O desejo de um Espiritismo adotado por toda a sociedade humana, apesar de toda
a utopia que contém, não se restringe unicamente aos objetivos das grandes instituições
espíritas (federativas e similares). Ele pode ser, na verdade, localizado como ponto
de origem no indivíduo. As preocupações em escala macro se vinculam ao micro, vale
dizer, o que ocorre nos centros espíritas se estende às federativas e vice-versa.
Cabe, portanto, discutir as questões importantes sob o prisma de seu alcance,
sempre tendo por perto essa idéia de que o centro espírita é ponto de partida delas.
Ai se inclui esse desejo, essa aspiração, que parece existir em cada um dos adeptos
do Espiritismo e, conseqüentemente, é incorporada aos centros espíritas, de ver
sua doutrina colocada em um plano de divulgação tal que alcance os mais distantes
setores da sociedade, através de uma mensagem com alto teor de persuasão. A intenção,
bem se vê, é conquistar mentes e corações e nela está embutida a idéia de que a
adoção dos princípios e conceitos espíritas fundamentará a transformação da sociedade
(para melhor, é claro), de modo irretorquível como não o faria nenhuma outra filosofia
existente.
Há um sentido subjacente aí que merece ser anotado: considerável parcela de espíritas
parece entender que a filosofia que a alcançou com certa força de profundidade fará
idêntico trabalho no outro, desde que esse outro possa tomar ciência dela como estes
adeptos o fizeram, algo mais ou menos como aquilo que foi bvbom para mim será inevitavelmente
bom as demais pessoas. Isso parece reforçar um certo descontentamento perceptível
de que o que está de fato faltando é uma divulgação eficiente do Espiritismo.
Muitos adeptos e centros espíritas transferem para as instituições representativas
uma como que obrigação de cuidar dessa divulgação em larga escala sem perceber que
a transferência é muito mais simbólica do que objetiva. No fundo, a utopia de um
mundo espírita, que permeia nossa gente, age de tal maneira em cada um que muito
do que se faz nos nossos centros não é mais do que a tentativa de materializar o
desejo. Diante dos freqüentadores – e estes entre si – os dirigentes buscam uma
eficiência comunicativa da mensagem como o fariam se o meio fosse outro e o público
compusesse um universo massivo, não sendo demais imaginar que estarão dotados nestes
momentos de uma forte esperança de que os receptores sejam mais do que meros receptores,
mas verdadeiros agentes de disseminação da doutrina, fundamentando assim a idéia
de que representam mais do que a si mesmos, mas a grande sociedade mundial. O destino
da mensagem é, pois, o público presente, em número reduzido, e o ausente, a grande
massa.
Questões técnicas referentes à mensagem e de conteúdo doutrinário são passíveis
de questionamento e análise, merecendo um capítulo à parte. Entretanto, é preciso
considerar com uma certa justeza que nem o sonho nem seu conteúdo utópico devem
constituir preocupação; vivemos repletos de sonhos no dia a dia, alimentando-nos
dos estímulos que eles produzem. A questão principal está em perceber: l. o grau
de impossibilidade de materialização do desejo; 2. A sua importância secundária
para o Espiritismo; 3. O que o desejo significa em termos de influência sobre a
mensagem doutrinária que se constrói no centro.
O terceiro item é de longe o que mais atenção deve despertar, uma vez que se
podem prever algumas influências positivas e negativas decorrentes do desejo. Entre
as negativas estaria a apropriação de um sentido de superlativação do próprio Espiritismo,
podendo isso conduzir os adeptos a atitudes próximas do fanatismo, contaminando
assim a mensagem de divulgação doutrinária. Ao assumir o Espiritismo como uma doutrina
completa e provida de todo o conteúdo necessário ao ser humano, sem mais necessidades
e nenhum aspecto a ser desenvolvido, o adepto se submete a uma postura enganosa
e necessariamente prejudicial à divulgação da filosofia.
Qualquer estudo que se assente no bom senso conduz à percepção de que é impossível
persuadir toda a sociedade para uma só mensagem. Mesmo se dispuséssemos de todos
os canis de comunicação disponíveis no mundo e de todo o arsenal tecnológico existente
seria humanamente impossível construir uma mensagem capaz de ser recebida de modo
semelhante e com um grau de persuasão favorável em pessoas diferentes culturalmente.
Mas é preciso perceber também que este objetivo, almejado por adeptos e instituições,
tem pouco significado real para o Espiritismo, afinal, nenhuma doutrina expressiva,
para ser reconhecida, pode assentar-se na quantidade de pessoas que a adotam. Se
os números podem ter alguma representatividade, eles, entretanto, não podem estar
acima dos fundamentos filosóficos e científicos de que a doutrina é dotada.
(Publicado no Dirigente Espírita no 64 de março/abril de 2001)