Enéas Martim Canhadas
Todos nós?
Sim. As máscaras que usamos são as maneiras como a nossa personalidade se apresenta ao meio onde convive e para o mundo no qual existe e se relaciona. Os Espíritos, uma vez encarnados, passam a usar máscaras para apresentarem-se como são. Assim somos um Espírito dotados da personalidade com que desejamos ser reconhecidos. As máscaras que usamos são intermediárias entre a nossa essência – Anima– (Alma na conceituação de Jung[1]) e a nossa exterioridade, Persona[2] pela qual nos apresentamos.
É possível exemplificar?
A pessoa altruísta, a auto suficiente, a pessoa carinhosa, a que está sempre desconfiada, a egoísta, a briguenta, a honesta, a pessoa carente ou parasita, a que se faz pai ou mãe de todos, a mentirosa, narcisista, a otimista ou pessimista, a pessoa colaboradora ou individualista, a pusilânime fraca de ânimo e sem firmeza, a religiosa, a sofredora, a solitária, a sonhadora, são alguns exemplos de máscaras que usamos. Não se trata, portanto, de negativo ou positivo, de bom ou mau. São maneiras de ser que compõem a personalidade de alguém e fazem parte da alma, isto é, da essência da pessoa.
Afinal de contas, somos obrigados a usar máscaras ou devemos tirá-las?
Não se trata de desvencilhar-nos das máscaras, como tiramos uma roupa que não vamos mais usar. A questão é que, precisamos das máscaras todos os dias. É assim que garantimos o desempenho dos vários papéis nas nossas vidas ao nos relacionarmos. São atitudes adequadas para as várias circunstâncias que se apresentam na vida. O que importa é a consciência de que elas representam faces da personalidade que vêm da nossa Alma, como partes do todo que somos. Não se trata de eliminar as máscaras mas de aprender a conviver com elas, até que um dia não tenhamos mais necessidade disso. Dessa convivência, decorrem o nosso desenvolvimento intelectual, psíquico-emocional, moral e espiritual traduzindo a nossa atuação de ser-no-mundo, o que nos dá uma identidade. Este caráter mediador das máscaras, constituem-se em bastões em que nos apoiamos para dar conta do nosso modo de ser. São alavancas quando podemos mostrar um pouco mais da nossa essência interior em atitudes e são margens dando-nos a noção dos nossos limites e competências. Este “caminhar mascarado” nos conduzem na trajetória rumo à plenitude espiritual.
Mas, não somos as nossas próprias máscaras?
Não somos. Aí é que está o “x” da questão.Pensar que somos a própria máscara faz-nos perder de nós mesmos. Se não houver nada além da máscara, seremos parciais, incompletos, pedaços de Espírito e não um Espírito uno. Se fôssemos pedaço de Espírito, seríamos como mônadas[3] aleijadas ou mutiladas, incapazes de, um dia, alcançar a plenitude. Somos um “holos[4]” em desenvolvimento. Somos completos e caminhamos para viver em plenitude. O que aprendemos não ocupa espaço e nem precisa produzir tentáculos. Assim desenvolvemo-nos como um todo. O problema não é de crescimento físico, mas sim de ampliação da consciência, e consciência não ocupa um espaço geograficamente delimitado. Quando alguém identifica-se ou deixa-se absorver pela persona, isto é, pela máscara, passando a conviver com os outros assim, estará fugindo ou afastando-se da própria essência. Isto significa, em termos práticos, que está esquecendo de si mesmo, perdendo o foco da busca pessoal, desvia-se dos seus projetos futuros. Neste caso, a pessoa ficará sujeita ou escravizada às opiniões alheias. Torna-se mais preocupada com o que os outros esperam ou pensam dela. Torna-se alguém que parece não ter vontade própria e passa a depender das opiniões e aprovações de amigos, parentes, pais e demais pessoas da sua convivência. Sente-se infeliz mediante qualquer comentário que não aprove suas ações, decisões, escolhas ou preferências Sentirá insegurança com medo de ter que enfrentar a realidade. Qual realidade? A de que necessita apropriar-se de seus desejos e preferências, idéias ou opiniões, escolhas ou pontos de vista, mesmo que não coincidam com o que os outros gostam. Escolher os próprios caminhos, é a maior tarefa de quem caminha.
Então temos que tirar as máscaras para mostrar a Alma?
Também não é assim. Identificar-se com a Anima (Alma para Jung), significa ser uma pessoa voltada inteiramente para dentro de si mesma, tornando-se egoísta, individualista ou auto centrada, o que não permite uma relação com o mundo e com as pessoas, porque ela está em contato apenas consigo mesma. A música composta por Antonio Nóbrega[5] e Wilson Freire, diz assim: “Menina, vou te ensinar como é que se namora: põe a alma no sorriso e o sorriso põe pra fora”. Esta figura fala claramente da essência e da máscara que se usa para manifestar tal atitude. “A máscara social é, portanto, a veste necessária para a adaptação social. Com efeito, esta é entendida como indispensável por si, ou então como aquilo ao qual nenhum de nós pode renunciar. (O caráter necessário atribuído à mascara deve ser entendido como uma impossibilidade para a nudez. Aquilo que está em questão, portanto, não é o despojar-se da máscara em nome de possível nudez, e sim a possibilidade de representar uma ulterioridade ou um além em relação à máscara, isto é, através de tal noção, o indivíduo é convidado a sair do engano de trocar tal “parte” com o todo da sua individualidade e, portanto, do erro de considerar que sob, por trás ou além da máscara não exista outra coisa)”[6]. Pensar que podemos dispor das máscaras ainda não nos é possível. Ainda não podemos expor a nudez do nosso próprio Espírito. Devido a imaturidade, somos apegados a velhos hábitos[7]. Quando Adão e Eva viram-se nus no Paraíso, procuraram cobrir sua nudez, simbolizando que ainda não estavam preparados para ela. Não podemos nos suportar nus e despojados. Não somos capazes de suportar os nossos pensamentos, incongruências, anseios, desejos, maus quereres, preconceitos, motivos, etc. quando ficam à mostra para os outros pois, nos veríamos cheios de dúvidas, medos, inseguranças, vergonhas e incertezas de todo tipo.
Parece que a gente é o que é sem tirar e nem por . . .
Se isto significar consciência de si mesmo, é verdadeiro. Existe ainda um outro tipo de máscara que é a “máscara funerária, o arquétipo imutável, no qual supostamente a morte se reintegra” segundo M. Burckhardt[8]. As suposições deste pesquisador vão mais além quando diz “não se dar sem perigo quando se trata de um indivíduo que não atingiu certo grau de elevação espiritual.” No Egito antigo portanto, a máscara mortuária significava a paralisação, a impossibilidade de mudar, cessando o aprimoramento, ainda acarretando riscos para quem não tivesse elevação espiritual. Isto sabemos segundo a Doutrina Espírita quando Espíritos ficam presos por fascinação ou outros motivos à sua personalidade passada. O aprimoramento do Espírito prossegue a cada novo projeto encarnatório, e usando outras máscaras, representaremos novas condições adquiridas. Entretanto, afinidades com máscaras usadas em tempos passados permitem que os espíritos, tenham preferências por esta ou aquela aparência ao se apresentarem para os encarnados. Para Espíritos esclarecidos, trata-se apenas de mera preferência.
Como entender, ao mesmo tempo, que a evolução prossegue na dimensão espiritual?
A evolução no Plano Espiritual, não dispensa a prática que tem lugar no campo do exercício terreno, condição diferenciada de residência transitória na matéria, para consolidar mudanças e aprendizados. Somos muito vulneráveis às mudanças quando ainda não tenham adquirido consistência na vivência prática, no exercício das relações com os outros. As encarnações sucessivas bem justificada pelo comentário no Livro dos Espíritos à resposta da pergunta 619 reitera que “a justiça da multiplicidade de encarnações do homem decorre deste princípio, pois a cada nova existência, sua inteligência se torna mais desenvolvida e ele compreende melhor o que é o bem e o que é o mal”. As sucessivas encarnações não significam simples capricho da resolução criadora de Deus que se concretiza pela evolução. É condição normal e prática[9] uma vez que “a alma compreende a lei de Deus, segundo o grau de perfeição a que tenha chegado e conserva a sua lembrança intuitiva após a união com o corpo (…). É, como poderíamos dizer, a práxis do Espírito.
[1] Carl Gustav Jung (1875-1961) psiquiatra suiço nascido a 26 de julho de 1875, em Kresswil, Basiléia, na Suíça, no seio de uma família voltada para a religião. Seu pai e vários outros parentes eram pastores luteranos, o que explica, em parte, desde a mais tenra idade, o interesse do jovem Carl por filosofia e questões espirituais e o papel da religião no processo de maturação psíquica das pessoas, povos e civilizações.
Jung morreu a 6 de junho de 1961, aos 86 anos, em sua casa, à beira do lago de Zurique, em Küsnacht após uma longa vida produtiva.
[2] Termo latino que indica a máscara que o ator teatral, tanto cômico como trágico, punha no próprio rosto no decorrer da representação. Usado para designar indiferentemente um aspecto da personalidade, da psique coletiva ou mundana que se encontra dentro da própria personalidade; uma estrutura da psique e, portanto, uma das subpersonalidades que giram ao redor do Eu, cuja relação com o próprio Eu muda continuamente no curso da vida; a imagem que o indivíduo mostra externamente, e enquanto tal um dos aspectos mais exteriores do próprio indivíduo; papel ou o “status social” do indivíduo nas relações com o mundo (cultural e social, e portanto, o aspecto que ele assume nas relações com a cultura e com a sociedade.
[3] Do Latim monade e do grego monás, ádos, que quer dizer único. Em Biologia é o organismo ou unidade orgânica diminuta e muito simples. Em Filosofia, segundo Leibniz, cada uma das substâncias simples e de número infinito, de natureza psíquica (dotada de apercepção e apetição), e que não têm qualquer relação umas com as outras, que se agregam harmoniosamente por predeterminação da divindade, constituindo as coisas de que a natureza se compõe. Dicionário Aurélio Século XXI.
[4] Do grego hólos, e quer dizer inteiro, completo, indiviso, compacto, homogêneo, fundamenta a teoria segundo a qual o homem é um todo indivisível, e que não pode ser explicado pelos seus distintos componentes (físico, psicológico ou psíquico), considerados separadamente.
[5] Composição de Antonio Nobrega, como ele mesmo se intitula “folgazão rabequeiro, dançador e cantor-brincante reconhecido”, e Wilson Freire, “Lição de Namoro” faixa do CD “Madeira que Cupim não Rói”, gravadora Eldorado.
[6] Citado no Dicionário Junguiano dirigido por Paolo Francesco Pieri (Florença 1943), membro ordinário da International Association of Analytical Psychology, analistya com funções didáticas junto ao Centro Italiano di Psicologia Analítica, Paulus, em co-edição com Edit. Vozes, São Paulo, 2002.
[7] Ler o capítulo “Velhos Hábitos” do livro “Renovando Atitudes” de Francisco do Espírito Santo Neto pelo Espírito Hammed, Edit. Boa Nova, Catanduva-SP., 1988.
[8]Citado no Dicionário de Símbolos, verbete Máscara, autores: Jean Chevalier e Alain Gheerbrant, José Olympio Edit., Rio de Janeiro, 1988.