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A segunda geração de líderes cristãos

Os angustiosos dias da crucificação haviam ficado para
trás. As palavras do Mestre, pronunciadas durante três longos anos, permaneciam
vívidas em suas lembranças. Suas recomendações soavam pesadas em seus ouvidos.
Era preciso continuar. Inseguros com a falta de seu líder, e amedrontados com
possibilidades de mais represálias, os apóstolos voltam ao trabalho que os
aguardava. O serviço de amor ao próximo precisava ser implantado. Jesus não os
abandonaria. A promessa fora solene, e os discípulos estavam preparados. As
lições, o Mestre as passara todas. Só faltava a ação.

Com esse espírito de medo, dor, saudade, espanto, porém conscientes da grande
missão a que estavam destinados a realizar, os apóstolos e seus seguidores
voltam a Jerusalém e fixam lá sua primeira igreja. E os serviços, de imediato,
começam a se multiplicar. Curas de leprosos, endemoninhados, coxos, paralíticos,
cegos, famintos, todos encontravam asilo e consolação naquela casa de socorro. A
cada dia novos contingentes de criaturas desafortunadas iam chegando. Era
preciso socorrer a todos. Novos colaboradores eram improvisados. Porém, a ordem
dos serviços, face ao seu volume, começava a escapar dos controles.

Esta era a situação da Igreja Cristã de Jerusalém, logo em seus primeiros
dias de existência. Para fazer face a essa nova situação, foi criado o
diaconato. Os diáconos, inicialmente em número de sete, iriam cuidar da
organização dos diversos serviços que foram implantados. Cada um ficaria
encarregado de seu departamento. Cultos, orações, ensinamentos, recebimento de
comitivas, alojamentos, distribuição de víveres, enfim, as atividades da igreja
já exigiam controles rígidos. Os bens que ela possuía eram escassos e os
necessitados eram muitos, e cresciam sempre. Os apóstolos cuidariam da
administração geral, das curas, dos passes, da preparação e do batismo dos fiéis
para receberem o Espírito (escola de médiuns).

Nesse empenho diário para atender a demanda dos serviços, começaram a
despontar os líderes da segunda geração de cristãos. O primeiro grande líder a
surgir entre aquele aglomerado de trabalhadores do Cristo foi o diácono Estevão.
Os diáconos foram grandes evangelizadores e pregadores do Cristianismo
iniciante. E também grandes médiuns.

Estevão foi um dos mais notáveis líderes produzidos pelo Cristianismo
primitivo. Judeu provavelmente de origem egípcia, viveu longos anos em Atenas,
onde frequentou diversas academias. Muito letrado, conhecia profundamente as
leis de Moisés e a história dos hebreus. Estevão entrou para a seita dos
cristãos como simples prosélito, e muito breve destacou-se entre seus
companheiros. Espírito corajoso e demasiado temerário, com suas pregações e
discursos inflamados, em breve tempo conseguiu contrair contra si a ira dos
judeus. Sua impulsividade custou-lhe a vida. Estevão foi um médium privilegiado.
Possuía todos os tipos de mediunidade conhecidos em sua época (Atos 6,5). Também
foi ele, de certa forma, responsável pela conversão de Paulo de Tarso ao
Cristianismo. Tiveram seus caminhos cruzados quando de seu martírio, onde Paulo
foi um de seus algozes.

Outro importante diácono que se destacou pela mesma época de Estevão, foi
Filipe, muito confundido com o apóstolo do mesmo nome. O diácono Filipe era
judeu convertido, conhecia bastante o judaísmo, de fisionomia serena, mais ouvia
do que falava, mas quando falava suas palavras eram de grande poder. Fazia
prosélitos com facilidade. Abraçou a nova seita com determinação. Inaugurou as
viagens missionárias. Fez a primeira viagem fora de Jerusalém, indo pregar na
Samaria, onde evangelizou muitas centenas de pessoas. Carismático, travou
amizade com Simão “o mago”que era possuidor de extraordinárias faculdades
paranormais, e as exibia em espetáculos para ganhar dinheiro. Filipe fê-lo
aceitar o Cristianismo e quase o converteu.

Dentre os líderes da segunda geração de cristãos, o que mais se destacou,
antes de Paulo aparecer em cena, foi Barnabé. Barnabé era judeu de origem
cipriota e conheceu o Cristianismo em Jerusalém, para onde viajava
freqüentemente, para realizar negócios da família. Sua família era rica,
possuidora de extensas propriedades cultivadas, em Chipre. Barnabé renunciou a
tudo, vendeu sua parte nos bens da família, e entregou-se inteiramente ao
Cristianismo. Figura doce e afável, conciliador, conseguia contornar e
harmonizar as situações mais difíceis. Exímio orador, falava cheio do Espírito
santo (mediunizado) e encantava os ouvintes. Foi líder na igreja de Antióquia, e
responsável pela introdução de Paulo no serviço cristão. Foram grandes amigos, e
fizeram, juntos, transferir o epicentro do Cristianismo de Jerusalém para
Antióquia. Barnabé cedeu sua liderança a Paulo ao ver que este o superava nos
serviços da comunidade.

Outro elemento da segunda geração que se destacou foi João Marcos, primo de
Barnabé. João Marcos entrou para a comunidade ainda muito jovem, por influência
de sua mãe e de seu primo. Muito inteligente, cuidava da burocracia da igreja, e
organizava a agenda de Simão Pedro, de quem era discípulo. Acompanhou Paulo e
Barnabé em uma de suas viagens, mas não gostou, e no meio do caminho desistiu, e
voltou sozinho para Jerusalém. João Marcos era rico, e, muito jovem, não sabia
ainda em que definir-se na vida. Futuramente, já maduro, volta a incorporar-se à
equipe de Paulo, como um de seus colaboradores. É o autor hipotético do segundo
evangelho.

Mais um destacado líder da segunda geração de cristãos foi Lucas, o
evangelista. Lucas era de Filipos, importante colônia romana onde dominava o
latim. Conhece muito pouco o judaísmo e praticamente ignora o que se passa na
Palestina. Conhece profundamente o paganismo, e fala e escreve fluentemente o
grego. Em suas citações sobre o antigo testamento, ele denota muito pouco
conhecimento. Foi companheiro de Paulo em algumas de suas jornadas apostólicas,
e por longo tempo foi seu médico particular e fiel amigo. Lucas estudou medicina
na Grécia, e tornou-se culturalmente um helenista. O evangelho a ele atribuído
está saturado de elementos helenistas, embora ele tentara universalizá-lo,
pretendendo alcançar os gentios de todas as nacionalidades. Atribui-se a ele
também a confecção do Ato dos Apóstolos.

O mais importante, o mais notável, e o mais extraordinário de todos os
líderes, não só da segunda geração, mas de todo o Cristianismo, foi Paulo de
Tarso. Sua ação sobre a seita do Mestre Nazareno foi mais profunda e abrangente
que todas quantas pretenderam influir sobre o Cristianismo primitivo, e
ultrapassou todos os limites geográficos, línguas diferentes, e povos e nações
do mundo de sua época. Embora já muito diferente do seu, o Cristianismo chamado
“oficial”, que ainda sobrevive nos dias de hoje, é apenas eco do Cristianismo
primitivo, implantado e consolidado por ele e seus seguidores.

Estes são os principais nomes da segunda geração de cristãos, inscritos nos
textos evangélicos. Outros nomes de figuras menos conhecidas da história do
Cristianismo, alguns não menos famosos, igualmente o foram, embora citados só de
passagem. Entre esses estão Silas, companheiro de Paulo em algumas de suas
viagens. Timóteo e Tito, seus discípulos, e tantos outros, inclusive muitos
cujos nomes não mereceram nenhuma citação. Mas todos eles, com sua coragem e
amor à causa, ajudaram a compor a gloriosa epopéia do Cristianismo primitivo.

(Publicado no Correio Fraterno do ABC Nº 357 de Outubro de 2000)