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Gente Fazendo Serão

Gente Fazendo Serão

Ao credenciar a equipe de 70 pessoas para divulgar os conceitos básicos de
Sua filosofia de vida, o Cristo lamentou que não houvesse maior disponibilidade
de servidores. Ante a enormidade da tarefa a realizar, a vastidão da seara, a
farta colheita de almas sedentas de luz e paz, que era aquele pequenino grupo de
seres, já de si mesmos tão precários e frágeis, que Ele mandava como ovelhas
para a convivência com lobos?

Não são estes, adverte-nos a Bíblia de Jerusalém, os que costumavam seguir à
frente para “prepararem hospedagem e alimento” como está em Lucas 9:52, mas
“para lhe servirem de precursores espirituais”.

Para isso Ele recomenda aos próprios servidores que peçam a Deus – o Dono da
Colheita – que envie mais trabalhadores, cada vez mais, para que quanto antes se
implante na terra o reino de Deus.

E assim tem sido feito. No entanto, as mensagens que nos chegam do Mundo
Espiritual nos dizem, reiteradamente, que a seara é cada vez mais ampla, as
necessidades cada vez mais agudas e persiste a escassez de servidores, enquanto
a colheita se perde, em grande parte, pelos campos da vida. Vemos, também,
quantos daqueles que ainda há pouco estavam conosco e partiram, voltarem para
dizer de mil maneiras diferentes a mesma coisa de sempre, ou seja, que poderiam
ter feito um pouco mais ou um pouco melhor o que fizeram, ou poderiam ter feito
o que deixaram de fazer.

Enquanto isso, dizem-nos Amigos Espirituais que inúmeros servidores estão
sendo enviados, perfeitamente programados para as tarefas renovadoras, dotados
de recursos pessoais preciosos, comprometidos com as mais nobres realizações do
bem e, não obstante, aqui chegados, perdem-se no tumulto do mundo, nos
envolvimentos, nos arrastamentos, nas ilusões, no desencanto. E ainda que
encaminhados, dirigidos à Seara Espírita, buscam nela não o serviço para o qual
se prepararam, muitas vezes, humilde e singelo, mas as posições, o destaque, o
brilho, a posse, a liderança para a qual não estão preparados e na qual já
fracassaram repetidamente. Ou nada fazem e ficam a contemplar o vai-e-vem dos
que fazem.

Os desvios são muitos. Em cada curva da estrada espreita uma forma diferente
de tentação; em cada esquina da vida, um apelo sutil e mentiroso que redunda em
fracasso da tarefa programada.

E os testemunhos? Beleza física, riqueza, posição social, inteligência,
oportunidades de cultivo da mente, o verbo fácil e eloqüente, a palavra
fluente…E começam a pensar que isso lhes foi dado para brilharem, para se
mostrarem, para conquistarem maior soma de poder, em termos humanos. Não que a
grandeza seja um erro em si mesma. Quem é maior do que o Cristo em nosso
contexto humano? Só que a grandeza não se destina a oprimir, é um instrumento a
mais de trabalho, para servir.

Por isso tudo nos dizia ainda há pouco um Amigo Espiritual, que os Planos
mais altos da vida decidiram reter um pouco mais na Terra aqueles trabalhadores
que estejam empenhados em alguma tarefa útil, conscientes de suas
responsabilidades e empenhados em se desincumbirem dela da melhor maneira
possível. A vida lhes vai sendo prorrogada, estendida até os limites do possível
e novas tarefas lhes estão sendo atribuídas. Muitos deles já ultrapassaram de
muito a época prevista para o ansiado retorno à Pátria Espiritual. Já poderiam
estar gozando as delícias de uma existência livre das agonias e limitações da
matéria. Os corpos físicos estão cansados e cheios de mazelas próprias da idade.
São muitas as saudades de companheiros amados que os aguardam no plano mais
sutil – aquilo que costumo chamar de “saudade do futuro”… Já o crespúsculo de
suas vidas desceu sobre eles, mas o Dono da Colheita lhes pede que trabalhem
mais algumas horas, em regime de serão, pois há enorme carência de gente
disposta a empunhar as ferramentas para a colheita abundante, o fruto maduro, a
flor no auge da beleza e perfume…

E tanto quanto a humana – ou mais ainda que ela, infinitamente mais – a
transcendental legislação trabalhista de Deus prescreve compensação adicional
para os que fazem serão, pois estão mais cansados, esforçam-se mais e se privam
da convivência dos seus amores e adiam o justo repouso, mas por isso, também
colhem mais. Quando muitos já deixaram a seara e muitos outros nem mesmo vieram
trabalhar, embora já contratados e “de carteira assinada”, aqueles poucos que
ali estão persistem e seguem servindo…

Citar nomes seria expor modéstias e magoar humildades que preferem o
silêncio, mas qualquer um de nós pode citar pelo menos uma dezena de velhos
servidores cansados, doentes, envelhecidos, alquebrados mesmo, que continuam a
trabalhar incessantemente, enquanto desce a noite…

Estão fazendo serão. Não porque a paga seja maior, mas porque sentem o peso
da responsabilidade e ouvem no fundo do coração o apelo de quem tanto fez e
continua a fazer por nós e lhes pede um pouco mais de paciência e trabalho.

Por isso dizia Paulo a seus irmãos de raça (Heb, 12:12):

– Portanto, tornai a levantar as mãos cansadas e os joelhos desconjuntados.”

E a Timóteo (II Tim. 2:15):

– Procura apresentar-te a Deus como um homem provado, um trabalhador que não
tem de que se envergonhar, que dispensa com retidão a palavra da verdade.”

Veja bem o leitor distraído da epístola: o trabalhador deve voltar não
orgulhoso da tarefa realizada, não exibindo títulos e glórias, mas concluída a
tarefa da qual não se envergonhe.

“… mas o dono da colheita lhes pede que trabalhem mais
algumas horas, em regime de serão…”

Extraído da revista Presença Espírita – abril de 1982.

(Jornal Mundo Espírita de Julho de 1999)