. Porém, como se há de explicar a ação material de tão sutil agente? A
vontade não é um ser, uma substância qualquer; não é, sequer, uma propriedade da
matéria mais etérea que exista. A vontade é atributo essencial do Espírito, isto
é, do ser pensante. Com o auxílio dessa alavanca, ele atua sobre a matéria
elementar e, por uma ação consecutiva, reage sobre seus compostos, cujas
propriedades íntimas vêm assim a ficar transformadas. Tanto quanto do Espírito
errante, a vontade é igualmente atributo do Espírito encarnado; daí o poder do
magnetizador, poder que se sabe estar na razão direta da força de vontade.
Podendo o Espírito encarnado atuar sobre a matéria elementar, pode do mesmo modo
mudar-lhe as propriedades, dentro de certos limites. Assim se explica a
faculdade de cura pelo contato e pela imposição das mãos, faculdade que algumas
pessoas possuem em grau mais ou menos elevado. (Veja-se, no capítulo dos
Médiuns, o parágrafo referente aos Médiuns curadores. Veja-se também
a Revue Spirite, de julho de 1859, págs. 184 e 189: O zuavo de Magenta;
Um oficial do exército da Itália.)
Textos extraídos do “Livro dos Espíritos”
Espírito e matéria
21. A matéria existe desde toda a eternidade, como Deus, ou foi criada
por Ele em dado momento?
“Só Deus o sabe. Há uma coisa, todavia, que a razão vos deve indicar: é que
Deus, modelo de amor e caridade nunca esteve inativo. Por mais distante que
logreis figurar o início de Sua ação, podereis concebê-Lo ocioso, um momento que
seja?”
22. Define-se geralmente a matéria como sendo – o que tem extensão, o
que é capaz de nos impressionar os sentidos, o que é impenetrável. São exatas
estas definições?
“Do vosso ponto de vista, elas o são, porque não falais senão do que
conheceis. Mas a matéria existe em estados que ignorais. Pode ser, por exemplo,
tão etérea e sutil que nenhuma impressão vos cause aos sentidos. Contudo, é
sempre matéria. Para vós, porém, não o seria.” a) – Que definição podeis
dar da matéria?
“A matéria é o laço que prende o Espírito; é o instrumento de que este se
serve e sobre o qual, ao mesmo tempo, exerce sua ação.”
Deste ponto de vista, pode dizer-se que a matéria é o agente, o intermediário
com o auxílio do qual e sobre o qual atua o Espírito.
23. Que é o Espírito?
“O princípio inteligente do Universo.”
a) – Qual a natureza íntima do Espírito?
“Não é fácil analisar o Espírito com a vossa linguagem. Para vós, ele nada é,
por não ser palpável. Para nós, entretanto, é alguma coisa. Ficai sabendo: coisa
nenhuma é o nada e o nada não existe.”
24. Espírito é sinônimo de inteligência?
“A inteligência é um atributo essencial do Espírito. Uma e outro, porém, se
confundem num princípio comum, de sorte que, para vós, são a mesma coisa.”
25. O Espírito independe da matéria, ou é apenas uma propriedade desta,
como as cores o são da luz e o som o é do ar?
“São distintos uma do outro; mas, a união do Espírito e da matéria é
necessária para intelectualizar a matéria.”
a) – Essa união é igualmente necessária para a manifestação do
Espírito? (Entendemos aqui por espírito o princípio da inteligência, abstração
feita das individualidades que por esse nome se designam.)
“É necessária a vós outros, porque não tendes organização apta a perceber o
Espírito sem a matéria. A isto não são apropriados os vossos sentidos.”
26. Poder-se-á conceber o Espírito sem a matéria e a matéria sem o
Espírito?
“Pode-se, é fora de dúvida, pelo pensamento.”
27. Há então dois elementos gerais do Universo: a matéria e o Espírito?
“Sim e acima de tudo Deus, o criador, o pai de todas as coisas. Deus,
espírito e matéria constituem o princípio de tudo o que existe, a trindade
universal. Mas ao elemento material se tem que juntar o fluido universal, que
desempenha o papel de intermediário entre o Espírito e a matéria propriamente
dita, por demais grosseira para que o Espírito possa exercer ação sobre ela.
Embora, de certo ponto de vista, seja lícito classificá-lo com o elemento
material, ele se distingue deste por propriedades especiais. Se o fluido
universal fosse positivamente matéria, razão não haveria para que também o
Espírito não o fosse. Está colocado entre o Espírito e a matéria; é fluido, como
a matéria, e suscetível, pelas suas inumeráveis combinações com esta e sob a
ação do Espírito, de produzir a infinita variedade das coisas de que apenas
conheceis uma parte mínima. Esse fluido universal, ou primitivo, ou elementar,
sendo o agente de que o Espírito se utiliza, é o princípio sem o qual a matéria
estaria em perpétuo estado de divisão e nunca adquiriria as qualidades que a
gravidade lhe dá.”
a) – Esse fluido será o que designamos pelo nome de eletricidade?
“Dissemos que ele é suscetível de inúmeras combinações. O que chamais fluido
elétrico, fluido magnético, são modificações do fluido universal, que não é,
propriamente falando, senão matéria mais perfeita, mais sutil e que se pode
considerar independente.”
28. Pois que o Espírito é, em si, alguma coisa, não seria mais exato e
menos sujeito a confusão dar aos dois elementos gerais as designações de –
matéria inerte e matéria inteligente?
“As palavras pouco nos importam. Compete-vos a vós formular a vossa linguagem
de maneira a vos entenderdes. As vossas controvérsias provêm, quase sempre, de
não vos entenderdes acerca dos termos que empregais, por ser incompleta a vossa
linguagem para exprimir o que não vos fere os sentidos.”
Um fato patente domina todas as hipóteses: vemos matéria destituída de
inteligência e vemos um princípio inteligente que independe da matéria. A origem
e a conexão destas duas coisas nos são desconhecidas. Se promanam ou não de uma
só fonte; se há pontos de contato entre ambas; se a inteligência tem existência
própria, ou se é uma propriedade, um efeito; se é mesmo, conforme à opinião de
alguns, uma emanação da Divindade, ignoramos. Elas se nos mostram como sendo
distintas; daí o considerarmo-las formando os dois princípios constitutivos do
Universo. Vemos acima de tudo isso uma inteligência que domina todas as outras,
que as governa, que se distingue delas por atributos essenciais. A essa
inteligência suprema é que chamamos Deus.
Propriedades da matéria
29. A ponderabilidade é um atributo essencial da matéria?
“Da matéria como a entendeis, sim; não, porém, da matéria considerada como
fluido universal. A matéria etérea e sutil que constitui esse fluido vos é
imponderável. Nem por isso, entretanto, deixa de ser o princípio da vossa
matéria pesada.”
A gravidade é uma propriedade relativa. Fora das esferas de atração dos
mundos, não há peso, do mesmo modo que não há alto nem baixo.
30. A matéria é formada de um só ou de muitos elementos?
“De um só elemento primitivo. Os corpos que considerais simples não são
verdadeiros elementos, são transformações da matéria primitiva.”
31. Donde se originam as diversas propriedades da matéria?
“São modificações que as moléculas elementares sofrem, por efeito da sua
união, em certas circunstâncias.”
32. De acordo com o que vindes de dizer, os sabores, os odores, as
cores, o som, as qualidades venenosas ou salutares dos corpos não passam de
modificações de uma única substância primitiva?
“Sem dúvida e que só existem devido à disposição dos órgãos destinados a
percebê-las.”
A demonstração deste princípio se encontra no fato de que nem todos
percebemos as qualidades dos corpos do mesmo modo: enquanto que uma coisa agrada
ao gosto de um, para o de outro é detestável; o que uns vêem azul, outros vêem
vermelho; o que para uns é veneno, para outros é inofensivo ou salutar.
33. A mesma matéria elementar é suscetível de experimentar todas as
modificações e de adquirir todas as propriedades?
“Sim e é isso o que se deve entender, quando dizemos que tudo está em tudo!”
(1)
O oxigênio, o hidrogênio, o azoto, o carbono e todos os corpos que
consideramos simples são meras modificações de uma substância primitiva. Na
impossibilidade em que ainda nos achamos de remontar, a não ser pelo pensamento,
a esta matéria primária, esses corpos são para nós verdadeiros elementos e
podemos, sem maiores conseqüências, tê-los como tais, até nova ordem.
(1) Este princípio explica o fenômeno conhecido de todos os
magnetizadores e que consiste em dar-se, pela ação da vontade, a uma substância
qualquer, à água, por exemplo, propriedades muito diversas: um gosto determinado
e até as qualidades ativas de outras substâncias. Desde que não há mais de um
elemento primitivo e que as propriedades dos diferentes corpos são apenas
modificações desse elemento. o que se segue é que a mais inofensiva substância
tem o mesmo princípio que a mais deletéria. Assim, a água, que se compõe de uma
parte de oxigênio e de duas de hidrogênio, se torna corrosiva, duplicando-se a
proporção do oxigênio. Transformação análoga, se pode produzir por meio de ação
magnética dirigida pela vontade.
- – Não parece que esta teoria dá razão aos que não admitem na matéria
senão duas propriedades essenciais: a força e o movimento, entendendo que
todas as demais propriedades não passam de efeitos secundários, que variam
conforme à intensidade da força e à direção do movimento?
“É acertada essa opinião. Falta somente acrescentar: e conforme à disposição
das moléculas, como o mostra, por exemplo, um corpo opaco, que pode tornar-se
transparente e vice-versa.”
34. As moléculas têm forma determinada?
“Certamente, as moléculas têm uma forma, porém não sois capazes de
apreciá-la.”
a) – Essa forma é constante ou variável?
“Constante a das moléculas elementares primitivas; variável a das moléculas
secundárias, que mais não são do que aglomerações das primeiras. porque, o que
chamais molécula longe ainda está da molécula elementar.”
Espaço universal
35. O Espaço universal é infinito ou limitado?
“Infinito. Supõe-no limitado: que haverá para lá de seus limites? Isto te
confunde a razão, bem o sei; no entanto, a razão te diz que não pode ser de
outro modo. O mesmo se dá com o infinito em todas as coisas. Não é na pequenina
esfera em que vos achais que podereis compreendê-lo.”
Supondo-se um limite ao Espaço, por mais distante que a imaginação o coloque,
a razão diz que além desse limite alguma coisa há e assim, gradativamente, até
ao infinito, porquanto, embora essa alguma coisa fosse o vazio absoluto, ainda
seria Espaço.
36. O vácuo absoluto existe em alguma parte no Espaço universal?
“Não, não há o vácuo. O que te parece vazio está ocupado por matéria que te
escapa aos sentidos e aos instrumentos.”
Do Princípio Vital
Seres orgânicos e inorgânicos
Os seres orgânicos são os que têm em si uma fonte de atividade íntima que
lhes dá a vida. Nascem, crescem, reproduzem-se por si mesmos e morrem. São
providos de órgãos especiais para a execução dos diferentes atos da vida, órgãos
esses apropriados às necessidades que a conservação própria lhes impõe. Nessa
classe estão compreendidos os homens, os animais e as plantas. Seres inorgânicos
são todos os que carecem de vitalidade, de movimentos próprios e que se formam
apenas pela agregação da matéria. Tais são os minerais, a água, o ar, etc.
60. É a mesma a força que une os elementos da matéria nos corpos
orgânicos e nos inorgânicos?
“Sim, a lei de atração é a mesma para todos.”
61. Há diferença entre a matéria dos corpos orgânicos e a dos
inorgânicos?
“A matéria é sempre a mesma, porém nos corpos orgânicos está animalizada.”
62. Qual a causa da animalização da matéria?
“Sua união com o princípio vital.”
63. O princípio vital reside nalgum agente particular, ou é
simplesmente uma propriedade da matéria organizada? Numa palavra, é efeito, ou
causa?
“Uma e outra coisa. A vida é um efeito devido à ação de um agente sobre a
matéria. Esse agente, sem a matéria, não é vida, do mesmo modo que a matéria não
pode viver sem esse agente. Ele dá a vida a todos os seres que o absorvem e
assimilam.”
64. Vimos que o Espírito e a matéria são dois elementos constitutivos
do Universo. O princípio vital será um terceiro?
“É, sem dúvida, um dos elementos necessários à constituição do Universo, mas
que também tem sua origem na matéria universal modificada. É, para vós, um
elemento, como o oxigênio e o hidrogênio, que, entretanto, não são elementos
primitivos, pois que tudo isso deriva de um só princípio.”
a) – Parece resultar daí que a vitalidade não tem seu princípio num
agente primitivo distinto e sim numa propriedade especial da matéria universal,
devida a certas modificações.
“Isto é conseqüência do que dissemos.”
65. O princípio vital reside em alguns dos corpos que conhecemos?
“Ele tem por fonte o fluido universal. É o que chamais fluido magnético, ou
fluido elétrico animalizado. É o intermediário, o elo existente entre o Espírito
e a matéria.”
66. O princípio vital é um só para todos os seres orgânicos?
“Sim, modificado segundo as espécies. É ele que lhes dá movimento e atividade
e os distingue da matéria inerte, porquanto o movimento da matéria não é a vida.
Esse movimento ela o recebe, não o dá.”
67. A vitalidade é atributo permanente do agente vital, ou se
desenvolve tão-só pelo funcionamento dos órgãos?
“Ela não se desenvolve senão com o corpo. Não dissemos que esse agente sem a
matéria não é a vida? A união dos dois é necessária para produzir a vida.”
a) – Poder-se-á dizer que a vitalidade se acha em estado latente,
quando o agente vital não está unido ao corpo?
“Sim, é isso.”
O conjunto dos órgãos constitui uma espécie de mecanismo que recebe impulsão
da atividade íntima ou princípio vital que entre eles existe. Ao mesmo tempo que
o agente vital dá impulsão aos órgãos, a ação destes entretém e desenvolve a
atividade daquele agente, quase como sucede com o atrito, que desenvolve o
calor.
A vida e a morte
68. Qual a causa da morte dos seres orgânicos?
“Esgotamento dos órgãos.”
a) – Poder-se-ia comparar a morte à cessação do movimento de uma
máquina desorganizada?
“Sim; se a máquina está mal montada, cessa o movimento; se o corpo está
enfermo, a vida se extingue.”
69. Por que é que uma lesão do coração mais depressa causa a morte do
que as de outros órgãos?
“O coração é máquina da vida, não é, porém o único órgão cuja lesão ocasiona
a morte. Ele não passa de uma das peças essenciais.”
70. Que é feito da matéria e do princípio vital dos seres orgânicos,
quando estes morrem?
“A matéria inerte se decompõe e vai formar novos organismos. O princípio
vital volta à massa donde saiu.”
Morto o ser orgânico, os elementos que o compõe sofrem novas combinações, de
que resultam novos seres, os quais haurem na fonte universal o princípio da vida
e da atividade, o absorvem e assimilam, para novamente restituírem a essa fonte,
quando deixarem de existir. Os órgãos se impregnam, por assim dizer, desse
fluido vital e esse fluido dá a todas as partes do organismo uma atividade que
as põe em comunicação entre si, nos casos de certas lesões, e normaliza as
funções momentaneamente perturbadas. Mas, quando os elementos essenciais ao
funcionamento dos órgãos estão destruídos, ou muito profundamente alterados, o
fluido vital se torna impotente para lhes transmitir o movimento da vida, e o
ser morre. Mais ou menos necessariamente, os órgãos reagem uns sobre os outros,
resultando essa ação recíproca da harmonia do conjunto por eles formado.
Destruída que seja, por uma causa qualquer, esta harmonia, o funcionamento deles
cessa, como o movimento da máquina cujas peças principais se desarranjem. É o
que se verifica, por exemplo, com um relógio gasto pelo uso, ou que sofreu um
choque por acidente, no qual a força motriz fica impotente para pô-lo de novo a
andar. Num aparelho elétrico temos imagem mais exata da vida e da morte. Esse
aparelho, como todos os corpos da Natureza, contém eletricidade em estado
latente. Os fenômenos elétricos, porém, não se produzem senão quando o fluido é
posto em atividade por uma causa especial. Poder-se-ia então dizer que o
aparelho está vivo. Vindo a cessar a causa da atividade, cessa o fenômeno: o
aparelho volta ao estado de inércia. Os corpos orgânicos são, assim, uma espécie
de pilhas ou aparelhos elétricos, nos quais a atividade do fluido determina o
fenômeno da vida. A cessação dessa atividade causa a morte. A quantidade de
fluido vital não é absoluta em todos os seres orgânicos. Varia segundo as
espécies e não é constante, quer em cada indivíduo, quer nos indivíduos de uma
espécie. Alguns há, que se acham, por assim dizer saturados desse fluido,
enquanto os outros o possuem em quantidade apenas suficiente. Daí, para alguns,
vida mais ativa, mais tenaz e, de certo modo, superabundante. A quantidade de
fluido vital se esgota. Pode tornar-se insuficiente para a conservação da vida,
se não for renovada pela absorção e assimilação das substâncias que o contêm. O
fluido vital se transmite de um indivíduo a outro. Aquele que o tiver em maior
porção pode dá-lo a um que o tenha de menos e em certos casos prolongar a vida
prestes a extinguir-se.
Inteligência e instinto
71. A inteligência é atributo do princípio vital?
“Não, pois que as plantas vivem e não pensam: só têm vida orgânica. A
inteligência e a matéria são independentes, porquanto um corpo pode viver sem a
inteligência. Mas, a inteligência só por meio dos órgãos materiais pode
manifestar-se. Necessário é que o Espírito se una à matéria animalizada para
intelectualizá-la.”
A inteligência é uma faculdade especial, peculiar a algumas classes de seres
orgânicos e que lhes dá, com o pensamento, a vontade de atuar, a consciência de
que existem e de que constituem uma individualidade cada um, assim como os meios
de estabelecerem relações com o mundo exterior e de proverem às suas
necessidades. Podem distinguir-se assim: 1°, os seres inanimados, constituídos
só de matéria, sem vitalidade nem inteligência: são os corpos brutos; 2°, os
seres animados que não pensam, formados de matéria e dotados de vitalidade,
porém, destituídos de inteligência; 3°, os seres animados pensantes, formados de
matéria, dotados de vitalidade e tendo a mais um princípio inteligente que lhes
outorga a faculdade de pensar.
72. Qual a fonte da inteligência?
“Já o dissemos; a inteligência universal.”
a) – Poder-se-ia dizer que cada ser tira uma porção de inteligência da
fonte universal e a assimila, como tira e assimila o princípio da vida material?
“Isto não passa de simples comparação, todavia inexata, porque a inteligência
é uma faculdade própria de cada ser e constitui a sua individualidade moral.
Demais, como sabeis, há coisas que ao homem não é dado penetrar e esta, por
enquanto, é desse número.”
73. O instinto independe da inteligência?
“Precisamente, não, por isso que o instinto é uma espécie de inteligência. É
uma inteligência sem raciocínio. Por ele é que todos os seres provêem às suas
necessidades.”
74. Pode estabelecer-se uma linha de separação entre o instinto e a
inteligência, isto é, precisar onde um acaba e começa a outra?
“Não, porque muitas vezes se confundem. Mas, muito bem se podem distinguir os
atos que decorrem do instinto dos que são da inteligência.”
75. É acertado dizer-se que as faculdades instintivas diminuem à medida
que crescem as intelectuais?
“Não; o instinto existe sempre, mas o homem o despreza. O instinto também
pode conduzir ao bem. Ele quase sempre nos guia e algumas vezes com mais
segurança do que a razão. Nunca se transvia.”
a) – Por que nem sempre é guia infalível a razão?
“Seria infalível, se não fosse falseada pela má educação, pelo orgulho e pelo
egoísmo. O instinto não raciocina; a razão permite a escolha e dá ao homem o
livre-arbítrio.”
O instinto é uma inteligência rudimentar, que difere da inteligência
propriamente dita, em que suas manifestações são quase sempre espontâneas, ao
passo que as da inteligência resultam de uma combinação e de um ato deliberado.
O instinto varia em suas manifestações, conforme às espécies e às suas
necessidades. Nos seres que têm a consciência e a percepção das coisas
exteriores, ele se alia à inteligência, isto é, à vontade e à liberdade.
DOS ESPÍRITOS
Origem e natureza dos Espíritos
76. Que definição se pode dar dos Espíritos?
“Pode dizer-se que os Espíritos são os seres inteligentes da criação. Povoam
o Universo, fora do mundo material.”
NOTA – A palavra Espírito é empregada aqui para designar as
individualidades dos seres extracorpóreos e não mais o elemento inteligente do
Universo.
77. Os Espíritos são seres distintos da Divindade, ou serão simples
emanações ou porções desta e, por isto, denominados filhos de Deus?
“Meu Deus! São obra de Deus, exatamente qual a máquina o é do homem que a
fabrica. A máquina é obra do homem, não é o próprio homem. Sabes que, quando faz
alguma coisa bela, útil, o homem lhe chama sua filha, criação sua. Pois bem! O
mesmo se dá com relação a Deus: somos Seus filhos, pois que somos obra Sua.”
78. Os Espíritos tiveram princípio, ou existem, como Deus, de toda a
eternidade?
“Se não tivessem tido princípio, seriam iguais a Deus, quando, ao invés, são
criação Sua e se acham submetidos à Sua vontade. Deus existe de toda a
eternidade, é incontestável. Quanto, porém, ao modo porque nos criou e em que
momento o fez, nada sabemos. Podes dizer que não tivemos princípio, se quiseres
com isso significar que, sendo eterno, Deus há de ter sempre criado
ininterruptamente. Mas, quando e como cada um de nós foi feito, repito-te,
nenhum o sabe: aí é que está o mistério.”
79. Pois que há dois elementos gerais no Universo: o elemento
inteligente e o elemento material, poder-se-á dizer que os Espíritos são
formados do elemento inteligente, como os corpos inertes o são do elemento
material?
“Evidentemente. Os Espíritos são a individualização do princípio inteligente,
como os corpos são a individualização do princípio material. A época e o modo
por que essa formação se operou é que são desconhecidos.”
80. A criação dos Espíritos é permanente, ou só se deu na origem dos
tempos?
“É permanente. Quer dizer: Deus jamais deixou de criar.”
81. Os Espíritos se formam espontaneamente, ou procedem uns dos outros?
“Deus os cria, como a todas as outras criaturas, pela Sua vontade. Mas,
repito ainda uma vez, a origem deles é mistério.”
82. Será certo dizer-se que os Espíritos são imateriais?
“Como se pode definir uma coisa, quando faltam termos de comparação e com uma
linguagem deficiente? Pode um cego de nascença definir a luz? Imaterial não é
bem o termo; incorpóreo seria mais exato, pois deves compreender que, sendo uma
criação, o Espírito há de ser alguma coisa. É a matéria quintessenciada, mas sem
analogia para vós outros, e tão etérea que escapa inteiramente ao alcance dos
vossos sentidos.”
Dizemos que os Espíritos são imateriais, porque, pela sua essência, diferem
de tudo o que conhecemos sob o nome de matéria. Um povo de cegos careceria de
termos para exprimir a luz e seus efeitos. O cego de nascença se julga capaz de
todas as percepções pelo ouvido, pelo olfato, pelo paladar e pelo tato. Não
compreende as idéias que só lhe poderiam ser dadas pelo sentido que lhe falta.
Nós outros somos verdadeiros cegos com relação à essência dos seres
sobre-humanos. Não os podemos definir senão por meio de comparações sempre
imperfeitas, ou por um esforço da imaginação.
83. Os Espíritos têm fim? Compreende-se que seja eterno o princípio
donde eles emanam, mas o que perguntamos é se suas individualidades têm um termo
e se, em dado tempo, mais ou menos longo, o elemento de que são formados não se
dissemina e volta à massa donde saiu, como sucede com os corpos materiais. É
difícil de conceber-se que uma coisa que teve começo possa não ter fim.
“Há muitas coisas que não compreendeis, porque tendes limitada a
inteligência. Isso, porém, não é razão para que as repilais. O filho não
compreende tudo o que a seu pai é compreensível, nem o ignorante tudo o que o
sábio apreende. Dizemos que a existência dos Espíritos não tem fim. É tudo o que
podemos, por agora, dizer.”
Mundo normal primitivo
84. Os Espíritos constituem um mundo à parte, fora daquele que vemos?
“Sim, o mundo dos Espíritos, ou das inteligências incorpóreas.”
85. Qual dos dois, o mundo espírita ou o mundo corpóreo, é o principal,
na ordem das coisas?
“O mundo espírita, que preexiste e sobrevive a tudo.”
86. O mundo corporal poderia deixar de existir, ou nunca ter existido,
sem que isso alterasse a essência do mundo espírita?
“Decerto. Eles são independentes; contudo, é incessante a correlação entre
ambos, porquanto um sobre o outro incessantemente reagem.”
87. Ocupam os Espíritos uma região determinada e circunscrita no
espaço?
“Estão por toda parte. Povoam infinitamente os espaços infinitos. Tendes
muitos deles de contínuo a vosso lado, observando-vos e sobre vós atuando, sem o
perceberdes, pois que os Espíritos são uma das potências da Natureza e os
instrumentos de que Deus se serve para execução de Seus desígnios providenciais.
Nem todos, porém, vão a toda parte, por isso que há regiões interditas aos menos
adiantados.”
Forma e ubiqüidade dos Espíritos
88. Os Espíritos têm forma determinada, limitada e constante?
“Para vós, não; para nós, sim. O Espírito é, se quiserdes, uma chama, um
clarão, ou uma centelha etérea.”
a) – Essa chama ou centelha tem cor?
“Tem uma coloração que, para vós, vai do colorido escuro e opaco a uma cor
brilhante, qual a do rubi, conforme o Espírito é mais ou menos puro.”
Representam-se de ordinário os gênios com uma chama ou estrela na fronte. É
uma alegoria, que lembra a natureza essencial dos Espíritos. Colocam-na no alto
da cabeça, porque aí está a sede da inteligência.
89. Os Espíritos gastam algum tempo para percorrer o espaço?
“Sim, mas fazem-no com a rapidez do pensamento.”
a) – O pensamento não é a própria alma que se transporta?
“Quando o pensamento está em alguma parte, a alma também aí está, pois que é
a alma quem pensa. O pensamento é um atributo.”
90. O Espírito que se transporta de um lugar a outro tem consciência da
distância que percorre e dos espaços que atravessa, ou é subitamente
transportado ao lugar onde quer ir?
“Dá-se uma e outra coisa. O Espírito pode perfeitamente, se o quiser,
inteirar-se da distância que percorre, mas também essa distância pode
desaparecer completamente, dependendo isso da sua vontade, bem como da sua
natureza mais ou menos depurada.”
91. A matéria opõe obstáculo ao Espírito?
“Nenhum; eles passam através de tudo. O ar, a terra, as águas e até mesmo o
fogo lhes são igualmente acessíveis.”
92. Têm os Espíritos o dom da ubiqüidade? Por outras palavras: um
Espírito pode dividir-se, ou existir em muitos pontos ao mesmo tempo?
“Não pode haver divisão de um mesmo Espírito; mas, cada um é um centro que
irradia para diversos lados. Isso é que faz parecer estar um Espírito em muitos
lugares ao mesmo tempo. Vês o Sol? É um somente. No entanto, irradia em todos os
sentidos e leva muito longe os seus raios. Contudo, não se divide.”
a) – Todos os Espíritos irradiam com igual força?
“Longe disso. Essa força depende do grau de pureza de cada um.”
Cada Espírito é uma unidade indivisível, mas cada um pode lançar seus
pensamentos para diversos lados, sem que se fracione para tal efeito. Nesse
sentido unicamente é que se deve entender o dom da ubiqüidade atribuído aos
Espíritos. Dá-se com eles o que se dá com uma centelha, que projeta longe a sua
claridade e pode ser percebida de todos os pontos do horizonte; ou, ainda, o que
se dá com um homem que, sem mudar de lugar e sem se fracionar, transmite ordens,
sinais e movimento a diferentes pontos.
Perispírito
93. O Espírito, propriamente dito, nenhuma cobertura tem, ou, como
pretendem alguns, está sempre envolto numa substância qualquer?
“Envolve-o uma substância, vaporosa para os teus olhos, mas ainda bastante
grosseira para nós; assaz vaporosa, entretanto, para poder elevar-se na
atmosfera e transportar-se aonde queira.”
Envolvendo o gérmen de um fruto, há o perisperma; do mesmo modo, uma
substância que, por comparação, se pode chamar perispírito, serve de
envoltório ao Espírito propriamente dito.
94. De onde tira o Espírito o seu invólucro semimaterial?
“Do fluido universal de cada globo, razão por que não é idêntico em todos os
mundos. Passando de um mundo a outro, o Espírito muda de envoltório, como mudais
de roupa.”
a) – Assim, quando os Espíritos que habitam mundos superiores vêm ao
nosso meio, tomam um perispírito mais grosseiro?
“É necessário que se revistam da vossa matéria, já o dissemos.”
95. O invólucro semimaterial do Espírito tem formas determinadas e pode
ser perceptível?
“Tem a forma que o Espírito queira. É assim que este vos aparece algumas
vezes, quer em sonho, quer no estado de vigília, e que pode tomar forma visível,
mesmo palpável.”
A alma
134. Que é a alma?
“Um Espírito encarnado.”
a) – Que era a alma antes de se unir ao corpo?
“Espírito.”
b) – As almas e os Espíritos são, portanto, idênticos, a mesma coisa?
“Sim, as almas não são senão os Espíritos. Antes de se unir ao corpo, a alma
é um dos seres inteligentes que povoam o mundo invisível, os quais
temporariamente revestem um invólucro carnal para se purificarem e
esclarecerem.”
135. Há no homem alguma outra coisa além da alma e do corpo?
“Há o laço que liga a alma ao corpo.”
a) – De que natureza é esse laço?
“Semimaterial, isto é, de natureza intermédia entre o Espírito e o corpo. É
preciso que seja assim para que os dois se possam comunicar um com o outro. Por
meio desse laço é que o Espírito atua sobre a matéria e reciprocamente.”
O homem é, portanto, formado de três partes essenciais: 1º – o
corpo ou ser material, análogo ao dos animais e animado pelo mesmo
princípio vital; 2º – a alma, Espírito encarnado que tem no
corpo a sua habitação; 3º – o princípio intermediário, ou
perispírito, substância semimaterial que serve de primeiro envoltório ao
Espírito e liga a alma ao corpo. Tais, num fruto, o gérmen, o perisperma e a
casca.
136. A alma independe do princípio vital?
“O corpo não é mais do que envoltório, repetimo-lo constantemente.”
a) – Pode o corpo existir sem a alma?
“Pode; entretanto, desde que cessa a vida do corpo, a alma o abandona. Antes
do nascimento, ainda não há união definitiva entre a alma e o corpo; enquanto
que, depois dessa união se haver estabelecido, a morte do corpo rompe os laços
que o prendem à alma e esta o abandona. A vida orgânica pode animar um corpo sem
alma, mas a alma não pode habitar um corpo privado de vida orgânica.”
b) – Que seria o nosso corpo, se não tivesse alma?
“Simples massa de carne sem inteligência, tudo o que quiserdes, exceto um
homem.”
137. Um Espírito pode encarnar a um tempo em dois corpos diferentes?
“Não, o Espírito é indivisível e não pode animar simultaneamente dois seres
distintos.” (Ver, em O Livro dos Médiuns, o capítulo VII, “Da
bicorporeidade e da transfiguração.”)
138. Que se deve pensar da opinião dos que consideram a alma o
princípio da vida material?
“É uma questão de palavras, com que nada temos. Começai por vos entenderdes
mutuamente.”
139. Alguns Espíritos e, antes deles, alguns filósofos definiram a alma
como sendo: “uma centelha anímica emanada do grande Todo”. Por que essa
contradição?
“Não há contradição. Tudo depende das acepções das palavras. Por que não
tendes uma palavra para cada coisa?”
O vocábulo alma se emprega para exprimir coisas muito diferentes. Uns
chamam alma ao princípio da vida e, nesta acepção, se pode com acerto dizer,
figuradamente, que a alma é uma centelha anímica emanada do grande Todo.
Estas últimas palavras indicam a fonte universal do princípio vital de que cada
ser absorve uma porção e que, após a morte, volta à massa donde saiu. Essa idéia
de nenhum modo exclui a de um ser moral, distinto, independente da matéria e que
conserva sua individualidade. A esse ser, igualmente, se dá o nome de alma e
nesta acepção é que se pode dizer que a alma é um Espírito encarnado. Dando da
alma definições diversas, os Espíritos falaram de acordo com o modo por que
aplicavam a palavra e com as idéias terrenas de que ainda estavam mais ou menos
imbuídos. Isto resulta da deficiência da linguagem humana, que não dispõe de uma
palavra para cada idéia, donde uma imensidade de equívocos e discussões. Eis por
que os Espíritos superiores nos dizem que primeiro nos entendamos acerca das
palavras.
140. Que se deve pensar da teoria da alma subdividida em tantas partes
quantos são os músculos e presidindo assim a cada uma das funções do corpo?
“Ainda isto depende do sentido que se empreste à palavra alma. Se se
entende por alma o fluido vital, essa teoria tem razão de ser; se se entende por
alma o Espírito encarnado, é errônea. Já dissemos que o Espírito é indivisível.
Ele imprime movimento aos órgãos, servindo-se do fluido intermediário, sem que
para isso se divida.”
a) – Entretanto, alguns Espíritos deram essa definição.
“Os Espíritos ignorantes podem tomar o efeito pela causa.”
A alma atua por intermédio dos órgãos e os órgãos são animados pelo fluido
vital, que por eles se reparte, existindo em maior abundância nos que são
centros ou focos de movimento. Esta explicação, porém, não procede, desde que se
considere a alma como sendo o Espírito que habita o corpo durante a vida e o
deixa por ocasião da morte.
141. Há alguma coisa de verdadeiro na opinião dos que pretendem que a
alma é exterior ao corpo e o circunvolve?
“A alma não se acha encerrada no corpo, qual pássaro numa gaiola. Irradia e
se manifesta exteriormente, como a luz através de um globo de vidro, ou como o
som em torno de um centro de sonoridade. Neste sentido se pode dizer que ela é
exterior, sem que por isso constitua o envoltório do corpo. A alma tem dois
invólucros. Um, sutil e leve: é o primeiro, ao qual chamas perispírito,
outro, grosseiro, material e pesado, o corpo. A alma é o centro de todos os
envoltórios, como o gérmen em um núcleo, já o temos dito.”
Textos extraídos do livro “A Gênese”
OS FLUIDOS
NATUREZA E PROPRIEDADES DOS FLUIDOS
Elementos fluídicos
1. – A Ciência resolveu a questão dos milagres que mais particularmente
derivam do elemento material, quer explicando-os, quer lhes demonstrando a
impossibilidade, em face das leis que regem a matéria. Mas, os fenômenos em que
prepondera o elemento espiritual, esses, não podendo ser explicados unicamente
por meio das leis da Natureza, escapam às investigações da Ciência. Tal a razão
por que eles, mais do que os outros, apresentam os caracteres aparentes do
maravilhoso. É, pois, nas leis que regem a vida espiritual que se pode encontrar
a explicação dos milagres dessa categoria.
2. – O fluido cósmico universal é, como já foi demonstrado, a matéria
elementar primitiva, cujas modificações e transformações constituem a inumerável
variedade dos corpos da Natureza. (Cap. X.) Como princípio elementar do
Universo, ele assume dois estados distintos: o de eterização ou
imponderabilidade, que se pode considerar o primitivo estado normal, e o de
materialização ou de ponderabilidade, que é, de certa maneira, consecutivo
àquele. O ponto intermédio é o da transformação do fluido em matéria tangível.
Mas, ainda aí, não há transição brusca, porquanto podem considerar-se os nossos
fluidos imponderáveis como termo médio entre os dois estados. (Cap. IV, nos 10 e
seguintes.) Cada um desses dois estados dá lugar, naturalmente, a fenômenos
especiais: ao segundo pertencem os do mundo visível e ao primeiro os do mundo
invisível. Uns, os chamados fenômenos materiais, são da alçada da Ciência
propriamente dita, os outros, qualificados de fenômenos espirituais ou
psíquicos, porque se ligam de modo especial à existência dos Espíritos, cabem
nas atribuições do Espiritismo. Como, porém, a vida espiritual e a vida corporal
se acham incessantemente em contato, os fenômenos das duas categorias muitas
vezes se produzem simultaneamente. No estado de encarnação, o homem somente pode
perceber os fenômenos psíquicos que se prendem à vida corpórea; os do domínio
espiritual escapam aos sentidos materiais e só podem ser percebidos no estado de
Espírito. (1)
(1) A denominação de fenômeno psíquico exprime com
mais exatidão o pensamento, do que a de fenômeno espiritual, dado que esses
fenômenos repousam sobre as propriedades e os atributos da alma, ou, melhor, dos
fluidos perispiríticos, inseparáveis da alma. Esta qualificação os liga mais
intimamente à ordem dos fatos naturais regidos por leis; pode-se, pois,
admiti-los como efeitos psíquicos, sem os admitir a título de milagres.
3. – No estado de eterização, o fluido cósmico não é uniforme; sem deixar de
ser etéreo, sofre modificações tão variadas em gênero e mais numerosas talvez do
que no estado de matéria tangível. Essas modificações constituem fluidos
distintos que, embora procedentes do mesmo princípio, são dotados de
propriedades especiais e dão lugar aos fenômenos peculiares ao mundo invisível.
Dentro da relatividade de tudo, esses fluidos têm para os Espíritos, que também
são fluídicos, uma aparência tão material, quanto a dos objetos tangíveis para
os encarnados e são, para eles, o que são para nós as substâncias do mundo
terrestre. Eles os elaboram e combinam para produzirem determinados efeitos,
como fazem os homens com os seus materiais, ainda que por processos diferentes.
Lá, porém, como neste mundo, somente aos Espíritos mais esclarecidos é dado
compreender o papel que desempenham os elementos constitutivos do mundo onde
eles se acham. Os ignorantes do mundo invisível são tão incapazes de explicar a
si mesmos os fenômenos a que assistem e para os quais muitas vezes concorrem
maquinalmente, como os ignorantes da Terra o são para explicar os efeitos da luz
ou da eletricidade, para dizer de que modo é que vêem e escutam.
4. – Os elementos fluídicos do mundo espiritual escapam aos nossos
instrumentos de análise e à percepção dos nossos sentidos, feitos para
perceberem a matéria tangível e não a matéria etérea. Alguns há, pertencentes a
um meio diverso a tal ponto do nosso, que deles só podemos fazer idéia mediante
comparações tão imperfeitas como aquelas mediante as quais um cego de nascença
procura fazer idéia da teoria das cores. Mas, entre tais fluidos, há os tão
intimamente ligados à vida corporal, que, de certa forma, pertencem ao meio
terreno. Em falta de observação direta, seus efeitos podem observar-se, como se
observam os do fluido do imã, fluido que jamais se viu, podendo-se adquirir
sobre a natureza deles conhecimentos de alguma precisão. É essencial esse
estudo, porque está nele a chave de uma imensidade de fenômenos que não se
conseguem explicar unicamente com as leis da matéria.
5. – A pureza absoluta, da qual nada nos pode dar idéia, é o ponto de partida
do fluido universal; o ponto oposto é o em que ele se transforma em matéria
tangível. Entre esses dois extremos, dão-se inúmeras transformações, mais ou
menos aproximadas de um e de outro. Os fluidos mais próximos da materialidade,
os menos puros, consequentemente, compõem o que se pode chamar a atmosfera
espiritual da Terra. É desse meio, onde igualmente vários são os graus de
pureza, que os Espíritos encarnados e desencarnados, deste planeta, haurem os
elementos necessários à economia de suas existências. Por muito sutis e
impalpáveis que nos sejam esses fluidos, não deixam por isso de ser de natureza
grosseira, em comparação com os fluidos etéreos das regiões superiores. O mesmo
se dá na superfície de todos os mundos, salvo as diferenças de constituição e as
condições de vitalidade próprias de cada um. Quanto menos material é a vida
neles, tanto menos afinidades têm os fluidos espirituais com a matéria
propriamente dita. Não é rigorosamente exata a qualificação de fluidos
espirituais, pois que, em definitiva, eles são sempre matéria mais ou menos
quintessenciada. De realmente espiritual, só a alma ou princípio inteligente.
Dá-se-lhes essa denominação por comparação apenas e, sobretudo, pela afinidade
que eles guardam com os Espíritos. Pode dizer-se que são a matéria do mundo
espiritual, razão por que são chamados fluidos espirituais.
6. – Quem conhece, aliás, a constituição íntima da matéria tangível? Ela
talvez somente seja compacta em relação aos nossos sentidos; prová-lo-ia a
facilidade com que a atravessam os fluidos espirituais e os Espíritos, aos quais
não oferece maior obstáculo, do que o que os corpos transparentes oferecem à
luz. Tendo por elemento primitivo o fluído cósmico etéreo, à matéria tangível há
de ser possível, desagregando-se, voltar ao estado de eterização, do mesmo modo
que o diamante, o mais duro dos corpos, pode volatilizar-se em gás impalpável.
Na realidade, a solidificação da matéria não é mais do que um estado transitório
do fluido universal, que pode volver ao seu estado primitivo, quando deixam de
existir as condições de coesão. Quem sabe mesmo se, no estado de tangibilidade,
a matéria não é suscetível de adquirir uma espécie de eterização que lhe daria
propriedades particulares? Certos fenômenos, que parecem autênticos, tenderiam a
fazer supô-lo. Ainda não conhecemos senão as fronteiras do mundo invisível; o
porvir, sem dúvida, nos reserva o conhecimento de novas leis, que nos permitirão
compreender o que se nos conserva em mistério.
Formação e propriedades do perispírito
7. – O perispírito, ou corpo fluídico dos Espíritos, é um dos mais
importantes produtos do fluido cósmico; é uma condensação desse fluido em torno
de um foco de inteligência ou alma. Já vimos que também o corpo carnal tem seu
princípio de origem nesse mesmo fluido condensado e transformado em matéria
tangível. No perispírito, a transformação molecular se opera diferentemente,
porquanto o fluido conserva a sua imponderabilidade e suas qualidades etéreas. O
corpo perispirítico e o corpo carnal têm pois origem no mesmo elemento
primitivo; ambos são matéria, ainda que em dois estados diferentes.
8. – Do meio onde se encontra é que o Espírito extrai o seu perispírito, isto
é, esse envoltório ele o forma dos fluidos ambientes. Resulta daí que os
elementos constitutivos do perispírito naturalmente variam, conforme os mundos.
Dando-se Júpiter como orbe muito adiantado em comparação com a Terra, como um
orbe onde a vida corpórea não apresenta a materialidade da nossa, os envoltórios
perispirituais hão de ser lá de natureza muito mais quintessenciada do que aqui.
Ora, assim como não poderíamos existir naquele mundo com o nosso corpo carnal,
também os nossos Espíritos não poderiam nele penetrar com o perispírito
terrestre que os reveste. Emigrando da Terra, o Espírito deixa aí o seu
invólucro fluídico e toma outro apropriado ao mundo onde vai habitar.
9. – A natureza do envoltório fluídico está sempre em relação com o grau de
adiantamento moral do Espírito. Os Espíritos inferiores não podem mudar de
envoltório a seu bel-prazer, pelo que não podem passar, a vontade, de um mundo
para outro. Alguns há, portanto, cujo envoltório fluídico, se bem que etéreo e
imponderável com relação à matéria tangível, ainda é por demais pesado, se assim
nos podemos exprimir, com relação ao mundo espiritual, para não permitir que
eles saiam do meio que lhes é próprio. Nessa categoria se devem incluir aqueles
cujo perispírito é tão grosseiro, que eles o confundem com o corpo carnal, razão
por que continuam a crer-se vivos. Esses Espíritos, cujo número é avultado,
permanecem na superfície da Terra, como os encarnados, julgando-se entregues às
suas ocupações terrenas. Outros um pouco mais desmaterializados não o são,
contudo, suficientemente, para se elevarem acima das regiões terrestres. (2)
Os Espíritos superiores, ao contrário, podem vir aos mundos inferiores, e, até,
encarnar neles. Tiram, dos elementos constitutivos do mundo onde entram, os
materiais para a formação do envoltório fluídico ou carnal apropriado ao meio em
que se encontrem. Fazem como o nobre que despe temporariamente suas vestes, para
envergar os trajes plebeus, sem deixar por isso de ser nobre. É assim que os
Espíritos da categoria mais elevada podem manifestar-se aos habitantes da Terra
ou encarnar em missão entre estes. Tais Espíritos trazem consigo, não o
invólucro, mas a lembrança, por intuição, das regiões donde vieram e que, em
pensamento, eles vêem. São videntes entre cegos.
(2) Exemplos de Espíritos que ainda se julgam deste
mundo: Revue Spirite, dezembro de 1859, pág. 310; – novembro de 1864, pág. 339;
– abril de 1865, pág. 177.
10. – A camada de fluidos espirituais que cerca a Terra se pode comparar às
camadas inferiores da atmosfera, mais pesadas, mais compactas, menos puras, do
que as camadas superiores. Não são homogêneos esses fluidos; são uma mistura de
moléculas de diversas qualidades, entre as quais necessariamente se encontram.
as moléculas elementares que lhes formam a base, porém mais ou menos alteradas.
Os efeitos que esses fluidos produzem estarão na razão da soma das partes puras
que eles encerram. Tal, por comparação, o álcool retificado, ou misturado, em
diferentes proporções, com água ou outras substâncias: seu peso específico
aumenta, por efeito dessa mistura, ao mesmo tempo que sua força e sua
inflamabilidade diminuem, embora no todo continue a haver álcool puro. Os
Espíritos chamados a viver naquele meio tiram dele seus perispíritos; porém,
conforme seja mais ou menos depurado o Espírito, seu perispírito se formará das
partes mais puras ou das mais grosseiras do fluido peculiar ao mundo onde ele
encarna. O Espírito produz aí, sempre por comparação e não por assimilação, o
efeito de um reativo químico que atrai a si as moléculas que a sua natureza pode
assimilar. Resulta disso este fato capital: a constituição íntima do perispírito
não é idêntica em todos os Espíritos encarnados ou desencarnados que povoam a
Terra ou o espaço que a circunda. O mesmo já não se dá com o corpo carnal, que,
como foi demonstrado, se forma dos mesmos elementos, qualquer que seja a
superioridade ou a inferioridade do Espírito. Por isso, em todos, são os mesmos
os efeitos que o corpo produz, semelhantes as necessidades, ao passo que diferem
em tudo o que respeita ao perispírito. Também resulta que: o envoltório
perispirítico de um Espírito se modifica com o progresso moral que este realiza
em cada encarnação, embora ele encarne no mesmo meio; que os Espíritos
superiores, encarnando excepcionalmente, em missão, num mundo inferior, têm
perispírito menos grosseiro do que o dos indígenas desse mundo.
11. – O meio está sempre em relação com a natureza dos seres que têm de nele
viver: os peixes, na água; os seres terrestres, no ar; os seres espirituais no
fluido espiritual ou etéreo, mesmo que estejam na Terra. O fluido etéreo está
para as necessidades do Espírito, como a atmosfera para as dos encarnados. Ora,
do mesmo modo que os peixes não podem viver no ar; que os animais terrestres não
podem viver numa atmosfera muito rarefeita para seus pulmões, os Espíritos
inferiores não podem suportar o brilho e a impressão dos fluidos mais etéreos.
Não morreriam no meio desses fluidos, porque o Espírito não morre, mas uma força
instintiva os mantêm afastados dali, como a criatura terrena se afasta de um
fogo muito ardente ou de uma luz muito deslumbrante. Eis aí por que não podem
sair do meio que lhes é apropriado à natureza; para mudarem de meio, precisam
antes mudar de natureza, despojar-se dos instintos materiais que os retêm nos
meios materiais; numa palavra, que se depurem e moralmente se transformem.
Então, gradualmente se identificam com um meio mais depurado, que se lhes torna
uma necessidade, como os olhos, para quem viveu longo tempo nas trevas,
insensivelmente se habituam à luz do dia e ao fulgor do Sol.
12 – Assim, tudo no Universo se liga, tudo se encadeia; tudo se acha
submetido à grande e harmoniosa lei de unidade, desde a mais compacta
materialidade, até a mais pura espiritualidade. A Terra é qual vaso donde se
escapa uma fumaça densa que vai clareando à medida que se eleva e cujas parcelas
rarefeitas se perdem no espaço infinito. A potência divina refulge em todas as
partes desse grandioso conjunto e, no entanto, quer-se que Deus, não contente
com o que há feito, venha perturbar essa harmonia! que se rebaixe ao papel de
mágico, produzindo efeitos pueris, dignos de um prestidigitador! E ousa-se,
ainda por cima, dar-lhe como rival em habilidade o próprio Satanás! Não haveria
modo de amesquinhar mais a majestade divina e admiram-se de que a incredulidade
progrida. Tendes razão de dizer: «A fé vai-se.» Mas, a que se vai é a fé em tudo
o que aberra do bom-senso e da razão; é a fé idêntica à que outrora levava a
dizerem: «Vão-se os deuses!» A fé, porém, nas coisas sérias, a fé em Deus e na
imortalidade, essa está sempre vivaz no coração do homem e, por mais sufocada
que tenha sido sob o amontoado de histórias pueris com que a oprimiram, ela se
reerguerá mais forte, desde que se sinta libertada, tal como a planta que,
comprimida, se levanta de novo, logo que a banham os raios do Sol! Efetivamente,
tudo é milagre em a Natureza, porque tudo é admirável e dá testemunho da
sabedoria divina! Esses milagres se patenteiam a toda gente, a todos os que têm
olhos de ver e ouvidos de ouvir e não em proveito apenas de alguns! Não!
milagres não há no sentido que comumente emprestam a essa palavra, porque tudo
decorre das leis eternas da criação, leis essas perfeitas.
Ação dos Espíritos sobre os fluidos. – Criações fluídicas. Fotografia
do pensamento
13. – Os fluidos espirituais, que constituem um dos estados do fluido cósmico
universal, são, a bem dizer, a atmosfera dos seres espirituais; o elemento donde
eles tiram os materiais sobre que operam; o meio onde ocorrem os fenômenos
especiais, perceptíveis à visão e à audição do Espírito, mas que escapam aos
sentidos carnais, impressionáveis somente à matéria tangível; o meio onde se
forma a luz peculiar ao mundo espiritual, diferente, pela causa e pelos efeitos
da luz ordinária; finalmente, o veículo do pensamento, como o ar o é do som.
14. – Os Espíritos atuam sobre os fluidos espirituais, não manipulando-os
como os homens manipulam os gases, mas empregando o pensamento e a vontade. Para
os Espíritos, o pensamento e a vontade são o que é a mão para o homem. Pelo
pensamento, eles imprimem àqueles fluidos tal ou qual direção, os aglomeram,
combinam ou dispersam, organizam com eles conjuntos que apresentam uma
aparência, uma forma, uma coloração determinadas; mudam-lhes as propriedades,
como um químico muda a dos gases ou de outros corpos, combinando-os segundo
certas leis. É a grande oficina ou laboratório da vida espiritual. Algumas
vezes, essas transformações resultam de uma intenção; doutras, são produto de um
pensamento inconsciente. Basta que o Espírito pense uma coisa, para que esta se
produza, como basta que modele uma ária, para que esta repercuta na atmosfera. É
assim, por exemplo, que um Espírito se faz visível a um encarnado que possua a
vista psíquica, sob as aparências que tinha quando vivo na época em que o
segundo o conheceu, embora haja ele tido, depois dessa época, muitas
encarnações. Apresenta-se com o vestuário, os sinais exteriores – enfermidades,
cicatrizes, membros amputados, etc. – que tinha então. Um decapitado se
apresentará sem a cabeça. Não quer isso dizer que haja conservado essas
aparências, certo que não, porquanto, como Espírito, ele não é coxo, nem maneta,
nem zarolho, nem decapitado; o que se dá é que, retrocedendo o seu pensamento à
época em que tinha tais defeitos, seu perispírito lhes toma instantaneamente as
aparências, que deixam de existir logo que o mesmo pensamento cessa de agir
naquele sentido. Se, pois, de uma vez ele foi negro e branco de outra,
apresentar-se-á como branco ou negro, conforme a encarnação a que se refira a
sua evocação e à que se transporte o seu pensamento. Por análogo efeito, o
pensamento do Espírito cria fluidicamente os objetos que ele esteja habituado a
usar. Um avarento manuseará ouro, um militar trará suas armas e seu uniforme, um
fumante o seu cachimbo, um lavrador a sua charrua e seus bois, uma mulher velha
a sua roca. Para o Espírito, que é, também ele, fluídico, esses objetos
fluídicos são tão reais, como o eram, no estado material, para o homem vivo;
mas, pela razão de serem criações do pensamento, a existência deles é tão
fugitiva quanto a deste. (3)
(3) Revue Spirite, junho de 1859, pág. 184. – O
Livro dos Médiuns, 2ª Parte, cap. VIII.
15. – Sendo os fluidos o veículo do pensamento, este atua sobre os fluidos
como o som sobre o ar; eles nos trazem o pensamento, como o ar nos traz o som..
Pode-se pois dizer, sem receio de errar, que há, nesses fluidos, ondas e raios
de pensamentos, que se cruzam sem se confundirem, como há no ar ondas e raios (4)
sonoros. Há mais: criando imagens fluídicas, o pensamento se reflete no
envoltório perispirítico, como num espelho; toma nele corpo e aí de certo modo
se fotografa. Tenha um homem, por exemplo, a idéia de matar a outro: embora o
corpo material se lhe conserve impassível, seu corpo fluídico é posto em ação
pelo pensamento e reproduz todos os matizes deste último; executa fluidicamente
o gesto, o ato que intentou praticar. O pensamento cria a imagem da vítima e a
cena inteira é pintada, como num quadro, tal qual se lhe desenrola no espírito.
Desse modo é que os mais secretos movimentos da alma repercutem no envoltório
fluídico; que uma alma pode ler noutra alma como num livro e ver o que não é
perceptível aos olhos do corpo. Contudo, vendo a intenção, pode ela pressentir a
execução do ato que lhe será a conseqüência, mas não pode determinar o instante
em que o mesmo ato será executado, nem lhe assinalar os pormenores, nem, ainda,
afirmar que ele se dê, porque circunstâncias ulteriores poderão modificar os
planos assentados e mudar as disposições. Ele não pode ver o que ainda não
esteja no pensamento do outro; o que vê é a preocupação habitual do indivíduo,
seus desejos, seus projetos, seus desígnios bons ou maus.
(4) Nota : Como consta no original francês.
Usaríamos o termo vibrações, definido com clareza nos modernos dicionários e
plenamente consagrado na nossa literatura espírita.
Qualidades dos fluidos
16. – Tem conseqüências de importância capital e direta para os encarnados a
ação dos Espíritos sobre os fluidos espirituais. Sendo esses fluidos o veículo
do pensamento e podendo este modificar-lhes as propriedades, é evidente que eles
devem achar-se impregnados das qualidades boas ou más dos pensamentos que os
fazem vibrar, modificando-se pela pureza ou impureza dos sentimentos. Os maus
pensamentos corrompem os fluidos espirituais, como os miasmas deletérios
corrompem o ar respirável. Os fluidos que envolvem os Espíritos maus, ou que
estes projetam são, portanto, viciados, ao passo que os que recebem a influência
dos bons Espíritos são tão puros quanto o comporta o grau da perfeição moral
destes.
17. – Fora impossível fazer-se uma enumeração ou classificação dos bons e dos
maus fluidos, ou especificar-lhes as respectivas qualidades, por ser tão grande
quanto a dos pensamentos a diversidade deles. Os fluidos não possuem qualidades
sui generis, mas as que adquirem no meio onde se elaboram; modificam-se pelos
eflúvios desse meio, como o ar pelas exalações, a água pelos sais das camadas
que atravessa. Conforme as circunstâncias, suas qualidades são, como as da água
e do ar, temporárias ou permanentes, o que os torna muito especialmente
apropriados à produção de tais ou tais efeitos. Também carecem de denominações
particulares. Como os odores, eles são designados pelas suas propriedades, seus
efeitos e tipos originais. Sob o ponto de vista moral, trazem o cunho dos
sentimentos de ódio, de inveja, de ciúme, de orgulho, de egoísmo, de violência,
de hipocrisia, de bondade, de benevolência, de amor, de caridade, de doçura,
etc. Sob o aspecto físico, são excitantes, calmantes, penetrantes,
adstringentes, irritantes, dulcificantes, soporíficos, narcóticos, tóxicos,
reparadores, expulsivos; tornam-se força de transmissão, de propulsão, etc. O
quadro dos fluidos seria, pois, o de todas as paixões, das virtudes e dos vícios
da Humanidade e das propriedades da matéria, correspondentes aos efeitos que
eles produzem.
18. – Sendo apenas Espíritos encarnados, os homens têm uma parcela da vida
espiritual, visto que vivem dessa vida tanto quanto da vida corporal;
primeiramente, durante o sono e, muitas vezes, no estado de vigília. O Espírito,
encarnado, conserva, com as qualidades que lhe são próprias, o seu perispírito
que, como se sabe, não fica circunscrito pelo corpo, mas irradia ao seu derredor
e o envolve como que de uma atmosfera fluídica. Pela sua união íntima com o
corpo, o perispírito desempenha preponderante papel no organismo. Pela sua
expansão, põe o Espírito encarnado em relação mais direta com os Espíritos
livres e também com os Espíritos encarnados. O pensamento do encarnado atua
sobre os fluidos espirituais, como o dos desencarnados, e se transmite de
Espírito a Espírito pelas mesmas vias e, conforme seja bom ou mau, saneia ou
vicia os fluidos ambientes. Desde que estes se modificam pela projeção dos
pensamentos do Espírito, seu invólucro perispirítico, que é parte constituinte
do seu ser e que recebe de modo direto e permanente a impressão de seus
pensamentos, há de, ainda mais, guardar a de suas qualidades boas ou más. Os
fluidos viciados pelos eflúvios dos maus Espíritos podem depurar-se pelo
afastamento destes, cujos perispíritos, porém, serão sempre os mesmos, enquanto
o Espírito não se modificar por si próprio. Sendo o perispírito dos encarnados
de natureza idêntica à dos fluidos espirituais, ele os assimila com facilidade,
como uma esponja se embebe de um líquido. Esses fluidos exercem sobre o
perispírito uma ação tanto mais direta, quanto, por sua expansão e sua
irradiação, o perispírito com eles se confunde. Atuando esses fluidos sobre o
perispírito, este, a seu turno, reage sobre o organismo material com que se acha
em contato molecular. Se os eflúvios são de boa natureza, o corpo ressente uma
impressão salutar; se são maus, a impressão é penosa. Se são permanentes e
enérgicos, os eflúvios maus podem ocasionar desordens físicas; não é outra a
causa de certas enfermidades. Os meios onde superabundam os maus Espíritos são,
pois, impregnados de maus fluidos que o encarnado absorve pelos poros
perispiríticos, como absorve pelos poros do corpo os miasmas pestilenciais.
19. – Assim se explicam os efeitos que se produzem nos lugares de reunião.
Uma assembléia é um foco de irradiação de pensamentos diversos. É como uma
orquestra, um coro de pensamentos, onde cada um emite uma nota. Resulta daí uma
multiplicidade de correntes e de eflúvios fluídicos cuja impressão cada um
recebe pelo sentido espiritual, como num coro musical cada um recebe a impressão
dos sons pelo sentido da audição. Mas, do mesmo modo que há radiações sonoras,
harmoniosas ou dissonantes, também há pensamentos harmônicos ou discordantes. Se
o conjunto é harmonioso, agradável é a impressão; penosa, se aquele é
discordante. Ora, para isso, não se faz mister que o pensamento se exteriorize
por palavras; quer ele se externe, quer não, a irradiação existe sempre. Tal a
causa da satisfação que se experimenta numa reunião simpática, animada de
pensamentos bons e benévolos. Envolve-a uma como salubre atmosfera moral, onde
se respira à vontade; sai-se reconfortado dali, porque impregnado de salutares
eflúvios fluídicos. Basta, porém, que se lhe misturem alguns pensamentos maus,
para produzirem o efeito de uma corrente de ar gelado num meio tépido, ou o de
uma nota desafinada num concerto. Desse modo também se explica a ansiedade, o
indefinível mal-estar que se experimenta numa reunião antipática, onde malévolos
pensamentos provocam correntes de fluido nauseabundo.
20. – O pensamento, portanto, produz uma espécie de efeito físico que reage
sobre o moral, fato este que só o Espiritismo podia tornar compreensível. O
homem o sente instintivamente, visto que procura as reuniões homogêneas e
simpáticas, onde sabe que pode haurir novas forças morais, podendo-se dizer que,
em tais reuniões, ele recupera as perdas fluídicas que sofre todos os dias pela
irradiação do pensamento, como recupera, por meio dos alimentos, as perdas do
corpo material. É que, com efeito, o pensamento é uma emissão que ocasiona perda
real de fluidos espirituais e, consequentemente, de fluidos materiais, de
maneira tal que o homem precisa retemperar-se com os eflúvios que recebe do
exterior. Quando se diz que um médico opera a cura de um doente, por meio de
boas palavras, enuncia-se uma verdade absoluta, pois que um pensamento bondoso
traz consigo fluidos reparadores que atuam sobre o físico, tanto quanto sobre o
moral.
21. – Dir-se-á que se podem evitar os homens sabidamente mal-intencionados. É
fora de dúvida; mas, como fugiremos à influência dos maus Espíritos que pululam
em torno de nós e por toda parte se insinuam, sem serem vistos? O meio é muito
simples, porque depende da vontade do homem, que traz consigo o necessário
preservativo. Os fluidos se combinam pela semelhança de suas naturezas; os
dessemelhantes se repelem; há incompatibilidade entre os bons e os maus fluidos,
como entre o óleo e a água. Que se faz quando está viciado o ar? Procede-se ao
seu saneamento, cuida-se de depurá-lo, destruindo o foco dos miasmas, expelindo
os eflúvios malsãos, por meio de mais fortes correntes de ar salubre. A invasão,
pois, dos maus fluidos, cumpre se oponham os fluidos bons e, como cada um tem no
seu próprio perispírito uma fonte fluídica permanente, todos trazem consigo o
remédio aplicável. Trata-se apenas de purificar essa fonte e de lhe dar
qualidades tais, que se constitua para as más influências um repulsor, em vez de
ser uma força atrativa. O perispírito, portanto, é uma couraça a que se deve dar
a melhor têmpera possível. Ora, como as suas qualidades guardam relação com as
da alma, importa se trabalhe por melhorá-la, pois que são as imperfeições da
alma que atraem os Espíritos maus. As moscas são atraídas pelos focos de
corrupção; destruídos esses focos, elas desaparecerão. Os maus Espíritos,
igualmente, vão para onde o mal os atrai; eliminado o mal, eles se afastarão. Os
Espíritos realmente bons, encarnados ou desencarnados, nada tem que temer da
influência dos maus.
A MATÉRIA
3. – À primeira vista, não há o que pareça tão profundamente variado, nem tão
essencialmente distinto, como as diversas substâncias que compõem o mundo. Entre
os objetos que a Arte ou a Natureza nos fazem passar diariamente ante o olhar,
haverá duas que revelem perfeita identidade, ou, sequer, paridade de composição?
Quanta dessemelhança, sob os aspectos da solidez, da compressibilidade, do peso
e das múltiplas propriedades dos corpos, entre os gases atmosféricos e um filete
de ouro, entre a molécula aquosa da nuvem e a do mineral que forma a carcaça
óssea do globo! que diversidade entre o tecido químico das variadas plantas que
adornam o reino vegetal e o dos representantes não menos numerosos da
animalidade na Terra! Entretanto, podemos estabelecer como princípio absoluto
que todas as substâncias, conhecidas e desconhecidas, por mais dessemelhantes
que pareçam, quer do ponto de vista da constituição íntima, quer pelo prisma de
suas ações recíprocas, são, de fato, apenas modos diversos sob que a matéria se
apresenta; variedades em que ela se transforma sob a direção das forças
inumeráveis que a governam.
4. – A Química, cujos progressos foram tão rápidos depois da minha época, em
a qual seus próprios adeptos ainda a relegavam para o domínio secreto da magia;
ciência que se pode considerar, com justiça, filha do século da observação e
baseada unicamente, de maneira bem mais sólida do que suas irmãs mais velhas, no
método experimental; a Química, digo, fez tábua rasa dos quatro elementos
primitivos que os antigos concordaram em reconhecer na Natureza; mostrou que o
elemento terrestre mais não é do que a combinação de diversas substâncias
variadas ao infinito; que o ar e a água são igualmente decomponíveis e produtos
de certo número de equivalentes de gás; que o fogo, longe de ser também um
elemento principal, é apenas um estado da matéria, resultante do movimento
universal a que esta se acha submetida e de uma combustão sensível ou latente.
Em compensação, fez surgir considerável número de princípios, até então
desconhecidos, que lhe pareceram formar, por determinadas combinações, as
diversas substâncias, os diversos corpos que ela estudou e que atuam
simultaneamente, segundo certas leis e em certas proporções, nos trabalhos que
se realizam dentro do grande laboratório da Natureza. Deu a esses princípios o
nome de corpos simples, indicando de tal modo que os considera primitivos e
indecomponíveis e que nenhuma operação, até hoje, pode reduzi-los a frações
relativamente mais simples do que eles próprios. (2)
(2) Os principais corpos simples são: entre os
não-metálicos, o oxigênio, o hidrogênio, o azoto, o cloro, o carbono, o fósforo,
o enxofre, o iodo; entre os metálicos, o ouro, a prata, a platina, o mercúrio, o
chumbo, o estanho, o zinco, o ferro, o cobre, o arsênico, o sódio, o potássio, o
cálcio, o alumínio, etc.
5. – Mas, onde param as apreciações do homem, mesmo ajudadas pelos mais
impressionantes sentidos artificiais, prossegue a obra da Natureza; onde o vulgo
toma a aparência como realidade, onde o prático levanta o véu e percebe o começo
das coisas, o olhar daquele que pode apreender o modo de agir da Natureza apenas
vê, nos materiais constitutivos do mundo, a matéria cósmica primitiva, simples e
una, diversificada em certas regiões na época do aparecimento destas, repartida
em corpos solidários entre si, enquanto têm vida, e que um dia se desmembram,
por efeitos da decomposição no receptáculo da extensão.
6. – Há questões que nós mesmos, Espíritos amantes da Ciência, não podemos
aprofundar e sobre as quais não poderemos emitir senão opiniões pessoais, mais
ou menos hipotéticas. Sobre essas questões, calar-me-ei, ou justificarei a minha
maneira de ver. A com que nos ocupamos, porém, não pertence a esse numero.
Àqueles, portanto, que fossem tentados a enxergar nas minhas palavras unicamente
uma teoria ousada, direi: abarcai, se for possível, com olhar investigador, a
multiplicidade das operações da Natureza e reconhecereis que, se não admitir a
unidade da matéria, impossível será explicar, já não direi somente os sóis e as
esferas, mas, sem ir tão longe, a germinação de uma semente na terra, ou a
produção dum inseto.
7. – Se se observa tão grande diversidade na matéria, é porque, sendo em
número ilimitado as forças que hão presidido às suas transformações e as
condições em que estas se produziram, também as várias combinações da matéria
não podiam deixar de ser ilimitadas. Logo, quer a substância que se considere
pertença aos fluidos propriamente ditos, isto é, aos corpos imponderáveis, quer
revista os caracteres e as propriedades ordinárias da matéria, não há, em todo o
Universo, senão uma única substância primitiva; o cosmo, ou matéria cósmica dos
uranógrafos.
As leis e as forças
8. – Se um desses seres desconhecidos que consomem a sua efêmera existência
no fundo das tenebrosas regiões do oceano; se um desses poligástricos, uma
dessas nereidas – miseráveis animálculos que da Natureza mais não conhecem do
que os peixes ictiófagos e as florestas submarinas – recebesse de repente o dom
da inteligência, a faculdade de estudar o seu mundo e de basear suas apreciações
num raciocínio conjetural extensivo à universalidade das coisas, que idéia faria
da natureza viva que se desenvolve no meio por ele habitado e do mundo terrestre
que escapa ao campo de suas observações? Se, agora, por maravilhoso efeito do
poder da sua nova faculdade, esse mesmo ser chegasse a elevar-se, acima das suas
trevas eternas, a galgar a superfície do mar, não distante das margens opulentas
de uma ilha de esplêndida vegetação, banhada pelo Sol fecundante, dispensador de
calor benéfico, que juízo faria ele das suas antecipadas teorias sobre a criação
universal? Não as baniria, de pronto, substituindo-as por uma apreciação mais
ampla, relativamente tão incompleta quanto a primeira? Tal, ó homens, a imagem
da vossa ciência toda especulativa. (3)
(3) Tal também a situação dos negadores do mundo dos
Espíritos, quando, após se haverem despojado do envoltório carnal, contemplam,
desdobrados às suas vistas, os horizontes desse mundo. Compreendem, então, quão
ocas eram as teorias com que pretendiam tudo explicar por meio exclusivamente da
matéria. Contudo, esses horizontes ainda lhes ocultam mistérios que só
posteriormente se lhes desvendam, à medida que, depurando-se, eles se elevam.
Desde, porém, os seus primeiros momentos no outro mundo, vêem-se forçados a
reconhecer a própria cegueira e quão longe estavam da verdade.
9. – Vindo, pois, tratar aqui da questão das leis e das forças que regem o
Universo, eu, que apenas sou, como vós, um ser relativamente ignorante, em face
da ciência real, mau grado a aparente superioridade que, com relação aos meus
irmãos da Terra, me advém da possibilidade de estudar problemas naturais que
lhes são interditos na posição em que eles se encontram como terrícolas, trago
por único objetivo dar-vos uma noção geral das leis universais, sem explicar
pormenorizadamente o modo de ação e a natureza das forças especiais que lhes são
dependentes.
10. – Há um fluido etéreo que enche o espaço e penetra os corpos. Esse fluido
é o éter ou matéria cósmica primitiva, geradora do mundo e dos seres. São-lhe
inerentes as forças que presidiram às metamorfoses da matéria, as leis imutáveis
e necessárias que regem o mundo. Essas múltiplas forças, indefinidamente
variadas segundo as combinações da matéria, localizadas segundo as massas,
diversificadas em seus modos de ação, segundo as circunstâncias e os meios, são
conhecidas na Terra sob os nomes de gravidade, coesão, afinidade, atração,
magnetismo, eletricidade ativa. Os movimentos vibratórios do agente são
conhecidos sob os nomes de som, calor, luz, etc. Em outros mundos, elas se
apresentam sob outros aspectos, revelam outros caracteres desconhecidos na Terra
e, na imensa amplidão dos céus, forças em número indefinido se têm desenvolvido
numa escala inimaginável, cuja grandeza tão incapazes somos de avaliar, como o é
o crustáceo, no fundo do oceano, para apreender a universalidade dos fenômenos
terrestres. (4) Ora, assim como só há uma substância simples,
primitiva, geradora de todos os corpos, mas diversificada em suas combinações,
também todas essas forças dependem de uma lei universal diversificada em seus
efeitos e que, pelos desígnios eternos, foi soberanamente imposta à criação,
para lhe imprimir harmonia e estabilidade.
(4) Tudo reportamos ao que conhecemos e do que
escapa à percepção dos nossos sentidos não compreendemos mais do que compreende
o cego de nascença acerca dos efeitos da luz e da utilidade dos olhos. Possível
é, pois, que noutros meios, o fluido cósmico possua propriedades, seja
suscetível de combinações de que não fazemos nenhuma idéia, produza efeitos
apropriados a necessidades que desconhecemos, dando lugar a percepções novas ou
a outros modos de percepção. Não compreendemos, por exemplo, que se possa ver
sem os olhos do corpo e sem a luz. Quem nos diz, porém, que não existam outros
agentes, abra a luz, aos quais são adequados organismos especiais? A vista
sonambúlica, que nem a distância, nem os obstáculos materiais, nem a obscuridade
detém, nos oferece um exemplo disso. Suponhamos que, num mundo qualquer, os
seres sejam normalmente o que só excepcionalmente o são os nossos sonâmbulos;
eles, sem precisarem da nossa luz, nem dos nossos olhos, verão o que não podemos
ver. O mesmo se dá com todas as outras sensações. As condições de vitalidade e
de perceptibilidade, as sensações e as necessidades variam de conformidade com
os meios.
11. – A Natureza jamais se encontra em oposição a si mesma: Uma só é a divisa
do brasão do Universo: unidade-variedade. Remontando à escala dos mundos,
encontra-se a unidade de harmonia e de criação, ao mesmo tempo que uma variedade
infinita no imenso jardim de estrelas. Percorrendo os degraus da vida, desde o
último dos seres até Deus, patenteia-se a grande lei de continuidade.
Considerando as forças em si mesmas, pode-se formar com elas uma série, cuja
resultante, confundindo-se com a geratriz, é a lei universal. Não podeis
apreciar esta lei em toda a sua extensa o, por serem restritas e limitadas as
forças que a representam no campo das vossas observações. Entretanto, a
gravitação e a eletricidade podem ser consideradas como uma larga aplicação da
lei primordial, que impera para lá dos céus. Todas essas forças são eternas –
explicaremos este termo – e universais, como a criação. Sendo inerentes ao
fluído cósmico, elas atuam necessariamente em tudo e em toda parte, modificando
suas ações pela simultaneidade ou pela sucessividade, predominando aqui,
apagando-se ali, pujantes e ativas em certos pontos, latentes ou ocultas
noutros, mas, afinal, preparando, dirigindo, conservando e destruindo os mundos
em seus diversos períodos de vida, governando os maravilhosos trabalhos da
Natureza, onde quer que eles se executem, assegurando para sempre o eterno
esplendor da criação.
A criação primária
12. – Depois de termos considerado o Universo sob os pontos de vista gerais
da sua composição, das suas leis e das suas propriedades, podemos estender os
nossos estudos ao modo de formação que deu origem aos mundos e aos seres.
Desceremos, em seguida, à criação da Terra, em particular, e ao seu estado atual
na universalidade das coisas e daí, tomando esse globo por ponto de partida e
por unidade relativa, procederemos aos nossos estudos planetários e siderais.
13. – Se bem compreendemos a relação, ou, antes, a oposição entre a
eternidade e o tempo, se nos familiarizamos com a idéia de que o tempo não é
mais do que uma medida relativa da sucessão das coisas transitórias, ao passo
que a eternidade é essencialmente una, imóvel e permanente, insuscetível de
qualquer medida, do ponto de vista da duração, compreenderemos que para ela não
há começo, nem fim. Doutro lado, se fazemos idéia exata – embora,
necessariamente, muito fraca – da infinidade do poder divino, compreenderemos
como é possível que o Universo haja existido sempre e sempre exista. Desde que
Deus existiu, suas perfeições eternas falaram. Antes que houvessem nascido os
tempos, a eternidade incomensurável recebeu a palavra divina e fecundou o
espaço, eterno quanto ela.
14. – Existindo, por sua natureza, desde toda a eternidade, Deus criou desde
toda eternidade e não poderia ser de outro modo, visto que, por mais longínqua
que seja a época a que recuemos, pela imaginação, os supostos limites da
criação, haverá sempre, além desse limite, uma eternidade – ponderai bem esta
idéia -, uma eternidade durante a qual as divinas hipóstases, as volições
infinitas teriam permanecido sepultadas em muda letargia inativa e infecunda,
uma eternidade de morte aparente para o Pai eterno que dá vida aos seres; de
mutismo indiferente para o Verbo que os governa; de esterilidade fria e egoísta
para o Espírito de amor e vivificação. Compreendamos melhor a grandeza da ação
divina e a sua perpetuidade sob a mão do Ser absoluto! Deus é o Sol dos seres, é
a Luz do mundo. Ora, a aparição do Sol dá nascimento instantâneo a ondas de luz
que se vão espalhando por todos os lados, na extensão. Do mesmo modo, o
Universo, nascido do Eterno, remonta aos períodos inimagináveis do infinito de
duração, ao Fiat lux! do início.
15. – O começo absoluto das coisas remonta, pois, a Deus. As sucessivas
aparições delas no domínio da existência constituem a ordem da criação perpétua.
Que mortal poderia dizer das magnificências desconhecidas e soberbamente veladas
sob a noite das idades que se desdobraram nesses tempos antigos, em que nenhuma
das maravilhas do Universo atual existia; nessa época primitiva em que, tendo-se
feito ouvir a voz do Senhor, os materiais que no futuro haviam de agregar-se por
si mesmos e simetricamente, para formar o templo da Natureza, se encontraram de
súbito no seio dos vácuos infinitos; quando aquela voz misteriosa, que toda
criatura venera e estima como a de uma mãe, produziu notas harmoniosamente
variadas, para irem vibrar juntas e modular o concerto dos céus imensos! O
mundo, no nascedouro, não se apresentou assente na sua virilidade e na plenitude
da sua vida, não. O poder criador nunca se contradiz e, como todas as coisas, o
Universo nasceu criança. Revestido das leis mencionadas acima e da impulsão
inicial inerente à sua formação mesma, a matéria Cósmica primitiva fez que
sucessivamente nascessem turbilhões, aglomerações desse fluido difuso,
amontoados de matéria nebulosa que se cindiram por si próprios e se modificaram
ao infinito para gerar, nas regiões incomensuráveis da amplidão, diversos
centros de criações simultâneas ou sucessivas. Em virtude das forças que
predominaram sobre um ou sobre outro deles e das circunstâncias ulteriores que
presidiram aos seus desenvolvimentos, esses centros primitivos se tornaram focos
de uma vida especial: uns, menos disseminados no espaço e mais ricos em
princípios e em forças atuantes, começaram desde logo a sua particular vida
astral; os outros, ocupando ilimitada extensão, cresceram com lentidão extrema,
ou de novo se dividiram em outros centros secundários.
16. – Transportando-nos a alguns milhões de séculos somente, acima da época
atual, verificamos que a nossa Terra ainda não existe, que mesmo o nosso sistema
solar ainda não começou as evoluções da vida planetária; mas, que, entretanto,
já esplêndidos sóis iluminam o éter; já planetas habitados dão vida e existência
a uma multidão de seres, nossos predecessores na carreira humana, que as
produções opulentas de uma natureza desconhecida e os maravilhosos fenômenos do
céu desdobram, sob outros olhares, os quadros da imensa criação. Que digo! já
deixaram de existir esplendores que muito antes fizeram palpitar o coração de
outros mortais, sob o pensamento da potência infinita! E nós, pobres seres
pequeninos, que viemos após uma eternidade de vida, nós nos cremos
contemporâneos da criação! Ainda uma vez; compreendamos melhor a Natureza.
Saibamos que atrás de nós, como à nossa frente, está a eternidade, que o espaço
é teatro de inimaginável sucessão e simultaneidade de criações. Tais nebulosas,
que mal percebemos nos mais longínquos pontos do céu, são aglomerados de sóis em
vias de formação; tais outras são vias-lácteas de mundos habitados; outras,
finalmente, sedes de catástrofes e de deperecimento. Saibamos que, assim como
estamos colocados no meio de uma infinidade de mundos, também estamos no meio de
uma dupla infinidade de durações, anteriores e ulteriores; que a criação
universal não se acha restrita a nós, que não nos é lícito aplicar essa
expressão à formação isolada do nosso pequenino globo.
A criação universal
17. – Após haver remontado, tanto quanto o permitia a nossa fraqueza, em
direção à fonte oculta donde dimanam os mundos, como de um rio as gotas d’água,
consideremos a marcha das criações sucessivas e dos seus desenvolvimentos
seriais. A matéria cósmica primitiva continha os elementos materiais, fluídicos
e vitais de todos os universos que estadeiam suas magnificências diante da
eternidade. Ela é a mãe fecunda de todas as coisas, a primeira avó e, sobretudo,
a eterna geratriz. Absolutamente não desapareceu essa substância donde provêm as
esferas siderais; não morreu essa potência, pois que ainda, incessantemente, dá
à luz novas criações e incessantemente recebe, reconstituídos, os princípios dos
mundos que se apagam do livro eterno. A substância etérea, mais ou menos
rarefeita, que se difunde pelos espaços interplanetários; esse fluido cósmico
que enche o mundo, mais ou menos rarefeito, nas regiões imensas, opulentas de
aglomerações de estrelas; mais ou menos condensado onde o céu astral ainda não
brilha; mais ou menos modificado por diversas combinações, de acordo com as
localidades da extensão, nada mais é do que a substância primitiva onde residem
as forças universais, donde a Natureza há tirado todas as coisas. (5)
(5) Se perguntásseis qual o princípio dessas forças
e como pode esse princípio estar na substância mesma que o produz,
responderíamos que a mecânica numerosos exemplos nos oferece desse fato. A
elasticidade, que faz com que uma mola se distenda, não está na própria mola e
não depende do modo de agregação das moléculas? O corpo que obedece à força
centrífuga recebe a sua impulsão do movimento primitivo que lhe foi impresso.
18. – Esse fluido penetra os corpos, como um oceano imenso. É nele que reside
o princípio vital que dá origem à vida dos seres e a perpetua em cada globo,
conforme à condição deste, princípio que, em estado latente, se conserva
adormecido onde a voz de um ser não o chama. Toda criatura, mineral, vegetal,
animal ou qualquer outra – porquanto há muitos outros remos naturais, de cuja
existência nem sequer suspeitais – sabe, em virtude desse princípio vital e
universal, apropriar as condições de sua existência e de sua duração. As
moléculas do mineral têm uma certa soma dessa vida, do mesmo modo que a semente
do embrião, e se grupam, como no organismo, em figuras simétricas que constituem
os indivíduos. Muito importa nos compenetremos da noção de que a matéria cósmica
primitiva se achava revestida, não só das leis que asseguram a estabilidade dos
mundos, como também do universal princípio vital que forma gerações espontâneas
em cada mundo, à medida que se apresentam as condições da existência sucessiva
dos seres e quando soa a hora do aparecimento dos filhos da vida, durante a
período criador. Efetua-se assim a criação universal. É, pois, exato dizer-se
que, sendo as operações da Natureza a expressão da vontade divina, Deus há
criado sempre, cria incessantemente e nunca deixará de criar.
19. – Até aqui, porém, temos guardado silêncio sobre o mundo espiritual, que
também faz parte da criação e cumpre seus destinos conforme as augustas
prescrições do Senhor. Acerca do modo da criação dos Espíritos, entretanto, não
posso ministrar mais que um ensino muito restrito, em virtude da minha própria
ignorância e também porque tenho ainda de calar-me no que concerne a certas
questões, se bem já me haja sido dado aprofundá-las. Aos que desejem
religiosamente conhecer e se mostrem humildes perante Deus, direi, rogando-lhes,
todavia, que nenhum sistema prematuro baseiem nas minhas palavras, o seguinte: O
Espírito não chega a receber a iluminação divina, que lhe dá, simultaneamente
com o livre-arbítrio e a consciência, a noção de seus altos destinos, sem haver
passado pela série divinamente fatal dos seres inferiores, entre os quais se
elabora lentamente a obra da sua individualização. Unicamente a datar do dia em
que o Senhor lhe imprime na fronte o seu tipo augusto, o Espírito toma lugar no
seio das humanidades. De novo peço: não construais sobre as minhas palavras os
vossos raciocínios, tão tristemente célebres na história da Metafísica. Eu
preferiria mil vezes calar-me sobre tão elevadas questões, tão acima das nossas
meditações ordinárias, a vos expor a desnaturar o sentido de meu ensino e a vos
lançar, por culpa minha, nos inextricáveis dédalos do deísmo ou do fatalismo.