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Tique Nervoso

Seminarista foge do convento incomodado com a batina

Hipótese explicativa em caso de “tique nervoso” sugestivo de subjugação espiritual

Iso Jorge Teixeira *

[email protected]

O voto de castidade dos padres é uma dura prova para as tentações da carne

 

No dia 13/05/02, quando éramos colunista do jornal espírita, um leitor escreveu-nos de Maceió a seguinte carta:

“Prezado confrade Dr. ISO JORGE TEIXEIRA

Sou assinante do Jornal Espírita, admiro muito a sua página e gostaria de saber, se possível, a opinião do ilustre confrade acerca das afirmações desses grandes escritores do movimento espírita mundial.

1. Gabriel Delanne, em seu livro A Reencarnação. cap. VII, pág. 144, afirma: ´O perispírito está ligado ao corpo por intermédio do sistema nervoso; toda sensação que abala a massa nervosa, desprende essa espécie de energia, a qual se deram os mais diversos nomes: fluido nervoso, fluido magnético, força ectênica, força psíquica, força biológica… Essa energia age sobre o perispírito para comunicar-lhe o movimento vibratório particular, segundo o território nervoso que foi excitado (vibração visual, auditiva, táctil, muscular, etc.), de maneira que a atenção da alma seja acordada e que se produza o fenômeno da percepção; (…)´

2. Léon Denis, em seu livro Depois da Morte, 3.ª parte, item XXI, pág. 176, 11.ª edição, afirma: ´É pelas correntes magnéticas que o perispírito se comunica com a alma. É pelos fluidos nervosos que ele está ligado ao corpo. Esses fluidos , posto que invisíveis, são vínculos poderosos que o prendem à matéria, do nascimento à morte e, mesmo nos sensuais, assim o conservam, até a dissolução do organismo” (grifos meus).

Diante do exposto, gostaria ainda de saber sobre as seguintes questões:

a)- Alguma deficiência (mesmo leve) no sistema nervoso – deixando a alma (Espírito encarnado) com o perispírito mais ´desligado´ do corpo – poderia facilitar a influência de um espírito desencarnado sobre o corpo do encarnado, provocando até manias, “tiques nervosos” e/ou estados de irritação ?

b)- Essa deficiência no sistema nervoso poderia influir no desenvolvimento mediúnico de um encarnado, considerando a dificuldade de ligação entre o corpo e o Espírito do mesmo? Caso afirmativo, o que fazer?

c)- Isso poderia dificultar na concentração do encarnado em reuniões mediúnicas?

Desde já agradecendo pela atenção, solicitaria ao nobre profissional de Medicina, que a resposta fosse enviada pelo meu e-mail (…) ou, se considerar pertinente, em sua importante página no referido Jornal, com o pseudônimo de MARTONIO.

Saudações fraternas e muita paz”.

A seguir, o inteligente leitor assinou.

Após nossa resposta preliminar, via e-mail, o leitor voltou a escrever-nos, desta vez em mail de 19/07/02, “colocando o [seu] caso pessoal”, que assim é descrito:

“Tive uma infância normal, com divertimentos, estudos e boa saúde; e em relação aos estudos, até o científico, sempre conclui cada ano normalmente, sem ficar nenhuma vez em 2.ª época (recuperação agora) e na Faculdade também.

O “problema” surgiu na minha adolescência, quando, de repente, comecei a ter um ´tique´, popularmente conhecido como ´tique nervoso´ e que até hoje, com 54 anos, não consegui me curar ou me livrar dele. Esse tique é quase constante e se manifesta na região do pescoço e ombros, principalmente, quando fico ansioso ou tenso com alguma coisa.

Isso vem me prejudicando, tanto social como profissionalmente – sou formado em administração de empresas e funcionário público estadual – quando já evitei exercer alguns cargos mais importantes que necessitassem uma maior exposição pública, como falar em público, por exemplo; mesmo assim, exerci vários cargos de Chefia.

E prossegue o inquieto leitor:

“(…) Por este motivo, mesmo dentro do movimento espírita, pelo qual me interessei desde os 19 anos, freqüentando e estudando a Doutrina, chegando a coordenar Curso de mediunidade para futuros participantes de grupo mediúnico e freqüentar por 2 anos uma reunião mediúnica – no nosso grupo de 12 participantes, 6 tinham formação em Medicina, inclusive um psiquiatra – não consigo falar em público e evito participar de outras atividades que precisa me expor, apesar de um relativo conhecimento da Doutrina e vontade de ajudar aos confrades iniciantes.

E o leitor acrescenta um importante detalhe:

“(…) Uma coisa interessante me aconteceu quando eu tinha aproximadamente 30 anos; uma médium na Federação Espírita do Estado de Alagoas me informou que esse ´tique´ não era meu e sim de um irmão desencarnado que teria procurado se vingar de mim em função do que eu lhe tinha feito na encarnação passada (era um Padre que tinha me tirado da rua e me criava como filho e eu fugi do convento para me casar, por isso teria ficado com ódio de mim), mas que devido ao meu comportamento ele já teria se afastado. Até aí nada de mais, ele poderia ter criado essa história.

Mas, o importante veio depois, quando eu, procurando veracidade no fato, perguntei quando o irmão desencarnado teria me encontrado nesta encarnação. E, para minha surpresa, ela respondeu exatamente a idade em que eu havia começado o ´tique nervoso´, o que eu nunca havia comentado com ninguém, como não estou informando agora.”

E o leitor conclui o seu relato:

“Vale ressaltar que quando eu me afasto do Centro Espírita e paro de estudar a Doutrina, sinto uma diminuição dos ´tiques´ e sinto-me menos ansioso e tenso, no entanto, insisto por sentir que a Doutrina ajuda na minha evolução espiritual, porém, não é fácil.

Em ´O Livro dos Médiuns´, Ed. LAKE, cap. XXIII, item 240, em que Kardec comenta sobre subjugação, o tradutor, ilustre jornalista e escritor, J. Herculano Pires, faz uma chamada e coloca: ´Manias, trejeitos, esgares, tiques nervosos e estados permanentes de irritação, provêm em geral de subjugações corpóreas.(…)”.

Agradecendo mais uma vez pela sua atenção, gostaria, se possível, de saber a sua opinião acerca deste meu “problema” e se existe algum tratamento que eu possa fazer; atualmente freqüento a Doutrina no Centro e tomo passes.”

MARTONIO – Adm. de Empresas

Maceió – Alagoas

Respondemos preliminarmente, também, a esse mail do leitor e, no dia 27 de julho ele nos agradeceu, via correio eletrônico.

Como o perispírito se liga ao corpo e ao Espírito?.

Ambas as afirmações (1 e 2) de DELANNE e LÉON DENIS, respectivamente – citados pelo Sr. MARTONIO – são incompletas cientificamente, mas são boas hipóteses-de-trabalho, a nosso ver; além disso, elas não são exatas, tanto assim que o próprio confrade grifou as inexatidões:

1. Assim, em DELANNE é o sistema nervoso que liga o perispírito ao corpo e em LÉON DENIS são os fluidos nervosos que fazem tal ligação; embora GABRIEL DELANNE diga que há desprendimento de energia que alguns chamam de “fluido nervoso”, etc. e que essa energia é quem agiria sobre o perispírito…

Na realidade, ainda não se conhece, até hoje, a estrutura íntima do perispírito (é o que se depreende da resposta à questão 94 c/c a 27-A de O Livro dos Espíritos (OLE), de ALLAN KARDEC) e hoje sabemos que no impulso nervoso há uma despolarização (elétrica) da membrana da fibra nervosa periférica e tal impulso ao chegar ao cérebro (denominado “massa nervosa” por DELANNE) é decodificado; mas, tal decodificação ainda não está clara organicamente e, muito menos, espiritualmente!…

O “acordar” da alma, referido por DELANNE, corresponderia ao “acordar”, ao alerta do estado-de-consciência, que hoje, sabemos, situa-se no centro do encéfalo, na área chamada formação reticular. Esta área é extremamente complexa, funciona como uma espécie de Filtro Central de informações, que entram e saem do nosso cérebro; mas, ainda também estamos longe de conhecê-la, em detalhe, do ponto de vista orgânico; e, então, qualquer especulação em termos energéticos perispirituais será mera hipótese-de-trabalho, nada mais…

Por tudo isso, preferimos esperar o avanço científico e colaborarmos para ele, quando possível, para compreendermos melhor como se processa a tal ligação entre o perispírito e o corpo (acreditamos, mesmo, que passaremos ainda por várias encarnações para que na Terra a conheçamos). Não obstante, tentam entender a “fisiologia” do perispírito nos mesmos moldes da Fisiologia Nervosa Superior e esta é, a nosso ver, uma hipótese-de-trabalho que estamos muito longe de prová-la, pois o perispírito não é constituído da matéria que conhecemos, se é que a conhecemos; ele é semimaterial, tendo, portanto, uma parteespiritual, que se liga ao Espírito e a parte que se liga ao corpo é constituída de matéria quintessenciada …

Tiques e automatismo. Que fazer ?

Os tiques são sintomas e sinais que se iniciam, em geral, na adolescência por dificuldades emocionais, o que coincide com o caso do Sr. MARTONIO, exceto quanto às dificuldades emocionais – não existentes no caso ou não reveladas. Tais tiques se automatizam , com o passar do tempo, tornando-se quase uma característica da personalidade do indivíduo, tal a cristalização do sintoma e sinal e uma das hipóteses para explicar tal automatização, veremos mais adiante…

Há algumas técnicas de tratamento psiquiátrico para “descondicionar” tais automatismos e uma delas, denominada terapia comportamental (o neobehavorismo), consiste em que o paciente seja posto em contato com as situações estressoras, no caso, as provocadoras dos tiques e, pouco a pouco, seria feita a dessensibilização. Complementarmente, poderia ser tentado o uso de antidepressivos, não pelo fato de haver depressão, mas porque determinados antidepressivos agem positivamente em transtornos da psicomotricidade: em obsessões – compulsões e no chamado espectro obsessivo-compulsivo – e os tiquesfazem parte desse espectro… Enfim, essa é a nossa opinião, em tese, pois, não examinamos o Sr. MARTONIO, obviamente.

Espíritos inferiores que assim se apresentam para se divertirem à custa das inclinações instintivas e mal governadas do indivíduo. E nessa situação recebe insinuações sensualistas, muito do seu agrado, a ponto de tornar-se aos poucos, um joguete dessas influências, sem que de tal se aperceba

Tique e subjugação espiritual.

Com relação ao aspecto espiritual do caso relatado pelo leitor, é sugestivo da ação de obsessor(es); embora o fato da médium de Maceió ter informado a data precisa do início dos seus tiques não seja, necessariamente, a confirmação do processo obsessivo, da subjugação, porque ela poderia ter captado telepaticamente a informação que o Sr. MARTONIO tinha prévio conhecimento, o que configuraria umanimismo… Não obstante, nossa tese é que o Transtorno Obsessivo-compulsivo (TOC) e outros transtornos psicomotores do espectro obsessivo-compulsivo, onde se incluem os tiques, são transtornos que facilitam a ação dos obsessores, desencarnados, e até a auto-obsessão, caso haja sintonia entre obsessor e obsidiado ou haja cerceamento do indivíduo ao seu próprio psiquismo. Esta hipótese foi exposta, parcialmente, em nosso artigo Transtorno obsessivo-compulsivo: seria uma auto-obsessão ? (JE, março/01, Col. SAÚDE MENTAL, p. 7).

Hipótese explicativa do caso.

Curiosamente, o Sr. MARTONIO piora dos tiques quando mantém contato com a Doutrina Espírita, o que denota que o(s) obsessor(es) quer(em) mantê-lo afastado dos seus esclarecimentos necessários à sua evolução espiritual ou até, talvez, precise deles, e essa seria uma forma de chamar-lhe a atenção, pois o problema é de ambos, posto que não há obsessão sem a participação, mesmo inconsciente, do obsidiado…

Se de fato, o Sr. MARTONIO fugiu do convento para se casar, em pretérita encarnação, obedecendo a um impulso meramente sensual, também é possível que algum obsessor o tenha levado a esse ato, para impedi-lo do contato com as coisas espirituais, ante a expectativa de ele ser um seminarista. Logo, acreditamos em que, se obsessão existe (e é provável que sim), esta não seria conduzida, atualmente, pelo que foi um padre (que já teria se afastado, segundo a médium) e sim, por outro(s) que não desejavam e não desejam a evolução espiritual do leitor (no passado, no Convento e, atualmente, no Centro Espírita) e, por isso, através da ação invisível, quase hipnótica, automatizaram nele o tique, para ridicularizá-lo e produzir-lhe constrangimento na vida social…

AGONIA NO HORTO – EL GRECO

Parece-nos plausível que o tique, no caso, tem relação inicial com o incômodo da gola da batina de um padre ou seminarista, como a lembrá-lo da fuga do convento para se casar, exasperando o seusentimento de culpa, e cujo paralelo pode ser feito com o atual tique, quando o Sr. MARTONIO tem alguma atividade no Centro, por exemplo, quando coordena grupos de estudos mediúnicos.

Há múltiplas aplicações do “Orai e vigiai “

pronunciado por Jesus

Epílogo.

Somos de opinião de que temos muito, ainda, a estudar sobre a essência do perispírito; temos de fazer a nossa parte e acreditamos mesmo, que a Espiritualidade Superiornão irá comunicar mediunicamente algo que podemos descobrir por esforço próprio (cf. pode ser entendida a Nota de KARDEC relacionada à questão 32.ª, alínea a, do item 296 de O Livro dos Médiuns (OLM). As informações bombásticas, isoladas, sem critério, sobre as propriedades e “descobertas” sobre o perispírito precisam ser mais bem controladas pelo criterium, metodologicamente insuperável, de KARDEC, isto é, através daconcordância universal dos ensinos dos Espíritos (cf. está detalhadamente exposto no item II da Introdução de O Evangelho segundo o Espiritismo).

Sugerimos que o Sr. leitor MARTONIO deva continuar estudando a Doutrina dos Espíritos, submetendo-se a passes e que adote a prática da prece sincera e que se realize um trabalho de desobsessão, caso exista esse tipo de trabalho em Maceió. Alguns confrades discordam deste tipo de trabalho, alegando que na erraticidade tais espíritos obsessores poderiam ser moralizados por Espíritos Superiores; a esse respeito são eles mesmos que esclarecem, na segunda resposta da questão 5 .ª, item 254 de OLM:

“Os Espíritos perversos se aproximam antes dos homens que eles procuram atormentar do que dos Espíritos, dos quais se afastam o mais possível. Nessa aproximação dos humanos, quando encontram algum que os moralize, a princípio não o escutam e até se riem dele; depois, se aquele os sabe prender, acabam por se deixarem tocar”. E acrescentam as entidades benfazejas:

“Os Espíritos elevados só em nome de Deus lhes podem falar e isto os apavora. O homem, indubitavelmente, não dispõe de mais poder do que os Espíritos Superiores, porém, sua linguagem se identifica melhor com o ascendente que o homem pode exercer sobre os espíritos inferiores, melhor compreender a solidariedade que existe entre o céu e a terra”.

Gostaríamos de repetir aqui o que dissemos algumas vezes em artigos nesta Coluna: não aconselhamos a participação em reuniões mediúnicas de pessoas com qualquer tipo de transtorno físico ou mental, especialmente deste. Quanto às reuniões de desobsessão devem ser feitas por pessoas íntegras moralmente e isto está bem claro no item 279 de OLM, no qual é citado o pensamento de um Espírito rebelde que, reagindo a alguém, que procurava domá-lo pela ação de sua vontade, disse:

“Deixe-me em paz, com teus ares de mata-mouros, que não vales mais do que eu; dir-se-ia um ladrão a pregar moral a outro ladrão”.

Prossiga caríssimo leitor na seara do Bem e nunca se esqueça do Orai e vigiai ensinado por JESUS, no Horto das Oliveiras, isto é, procure não permanecer “dormindo”, abrindo brechas psíquicas, para que “a porta não fique aberta para os hóspedes indesejáveis”, como diria o polemista GEORGE OSIS JR. (cf. Internet, www.millenium news, agosto/02). A tentação para as coisas sensuais do seminarista de ontem não pode prevalecer para o trabalhador espírita de hoje e, como diz o rifão popular, que se aplica como uma luva para todas as obsessões: quando um não quer, dois não brigam!…

Iso Jorge Teixeira – CREMERJ:52-14472-7 .

* Psiquiatra. Livre-Docente de Psicopatologia e Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).