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As Quatro Nobres Verdades – Parte 7

As Quatro Nobres Verdades – Parte 7

O fluxo de consciência é uma sorte de metáfora não distante daquela
outra: o Espírito é uma centelha

Elzio Ferreira de Souza, trecho de e-mail sobre a questão da essência do ser.

A questão do ser humano em sua essência é bastante dificil de ser analisada,
o Budismo procura desvincular a essência do ser de um ente individual e chega a
imagens bastante abstratas. A melhor comparação que vi, foi a de considerar o
ser como uma “onda de consciência” no infinito. Tal qual as ondas de luz, que
sem um suporte material individual, assim mesmo se propagam por seus caminhos
próprios no imenso oceano eletromagnético que é o espaço.

Esta “onda de consciência” – elo não material que liga todas as existências
do ser, dando consistência a uma lei de causa de efeito – é que serve de “guia”
a combinação dos componentes que formam o ser, resultando em um corpo sutil e,
quando necessário, um corpo material. Ela é a base dos sentimentos, das emoções
e até do pensamento. Dificil dizer exatamente quais são seus atributos,
principalmente depois de atingido o Nirvana, mas me parece que se poderia dizer
que é a inteligência pura, o espírito em seu estado mais abstrato.

Vale lembrar que para os espíritas, a palavra “espírito” significa o
“elemento inteligente” do ser, ou seja, a essência mesma , a qual se agregam,
para sua jornada evolutiva, o corpo espiritual – o perispírito – e o corpo
físico. No Livro dos Espíritos, o espírito é descrito como a individualização do
princípio inteligente e portanto é o que retém, em última instância, a
individualidade do ser. Um espírito puro é esta individualidade em seu grau de
perfeição e pureza máximos.

Do mesmo modo que não é possível descrever-se exatamente o que é o ser após
ter atingido sua Iluminação, também não há como descrever o que é o espírito:

O Espírito não é fácil de analisar em sua linguagem. Para os homens não é
nada, porque o Espírito não é algo palpável; mas para nós, é alguma coisa.
Saibam-no bem, nenhuma coisa é o nada, e o nada não existe
“. (resposta a
questão 23a, O Livro dos Espíritos)


Notas Explicativas

1 – “(…) Os seguidores do Vaibhashika, entendem, portanto o nirvana
final em termos da total cessação do indivíduo. Deduz-se que, quando o Nirvana
final é atingido, o ser individual deixa de existir.

Essa opinião não é aceita por muitas outras escolas budistas. Há, por
exemplo, uma objeção muito conhecida, de autoria de Nagarjuna, que sustenta ser
a conseqüência lógica da doutrina Vaibhashika a de que ninguém atinge o Nirvana,
porque o indivíduo deixa de existir quando alcança o Nirvana. Portanto, esse
posicionamento é absurdo. (…)
” (cap. “A Transformação através do
altruísmo”, Transformando a Mente, XIV Dalai Lama)

2 – “Simples e ignorante, o que seria isto? A mim, parece-me que é o ponto
inicial da carreira do Espírito no reino hominal, ou seja o estágio do ser no
momento em que atinge o processo de hominização. Poderíamos também dizer que é o
momento em que ele alcança o livre-arbítrio e descobre-se responsável: na
linguagem bíblica, descobre a própria nudez. (…) Outras questões, entre as
quais a 540, dá outra noção do Espírito do ponto de vista da substância. O
simples e ignorância é referência ética.
” Elzio Ferreira de Souza,
comentando em e-mail o uso desta expressão no artigo.

Na atualidade, os espíritas admitem que o princípio inteligente evolui a
partir das formas mais simples de existência. Nestas formas rudimentares ele
começa a aprender a se relacionar com a matéria e aos poucos vai assenhorando-se
da capacidade de organizar corpos mas complexos, começa talvez pelas bactérias e
seres unicelulares; de seres unicelulares progride aos vegetais; dos vegetais
aos primeiros animais; destes animais simples aos animais superiores, dotados de
instintos desenvolvidos e rudimentos de inteligência; dos animais mais
inteligentes aos primatas ancestrais do homem; dos primatas ao homem moderno.
Milênios infindáveis de evolução, nos dois planos de existência – material e
espiritual – e em quantos mundos forem necessários.

Durante esta evolução o desenvolvimento do perispírito acompanha a
complexidade dos organismos, influenciando o processo de reencarnação e sendo
por ele influenciado. É um dos mecanismos por detrás do processo de seleção
natural e de evolução das espécies, estudado pelo seu lado puramente material
por Charles Darwin.

O livro “The Origin of the Species”, de Darwin, que consagrou cientificamente
a teoria da evolução biológica das espécies, foi publicado em novembro de 1859,
depois do “O Livro dos Espíritos” e provocou um grande abalo na opinião publica.
A resistência enfrentada pelas novas teorias, principalmente no tocante a
descendência biológica do homem a partir dos primatas, permite entender a
cautela com que os Espíritos trataram a questão da evolução espiritual na época
de Kardec. Assim restringiram-se a detalhar o progresso do Espírito a partir do
momento em que, atingido o estágio humano, ele sem maiores conhecimentos do bem
e do mal – simples e ignorante – começa a exercer escolhas que determinaram seu
passo rumo ao futuro.

Desta maneira, a expressão “simples e ignorante” pode assim ser entendida,
como comentou o Elzio, como uma descrição qualitativa do estado do espírito no
início do seu processo de desenvolvimento humano, quando cruzou a fronteira
entre o animal e o homem. Também pode ser entendido, e neste sentido utilizei no
texto, como o “simples” das formas primitivas de vida e o “ignorante” da
ausência completa de qualquer sofisticação da inteligência – seja na forma de
controle da organização biológica, seja instintos seja a “inteligência” humana
propriamente dita.

É um grande mistério o início desta escala de evolução, pois como os
espíritos disseram ao final da resposta para a questão 450, citada pelo Elzio, “é
assim que tudo serve, tudo se encadeia na Natureza, desde o átomo primitivo até
o arcanjo, pois ele mesmo começou pelo átomo. Admirável lei de harmonia, de que
seus Espíritos limitados não podem abranger o conjunto”.
Tal resposta deixa
entrever a possibilidade de que por detrás da organização da matéria, da energia
tão bem estruturada em partículas elementares sob as leis da natureza, possa já
estar atuando o princípio inteligente em seus primórdios. Na mesma linha de
raciocínio, Ernesto Bozanno, cita em seu livro “Os Animais tem Alma”, um pequeno
trecho de uma obra mediunica:

O gás se mineraliza,
O mineral se vegetaliza,
O vegetal se humaniza,
O homem se diviniza.
(Old Truth in New Light, Lady Cathness)

Por toda a linha de evolução, o processo é progressivo. Um espírito que
atingiu o nível evolutivo suficiente para nascer no reino animal, não tem mais
necessidade ou possibilidade de nascer em um vegetal. Da mesma maneira, o
espírito que atingiu o nível dos primeiros primatas não volta ao animal.
Finalmente, o homem moderno não teria como reencarnar no Australopitéco. A
própria sofisticação do perispírito – definido por Hernani Guimarães Andrade
como um modelo organizador biológico (vide seu livro Espírito, Perispírito e
Alma), por conduzir os processos reencarnatórios, selecionando a bagagem
genética e integrando-a as necessidades karmicas do espírito – tornaria
impossível tal reencarnação. O “homo sapiens” de nossos dias, só pode reencarnar
como “homo sapiens”, ou, caso tenha a necessidade de reencarnar em outros
mundos, em um ser com uma organização nervosa equivalente em sofisticação. Mesmo
em um desterro a mundo mais atrasado, o ser até nasceria em um hominídeo
primitivo culturalmente, mais ainda assim, que reunisse as condições nervosas
necessárias.

Esta posição filosófica – distinta da adotada pela metempsicose grega e pelo
Budismo – de que o ser humano sempre reencarna como ser humano,
justifica as respostas dos Espíritos as questões 592 a 610 (Os animais e o
homem), em que apresentam os animais como seres distintos dos homens. Estas
questões, que levaram muitos espíritas a negar a continuidade espiritual entre
os reinos da natureza, podem ser entendidas perfeitamente se considerada também
a resposta a questão 611:

Duas coisas podem ter uma mesma origem e absolutamente não se
assemelharem mais tarde. Quem reconheceria a árvore, suas folhas, suas flores e
seus frutos no germe informe contido na semente de onde saíram ? No momento em
que o princípio inteligente atinge o grau necessário para ser Espírito e entrar
no período de humanidade, não há mais relação com seu estado primitivo e não é
mais a alma dos animais, como a árvore não é a semente. No homem, há somente de
animal o corpo, as paixões que nascem da influência do corpo e o instinto de
conservação inerente à matéria. Não se pode dizer, portanto, que tal homem é a
encarnação do Espírito de tal animal; logo a metempsicose, tal como a entendem,
não é exata.”

Apesar da clareza desta resposta, foram necessários muitos anos para que se
formasse o consenso em torno da questão. Pouco depois da época de Kardec,
eminentes pesquisadores como Ernesto Bozzano (vide seu livro “Os Animais tem
alma ?”) e Gabriel Delanne, (vide seu livro “A reencarnação”) apresentaram
provas inquestionáveis de que os animais tinham alma (espírito encarnado), que
sobrevive a desencarnação tal qual a alma humana. Mais ainda, da mesma maneira,
reencarnam e evoluem segundo as mesmas leis do progresso e de ação e reação.

Nas últimas décadas, principalmente com a obra mediúnica de Francisco Cândido
Xavier – veja-se, por exemplo, o livro “Evolução em Dois Mundos” do espírito
André Luiz – a resistência a idéia praticamente desapareceu e hoje já é
amplamente aceito que não há seres privilegiados na criação.

Evolução no Tempo: É assim que dos organismos monocelulares aos
organismos complexos, em que a inteligência disciplina as células, colocando-as
a seu serviço, o ser viaja no rumo da elevada destinação que lhe foi traçada do
Plano Superior, tecendo com os fios da experiência a túnica da própria
exteriorização, segundo o molde mental que traz consigo, dentro das leis de
ação, reação e renovação em que mecaniza as próprias aquisições, desde o
estímulo nervoso à defensiva imunológica, construindo o centro coronário, no
próprio cérebro, através da reflexão automática de sensações e impressões, em
milhões e milhões de anos, pelo qual, com o Auxílio das Potências Sublimes que
lhe orientam a marcha, configura os demais centros energéticos do mundo íntimo,
fizando-os na tessitura da própria alma.

Contudo, para alcançar a idade da razão, com o título de homem, dotado de
raciocínio e discernimento, o ser, automatizado em seus impulsos, a romagem para
o reino angélico, despendeu para chegar aos primórdios da época quaternária, em
que a civilização elementar do sílex denuncia algum primor de técnica, nada
menos de um bilhão e meio de anos. Isso é perfeitamente verificável na
desintegração natural de certos elementos radioativos na massa geológica do
Globo. E entendendo-se que a Civilização aludida floresceu há mais ou menos
duzentos mil anos, preparando o homem, com a benção do Cristo, para a
responsabilidade, somos induzidos a reconhecer o caráter recente dos
conhecimentos psicológicos, destinados a automatizar na constituição
fisiopsicossomática do espírito humano as aquisições morais que lhe habilitarão
a consciência terrestre a mais amplo degrau de ascensão à Consciência Cósmica

André Luiz, no livro Evolução em Dois Mundos.

(Publicado no Boletim GEAE Número 435 de 16 de abril de 2002)