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A Mansão Figner

A Mansão Figner

Frederico Figner (1866-1947) foi um homem de biografia bastante incomum. De espírito
empreendedor, venceu galhardamente a escorregadiça e perigosa prova da
riqueza.Conservava a candura do crente, a fé que transporta montanhas, sem cair
no fanatismo religioso. Instruído em letras e línguas jamais se desviou da
postura humilde. Cultivava as mais altas relações sociais paralelamente ao
convívio amoroso com infelizes e sofredores.

Justas homenagens já foram feitas à este espírito empreendedor responsável
por diversas novidades de sua época, como ter trazido ao Brasil o fonógrafo, o
gramofone e o disco. Assim como ter criado a primeira gravadora de música
nacional, a Odeon. A ação industrial de Fred, como era carinhosamente chamado,
no tempo em que não existia rádio, tem o valor de nobre apostolado patriótico.
Teve a preocupação idealista de distribuir por todo o país nosso patrimônio
artístico, genuinamente brasileiro.

De origem judaica nascido na Republica hoje chamada Eslováquia, num lar
humilde, deixou sua casa aos 13 anos de idade em busca de seus ideais. Esteve em
diversos países até que em 1.892 estabeleceu-se no Rio de Janeiro onde entre
outras coisas, fundou a famosa Casa Edison e ajudou a divulgar a máquina de
escrever em todo o Brasil. Por seus atos recebeu inúmeras homenagens após seu
desencarne, entre elas foi considerado pelo jornal “A Noite Ilustrada” como “o
mais brasileiro de todos os estrangeiros, o cidadão dos mil amigos, o protetor
dos necessitados, filantropo dos mais legítimos e dedicados”.

Foi apresentado ao Espiritismo por volta de 1.903 por Pedro Sayão, pai da
cantora lírica Bidú Sayão. Descrente inicialmente, apesar de Pedro freqüentar a
filial do estabelecimento comercial que Frederico Figner tinha em São Paulo e
ali, durante 2 anos palestrar com o amigo acerca do Espiritismo. Somente
acompanhando a cura através de receita mediúnica da esposa de um funcionário,
que Figner se inclinou ao Espiritismo. Dai a fazer parte da FEB como
vice-presidente, tesoureiro e membro do Conselho Fiscal foi um pulo. Além de
seus afazeres profissionais, onde fez fortuna, mantinha coluna no jornal
“Correio da Manhã” em que divulgava o Espiritismo. Alma generosa, chegou a
acolher em sua própria casa 14 enfermos vítimas do surto da gripe espanhola que
assolou nosso país em 1.918 e que não raramente conduzia a morte.

Seu trabalho em tomar ditado de receitas espíritas e dar passes a enfermos
celebrizou-se em sua época. Chegava a tomar 150 a 200 receita por dia e atender
inúmeros necessitados que conheciam sua dedicação através dos jornais da época.
Com uma disciplina digna de louvores dividia seu tempo entre a atividade
profissional e os afazeres espíritas, chegando a presidir diversos grupos na
sede da FEB e em seu lar. Promoveu a publicação de muitos livros, sempre
custeando as edições. Viajando ao exterior buscou contato com o médium Willy
Hope e encontrou-se na Inglaterra com Sir Arthur Conan Doyle.

Por solicitação de um grupo de atores Figner doou terreno de sua propriedade
em Jacarepaguá para a construção do Retiro dos Artistas. Auto-didata e de
extrema coerência ao viver a Doutrina em sua plenitude; não deixou um grande
livro com suas idéias, Fez mais, deixou suas obras e exemplo de servir com
dignidade.

Como sabemos, Frederico Figner foi o autor espiritual com o pseudônimo de
irmão Jacob, pela psicografia de Chico Xavier do livro “Voltei”, editado pela
FEB.

Se não deixou uma grande obra literária enquanto encarnado, deixou-nos seu
testemunho de como despertou na espiritualidade. Em “Voltei” ele diz: “É para
vocês – membros da grande família que tanto desejei servir – que grafei estas
páginas, sem a presunção de convencer! Não se acreditem quitados com a Lei, por
haverem atendido a pequeninos deveres de solidariedade humana, nem se suponham
habilitados ao paraíso, por receberem a manifesta proteção de um amigo
espiritual!”.

Trouxe-nos ensinamentos importantes através da auto crítica e reencontro com
sua consciência desprendida da matéria. Admitiu os apegos à autoridade e seu
orgulho, pois “quase me considerei ofendido, quando os benfeitores espirituais
me cortaram a probabilidade do retorno apressado”. Com a humildade que o
caracterizara em vida, reagiu: “comecei a guerrear meu individualismo gritante
e, examinando a respeitabilidade dos interesses alheios, não me senti
suficientemente encorajado a interferências que redundassem no prejuízo do bem
geral”.

Mais uma justa homenagem é prestada agora ao nosso dedicado companheiro
espírita. Aspectos importantes de sua vida estão resgatados em uma exposição num
recém-criado espaço cultural. É “A Mansão Figner – O Rio na Belle Époque”.
Funcionando onde foi sua residência à Rua Marquês de Abrantes, 99, Flamengo, Rio
de Janeiro, a mansão foi adquirida pelo Sesc-Rio de Janeiro, que a restaurou
pelo minucioso trabalho de pesquisa do arquiteto Marcos Moraes de Sá. Um grande
painel conta de forma cronológica, fatos marcantes da vida de Figner juntamente
com acontecimentos importantes da época. Também estará a venda no local o livro
“A Mansão Figner – O ecletismo e a casa burguesa no início do século XX”.

Além de seus feitos que estão já imortalizados, fiquemos com a lembrança do
homem, conforme nos relata Viriato Correia (1.884 – 1.967), jornalista,
teatrólogo, romancista e membro da Academia Brasileira de Letras: “Aos 80 anos
tinha as vibrações, os entusiasmos, as vivacidades das juventudes estouvadas.
Quem o via pelas ruas, suado, chapéu atirado para a nuca, falando aqui, falando
ali, numa pressa de moço de recados, pensava estar vendo um ganhador que, em
cima da hora, corria para não perder a hora do negócio. No entanto, não era para
ganhar que ele vivia a correr. Rico, muito rico, não precisava entregar-se a
vassalagem do ganho. Corria para servir os outros, corria para ir ao encontro
dos necessitados”.

Fonte:

  • Boletim SEI – Serviço Espírita de Informação nº 1.822 de 1/3/2003.
  • XAVIER, Francisco C. Voltei. Rio de Janeiro: FEB, 1.949
  • WANTUIL, Zêus. Grandes Espíritas do Brasil. Rio de Janeiro: FEB, 1.990

(Publicado no Boletim GEAE Número 452 de 25 de março de 2003)