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Livre-Arbítrio e Determinismo

Determinismo é a doutrina que afirma serem todos os acontecimentos – inclusive vontades e escolhas humanas causados por acontecimentos anteriores. Segue-se que o ser humano seria destituído de liberdade de decidir e de influir nos fenômenos em que toma parte. O indivíduo faz exatamente aquilo que tinha de fazer e não poderia fazer outra coisa; a determinação de seus ates pertence à força de certas causas, externas e internas. É a principal base do conhecimento científico da Natureza, porque afirma a existência de relações fixas e necessárias entre os seres e fenômenos naturais: o que acontece não poderia deixar de acontecer porque está ligado a causas anteriores. A chuva e o raio não surgem por acaso; a semente não germina sem razão, etc.; há sempre acontecimentos prévios que preparam outros: chove porque houve primeiro evaporação, depois resfriamento e condensação do vapor; e assim por diante. Os mundos físico e biológico são, pois, regidos pelo determinismo – no nível macroscópico. Em o nível mental, também vigora o mesmo princípio, pois, os pensamentos têm uma causa, assim como as nossas ações, deles decorrentes; pensamentos e aros estão relacionados aos impulsos, traços de caráter e experiências caracterizam a personalidade.

A doutrina aposta é a do livre-arbítrio, que declara a vontade humana livre pira tomar decisões e determinar suas ações. Diante de várias opções oferecidas por uma situação real, o homem poderia escolher uma racionalmente e agir livremente de acordo com a escolha feita (ou não agir se o quisesse). Exige, portanto, capacidade de discernir e liberdade interior. O animal e o selvagem vêem as coisas em função da sua utilidade imediata na satisfação de instintos e impulsos primários; um pedaço de carne desperta interesse havendo fome para acalmar e só para esse fim. O civilizado, porém, percebe as coisas sob múltiplos aspectos; a carne poderia servir para alimentar a criação, ser examinada ao microscópio, fabricar ácidos aminados para a medicina usar, inspirar um drama ou poema, etc. Tem ele, conseqüentemente, de tornar urna decisão sobre a escolha a fazer. Podemos supô-lo livre para tanto, reconhecendo, contudo, que freqüentemente a condição mental do sujeito impõe restrições ao livre-arbítrio: irreflexão (impulsividade), hábitos fixos, inércia, imitação, moda, etc. Todavia, essas limitações não chegam a cassar a liberdade por completo nem eliminam a responsabilidade dos atos. Por ter de dormir três horas todas as tardes ou beber, ele sofrerá diminuição da liberdade de decisão e ação, mas é o dono desses hábitos e, daí, o responsável pelas conseqüências do que fizer.

O aspecto essencial da questão consiste em saber se o sujeito, ao praticar a ação, era livre ou não para praticá-la se há liberdade de escolha diante de várias possibilidades oferecidas por uma situação – ou se ele só poderia ter feito precisamente o que fez. ser livre não significa agir ao acaso, desordenadamente; vimos acima que as nossas ações têm uma causa, que não elimina nosso poder de determinação. Para abordar tal questão, faremos, primeiro, observar que ninguém parece se conduzir como autômato e as atividades usuais desempenhadas pelas pessoas levam a pressupor a existência de vontade própria. Elas estudam, compram, discutem, vão à igreja, respeitam a lei ou a desrespeitam, constroem pontes, etc. Alguém pode tomar uma decisão semanas antes e mantê-la até o fim ou mudar a direção dela. Depois, perguntaremos: 1) no mundo físico infra-atômico e no reino vivo infracelular vigoram as mesmas relações, absolutamente constantes, da escala macroscópica? 2) o determinismo psíquico está sujeito à mesma rigidez do determinismo físico mencionado?

A Ciência responde fornecendo elementos sugestivos. Na verdade, o determinismo férreo do mundo inanimado vigora para os grandes corpos considerados em pequeno número; daí o sucesso das leis de Newton na previsão do movimento dos corpos celestes, da trajetória de um projétil, etc. É diferente em se tratando de corpos mínimos e em grande número, tal é o caso das partículas elementares da matéria; entra em jogo a probabilidade, isto é, leis estatísticas. De fato, as partículas subatômicas, como os elétrons, não admitem previsão exata como aceitam os planetas e cometas, e.g. Corpos muitíssimo pequenos têm um comportamento diverso do de corpos visíveis. Não é possível estabelecer, ao mesmo tempo, a velocidade e a posição de uma daquelas partículas – e sem conhecer os dois valores não há previsão de movimento. Logo, existe neste nível indeterminação, como se cada corpúsculo material pudesse realizar uma escolha entre várias possibilidades. Também a radioatividade ou desintegração espontânea do rádio (metal) mostra isso. Uma quantidade qualquer do rádio leva 1.590 anos para reduzir-se à metade sozinha; é a vida média. Isto é calculável com exatidão, mas quando um átomo se desintegrará ninguém consegue determinar; tanto ele fragmentar-se-á no próximo segundo, daqui a uma hora ou dentro de 1.000 anos… Tudo acontece como se ele tivesse liberdade para decidir acerca do momento de desintegrar-se, sem que nenhuma força externa possa alterar isso.

Entre os seres ,vivos, os genes exibem um comportamento semelhante. Genes são grandes moléculas de ácido nucléico encarregadas da transmissão das características de um organismo para os que descendam dele. De suas combinações e alterações surgem as modificações observadas nos animais e nas plantas. O fato importante aqui é que essas alterações, ditas mutações, não se podem antecipar; elas surgem de modo descontínuo.

Estes dados experimentais dão novo aspecto ao problema do livre-arbítrio- A matéria, viva ou inanimada, rege-se pelo determinismo completo no conjunto, considerando o que é grande e visível. Na intimidade, porém, considerando o que é infinitamente pequeno, vigora o indeterminismo que só admite o cálculo de probabilidade. são dois níveis distintos de estrutura e comportamento, regulados por leis diferentes.

No mundo mental, emerge um novo fator, cujo desempenho é bastante imprevisível, chamado consciência ou faculdade de conhecer a si mesmo. Pelo visto, não é demais supor que o ser humano seja dotado, igualmente, de vontade livre em maior ou menor escala.

Em 8 e 14, determinismo e livre-arbítrio foram explicados sumariamente. O que ali foi dito concorda com os aspectos fundamentais da questão segundo O Livro dos Espíritos e O Problema do Ser, da Destino e da Dor, questão que Ubaldi e Monteiro de Barros explanam sabiamente. Vamos agora distender um pouco mais as noções referentes a esse assunto relevante.

Percebemos que, no homem, existem os dois princípios de ação. Como entender isso? Apelando para um princípio superior a eles.

Ora, vimos que o princípio central da Lei de Deus é a evolução. Nos reinos animal e humano inferior prevalece o determinismo; o instinto dá o melhor sem o perigo da escolha malfeita e o selvagem age movido por impulsos semelhantes. O livre-arbítrio é progressivo e relativo, evoluindo do determinismo físico à medida que a consciência (razão) se desenvolve. Crescendo a razão, aumenta a liberdade de decidir; os padrões fixos de comportamento cedem lugar à opção inteligente. Em suma, o livre-arbítrio é uma conquista evolutiva. E, com ele, desponta um novo fator moral – responsabilidade ou necessidade de enfrentar as conseqüências dos atos praticados, que a Lei impõe a todos. Vimos acima que há restrições internas ao desempenho da liberdade. Convém observar que há também restrições externas no campo da atuação; o determinismo do mundo material interfere com a liberdade dos atos; ninguém pode impedir a neve de cair ou o vento de soprar, prendendo-o em casa e alterando programas traçados. Além disso, o apego às coisas materiais reduz a independência da ação do espírito.

Mas, em que sentido é livre o espírito humano? Percebemos nitidamente que, sob vários aspectos, não o é; que há inúmeros acontecimentos inevitáveis, razão do conceito de fatalidade, que devemos reformar.

A liberdade de decidir e agir existe antes da ação ser executada. Posta em movimento o agente prende-se aos efeitos das causas que gerou. Entra em cena a lei de causa e efeito ou de ação e reação, estudada a seguir, e da qual não é possível separar nitidamente as questões em pauta. Segue-se daí que a liberdade é condicionada, conforme conceitua Bozzano e que o livre-arbítrio é relativo – pois dependem do que se fez antes.

Todos gozamos, em graus diversos, de livre vontade e estamos presos ao determinismo. A liberdade reside no presente; podemos agir com independência por meio da faixa de consciente atual, que atende às necessidades da vida presente. A determinação promana do passado culposo. As causas que geramos no passado pelas próprias ações constituem a área de determinismo, conservada em estado inconsciente. Temos de reabsorver as conseqüências das más ações, o que a liberdade do presente garante porque, com ela, podemos emitir novos impulsos que venham corrigir os precedentes. Originando novas causas com o bem, hoje, é possível neutralizar as causas pretéritas do mal e reconquistar o equilíbrio. Muitas situações são armadas contra a nossa vontade:

as ações passadas constituem a faixa determinada do destino, da qual não há fuga. Mesmo nas piores condições, esclarece André Luiz (Ação e Reação), como uma prisão em cela, ainda vigora certa dose de liberdade de decidir, que poderá ser empregada para melhorar ou piorar a própria situação conforme o comportamento adotado; podemos sempre, na expiação, agravar ou atenuar nossa posição perante a Lei.

O livre-arbítrio do próximo não pode ser violado mediante a imposição de atitudes que ele deve assumir espontaneamente, por convicção própria. Onde há duas pessoas, há direitos a respeitar. A liberdade de um termina onde começa a de outro. semelhante violação significa débito a pagar.

Funciona melhor o livre-arbítrio no Espaço. O espírito tem conhecimento do que lhe cumpre passar e realizar na Terra e concordou com isso. A chamada “fatalidade” é a escolha feita, antes da encarnação, de uma expiação ou prova. Foi exercida a liberdade nessa ocasião. Depois, é como se o espírito houvesse traçado para si mesmo uma sorte de destino infalível. É uma escolha ou ajuste de interesse para a evolução moral e terá de cumprir-se inexoravelmente. Mas, nem tudo o que nos acontece deriva do passado. Queimar a mão poderá ser simplesmente imprudência; ter uma indigestão é sinal de excesso praticado.

A seguir, no tratamento da lei de causa e efeito, haverá forçosamente alguma repetição em vista das íntimas relações dela com o problema da liberdade de decisão e ação.

Evolução para o Terceiro Milênio – Edicel

Carlos Toledo Rizzini