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Justiça e misericórdia

Justiça e misericórdia

Antonio Celso Dias Duarte

Data: 28/10/96

Tempo: 15 m

Texto Básico:

  • Parábolas e Ensinos de Jesus Caírbar Schutel: Parábola da Dracma Perdida; Parábola da Ovelha Perdida; Parábola do Filho Pródigo
  • Texto de Apoio: Elucidações Evangélicas Antônio Luiz Sayão: Lucas XV; 8-10; Mateus XVIII, 12-14; Lucas XV, 3-7; Lucas XV, 11-32
  • Texto Extra : O Livro dos Espíritos Kardec Questão 875 e 875a
  • O Evangelho Segundo o Espiritismo Kardec Cap. X – Bem Aventurados os Misericordiosos

A Justiça

A questão da justiça parece ser um assunto que conhecemos bastante bem. Afinal de contas todos os dias estamos “tropeçando” em pessoas injustas que infelizmente não compreenderam algo que acabamos de dizer ou fazer, ou mesmo por outros que gostam de “invadir nosso espaço” sem qualquer cerimônia…

As relações humanas, são assim mesmo: meio complicadas, dada a diversidade e independência de idéias. E foi para tentar colocar um pouco de ordem nesse relacionamento é que surgiram as leis: cada povo, cada cultura, elaborou segundo seus critérios, determinadas normas que procuram harmonizar a convivência em grupo através de mecanismos de punição para aqueles que se desviam da conduta considerada correta. E assim foi inventada a Justiça…

O Tribunal

Inegavelmente, isso nos facilitou a coexistência, e até permitiu que déssemos uma relaxada em nosso autocontrole, uma vez que os mecanismos reguladores da conduta passaram a ser externos às pessoas. Por outro lado, colocou-nos na desconfortante posição daqueles que devem julgar a conduta do semelhante. E assim foi inventado o tribunal…

Juízes de causas alheias

E como juízes, somos extremamente implacáveis: “fez? Vai pagar…”. Moisés ensinava ao povo, a Lei de Talião: olho por olho, dente por dente. É sem dúvida um ensinamento velho e antiquado, mas que continuamos alimentando ainda hoje (até mesmo com situações que não nos envolvam diretamente: irritamo-nos com aquele motorista impaciente, que trafega pelo acostamento das estradas, mas depois comemoramos vitória se o vemos sendo multado logo mais adiante…).

Juízes de nossas próprias causas

A coisa começa a complicar um pouco mais, quando passamos essa rigidez de julgamento, para nós mesmos: basta que façamos algo que julguemos ser errado, para que sintamos imediatamente o sentimento de culpa; passamos então a ser a “última das criaturas”; somos um poço profundo de erros numa sucessão de atitudes desastrosas; só uma coisa pode nos salvar: a punição, que cai como uma luva quando queremos curtir esse sentimento de culpa. Talvez alguns dos amigos presentes tenham ouvido falar de um fato curioso, que ilustra bem esse exemplo: durante as últimas eleições, houve uma pane em uma das urnas eletrônicas, e o eleitor julgou que fora ele o causador do problema. Pois bem: o seu sentimento de culpa, fez com que ele saísse correndo pelos corredores da escola onde havia ido votar, sendo alcançado apenas quando já se encontrava fora do edifício. Só então conseguiram explicar ao assustado eleitor o que havia acontecido…

Isso nos dá a dimensão da paralisia de raciocínio que a culpa nos traz: por um momento nos esquecemos de todas as nossas qualidades (e com certeza as temos…) para nos concentrarmos apenas nos nossos defeitos, que deram origem ao erro cometido. Para sanar tão grande falta (ou como procuram dizer outras crenças, o pecado), há apenas a realidade do mecanismo crime-castigo: o eleitor julgou-se culpado, e como quem aplica a pena é um agente externo, procurou escapar do castigo, que certamente deve ter imaginado do mesmo tamanho que o de seu suposto crime.

O Juiz Supremo

O nosso processo de indução, não pára por aí: se somos capazes de agir com tanta justiça (justiça?) apesar de todas as nossas imperfeições, o que poderemos então dizer sobre a aplicação dessa mesma justiça, quando é feita por Deus, todo sábio e todo poderoso?

Lá está Ele, deus-homem, (Ele não é aquele velho, de barba branca, com um cajado na mão?), em seu trono, com o enorme livro da vida de cada um de nós, onde anota todos os nossos débitos e créditos (até mesmo aqueles que passam desapercebidos pelos olhos da justiça comum), para depois aplicar o devido corretivo. Afinal de contas não é disso que trata a Lei de Ação e Reação? Não somos responsáveis por todos os efeitos a que dermos causa? Como costuma dizer uma grande amiga da fluidoterapia, a nossa limitada capacidade de compreensão nos garante que “se você chutar lata hoje, amanhã você irá reencarnar sem pernas…”.

A Justiça Divina

O que se sobressai desta discussão toda, é que parece haver um desencontro dessa figura do deus que por um lado é a extrema bondade mas que por outro lado, aplica as mais duras penas. No entanto, eu pude localizar o devido esclarecimento, no Livro dos Espíritos: quando perguntados sobre o que é a justiça, os espíritos responderam a Kardec:

– “A justiça é o respeito aos direitos de cada um”.

Isto altera radicalmente o caminho de nossas reflexões: enquanto os homens têm na justiça um sinônimo de arbitragem e punição, os espíritos vêm nos trazer uma justiça que é sinônimo de respeito.

Dessa forma a razão nos permite compreender como Deus é realmente justo. O equívoco acontece em querermos atribuir a Deus, características que são meramente humanas. Por outro lado, essa nova concepção de justiça, também pode perfeitamente ser utilizada conosco: nos tribunais aqui da Terra está havendo justiça, não porque o ato errado está sendo punido, mas porque também por aqui, estão sendo respeitados os direitos que os acusados têm de se defenderem…

Esse respeito que Deus tem por nossos direitos, ocorre até como conseqüência de nossas próprias origens: certamente Ele poderia ter-nos criado “prontinhos”, já evoluídos e sábios, mas não procedeu dessa forma, para que pudéssemos valorizar nosso esforço de aprimoramento. Ora, uma vez que nos criou simples e ignorantes e nos dotou do livre-arbítrio como uma das “ferramentas de trabalho”, tinha pleno conhecimento de que iríamos cometer muitos deslizes até aprendermos a bem utilizá-lo. Porque então, Ele iria nos punir por isso? Ao contrário, o seu gesto é sempre de misericórdia para conosco. Comparemos o exemplo do pai que traz para seu filhinho de três anos, uma caixa de lápis de cor: terá ele razões que justifiquem punir a criança se de repente as paredes da casa aparecerem todas riscadas?

Lembremo-nos da lição trazida por Jesus na passagem do apedrejamento da mulher adúltera, quando diz logo depois que os acusadores haviam partido:

– “Onde estão os que te acusavam? […] Se eles não te condenaram, tampouco eu o farei…”

Neste momento, Jesus estava demonstrando sua total confiança nos valores positivos dos quais aquela mulher era certamente possuidora. Embora estivessem adormecidos, não estavam ausentes. Assim agindo, Ele devolvia àquela mulher, a responsabilidade de despertar essas suas qualidades, e com elas, reconstruir o seu caminho. Isso é a mais pura misericórdia: o perdão das ofensas e a oportunidade do resgate.

Não apenas nessa passagem, como também em muitas parábolas, Jesus sempre se preocupou em nos trazer a figura do Deus Pai, que age não através do castigo, mas da misericórdia. Mesmo porque Aquele que pregava a caridade não poderia agir de forma diferente.

Ação e Reação

A Lei de Ação e Reação continua então existindo, mas não na forma erro-punição como estamos habituados a pensar. Segundo a misericórdia divina, asações são apenas o fruto do uso do livre-arbítrio ao passo que as reações são as oportunidades que temos de usufruir do bom uso que dele fizemos ou as oportunidades de aprendermos com nossos erros ao mesmo tempo em que os vamos reparando (um verdadeiro prêmio à nossa auto-confiança, por vezes tão combalida). Mantém-se assim, a nossa responsabilidade, pois se por um lado não somos castigados por Deus, por outro lado é o nosso esforço que fará com que nos reaproximemos Dele. Este exemplo de misericórdia, o encontramos na parábola do filho pródigo, que partiu da casa do pai, por livre e espontânea vontade, e que por ação desta mesma vontade encontrou o caminho de volta ao lar, depois de passar por condições difíceis que serviram contudo, para auxiliar o seu amadurecimento. Em retornando ao lar, foi recebido de braços abertos, com a alegria de um pai que espera ansioso a volta do filho amado.

As Oportunidades do Dia a Dia

Finalmente, a prova mais sublime da misericórdia divina, podemos facilmente encontrar aqui em nossa reunião: com toda certeza, há muitas futuras-mamães presentes. A cada um desses bebês, Deus está abrindo um leque de novas oportunidades para continuar suas experiências e seu aprendizado; a cada um desses pais, está concedendo plenas oportunidades de auxiliar a quem está vindo. Em todo este processo, estamos sendo amparados pela bênção do esquecimento das existências passadas: a doutrina espírita nos ensina que se estamos nos reencontrando assim, certamente temos pontos em comum, sejam em diferenças a serem acertadas ou união de forças para uma obra maior. No entanto basta essa informação para que possamos dar prosseguimento ao nosso aprendizado: se não nos recordamos de maiores detalhes é porque eles são realmente dispensáveis para o momento em questão.

Será que conseguiremos? Deus acredita que sim, pois caso contrário não nos teria concedido a oportunidade. E se ainda assim quisermos discordar de sua opinião, Ele ainda nos envia o amparo de uma falange de mentores espirituais!