Esta conferência foi realizada na Sociedade vaudonesa de estudos psíquicos
em Lausane, em 16 de Outubro de 1936 e, em 17, na Sociedade de Estudos psíquicos
de Gênova, sob o título geral: Espiritismo e Renovação.
O Espiritismo e a ciência
Quanta dificuldade sinto nesta ocasião em fazer intervir o «eu»
sempre detestável, sobretudo em tal questão, entretanto é indispensável que saibam
em que autoridade me apóio para falar a vocês. Sou mais uma testemunha que se deu
a obrigação de reportar o que tem visto e aprendido e aquilo que sabe do que um
autor espírita. A autoridade sobre a qual me apóio, é mais observação, experiência
e meditação pessoal do que um saber livresco. Todas as objeções que fiz a mim mesmo
ao longo desses anos de estudos, após o retorno para o além-túmulo de meu bom mestre
Léon Denis, a quem fico feliz em dirigir hoje uma homenagem de veneração particular,
e todas as objeções que me têm vindo de outrem, caem, uma a uma, diante da realidade
dos fatos que se tornaram para mim uma evidência; hoje me dou conta de que o objetivo
verdadeiro do Espiritismo não foi ainda suficientemente atingido, malgrado a impulsão
tão firme que, desde a origem, lhe havia imprimido seu fundador, as indicações preciosas
que nos foram dadas e as hesitações, muito freqüentes, sobre a direção a tomar.
Tenho dito e escrito que o Espiritismo, na França, está na encruzilhada
dos caminhos. Mantenho esta afirmação, e assumo a responsabilidade. Sendo o Espiritismo
em nossa época o elemento primordial da renovação que se impõe, cabe a nós, Senhores,
velar pelo seu desenvolvimento com atenção escrupulosa e a maior vigilância possível.
As religiões e as filosofias nos oferecem um exemplo de tal forma
impressionante das alterações e desvios pelos quais o espírito humano lhes tem feito
passar nas suas mudanças constantes que, em o sabendo, seríamos imperdoáveis se
deixássemos a doutrina espírita à mercê das fantasias ou das preferências de tal
ou qual grupo ou personalidade. Se não tememos as inovações, temos entretanto a
missão de examiná-las com cuidado extremo logo que se apresentem, sobretudo em uma
época de confusão como a nossa, e o critério, em um tal exame, será, como sempre,
a razão e o bom senso.
Tentemos então, Senhores, definir, com toda a precisão desejável, o que é o Espiritismo.
Não acreditemos que isso seja algo já esteja bem definido. Não vemos ainda com clareza
suficiente, de onde ele vem, o que é e para onde conduz.
Eu os convido a pesquisar comigo. Uns dizem: é uma ciência; outros: é uma filosofia;
outros: é uma crença; outros: é uma religião; e outros ainda: é uma filosofia religiosa.
Há verdade em tudo isso, entretanto a significação exata não está nessas fórmulas.
Alguns pesquisadores, e a sua boa fé não está em causa aqui, acreditaram que
o Espiritismo devia se identificar com a ciência para se afirmar e que, em conseqüência,
o espiritualismo experimental era melhor que qualquer outro para trazer
uma solução satisfatória ao problema da existência humana.
O resultado, vocês o constataram, foi um compromisso, e não poderia
ser de outro modo, porque o Espiritismo experimental leva naturalmente à metapsíquica.
O fato dito sobrenatural, tendo sido registrado, verificado, estudado, de acordo
com os métodos em uso nos laboratórios, precisava ser interpretado. O resultado
não se fez esperar. Duas teses se confrontaram em oposição irredutível, dois campos
rivais se levantaram um contra o outro, e a disputa ameaça se eternizar entre pesquisadores
de idêntica boa fé. É de surpreender? Não, Senhores. Não existe aqui uma solução
comum ao problema pela razão muito simples de que a metapsíquica se consagra como
uma ciência, e nossa ciência contemporânea, puramente analítica, se quiserem, amoral,
é desligada de todo conceito filosófico ou religioso. Vocês podem ver a dificuldade
em conciliar as duas ordens de pesquisas: de um lado, a experiência em si mesma,
de outro, a consciência; o fenômeno e o númeno?
Que dizem sobre esse assunto nossos sábios atuais? « A ciência, escreveu G. Claude
(empresto uma recente pesquisa do Fígaro para vocês darem uma vista), a ciência
não tem nada a ver com as coisas da consciência. »
« Limitado à exploração do domínio dos fenômenos naturais, disse
por sua vez P. Termier, o espírito científico não tem nada a ver com o sentimento
religioso. Ele não se lhe opõe, ignora-o. »
Segundo o Dr Leconu: «As noções do bem e do mal são completamente estranhas à
ciência; onde termina sua atuação começa a da crença».
E. Picard, secretário perpétuo da Academia de Ciências, constata
por seu lado «que as concepções com as quais a ciência se edifica apresentam algo
de arbitrário, e que parece que há coisas irredutíveis ao conhecimento científico,
tais como a moral e a fé ».
O mesmo ponto de vista encontramos no Pr. Matignon, do Colégio
da França: «A ciência, observa ele, acantonada no estudo da matéria, não pode elaborar
a moral que fornece à humanidade suas diretivas. É preciso procurar alhures esses
fundamentos. »
Enfim, o eminente físico E. Branly fala no mesmo sentido, assinalando
os incríveis perigos que pode engendrar o laboratório com uma ciência orientada,
como o é presentemente a nossa.
Assim então, a ciência ignora e quer sistematicamente ignorar os elementos do
saber que não são de sua atividade. E, com uma modéstia louvável, ela é unânime
em proclamar sua incompetência. Querer nessas condições fazê-la servir, contra seu
agrado, a fins para os quais não está nem preparada, nem instrumentada, seria, Senhores,
e vocês devem nisso convir, uma inconseqüência ou um desafio impossível de manter.
A metapsíquica é uma ciência como as outras que tem por objetivo o estudo dos
fenômenos psíquicos e psicológicos devidos às forças inteligentes pertencentes a
outro plano de vida que não o nosso, ou às faculdades do espírito que permanecem
desconhecidas. Como tal, seu método é todo objetivo. Esta ciência não pode ser abordada
apenas porque assim se quer. Ela demanda conhecimentos extensos e precisos, sobretudo
em física, radioeletricidade, medicina, psiquiatria, psicologia, etc. O quer dizer
que ninguém se torna metapsiquista sem ter estudos preliminares, e pudemos ver que
se trata de estudos muito complexos.
Se o Espiritismo se confundisse realmente com a metapsíquica, se fosse verdadeiramente
uma ciência como as outras, convenhamos, os espíritas seriam muito raros.
Mas o Espiritismo não é uma ciência como as outras, difere radicalmente. A ciência
espiritual não é a ciência material; a ciência de observação não é a ciência experimental;
a ciência pura não é a ciência aplicada. Ora, se quisermos aparentar o Espiritismo
a uma ciência, o que por si mesmo se impõe pois que é também um elemento do saber,
seria à ciência espiritual, ao conhecimento, mais que à ciência material, que deveríamos
uni-lo. A quem serviria, pergunto, invocar aqui a Ciência, uma ciência que ainda
não existe e não poderia existir com as concepções reinantes? Cabe ao sábio se elevar
até a síntese filosófica; à ciência que ele professa, não cabe fazê-lo.
Entretanto, objetarão vocês, certos fatos de ordem material, que dependem inegavelmente
do Espiritismo, se encaixam bem sob o escopo da ciência experimental. Eu responderia:
esses fatos não são da mesma ordem daqueles que, de ordinário, a ciência registra:
são fatos sobrenaturais que não obedecem às forças naturais, mas à ação de inteligências
pertencentes a outro mundo e não ao nosso. E é por isso que aqui a tarefa do sábio
se complica. Ele fica desconcertado, ou se desvia finalmente dessas pesquisas, ou
ainda se atira a. fazer hipóteses. Mas vocês, espíritas, se não interpretarem esses
fatos no sentido espiritual, se tornarão prisioneiros da ciência material, permanecendo
na metapsíquica, de onde não poderão sair. Compreendo a preocupação que tem todo
pesquisador sincero em escapar à ilusão mantendo-se em terreno firme. Essa é uma
preocupação muito legítima que todo amigo da verdade deve partilhar. Vocês buscam
a ciência, a disciplina e a ordem das idéias? Muito bem, fiquem tranqüilos! Agindo
assim, seguem «o método simples e luminoso da obediência ao real. Ora, contentar-se
com o real, é manter-se sempre científico e isso, ao mesmo tempo, é abrir desde
já vastos horizontes, suscetíveis de orientar vidas inteiras e de maneira definitiva».
(René Kopp)
Todo homem de bom senso pode então se manter científico no domínio espírita,
simplesmente mantendo seu pensamento nos fatos objetivos. Ora, aqui, Senhores, repito,
não estamos mais no laboratório, porque o fato é inseparável do ensinamento que
a ele está ligado. A mesa bate os golpes, mas é para dizer alguma coisa; a mesa
ouija gira com idêntico propósito; uma luz se mostra, uma flor é trazida sem intermediário
visível, com uma intenção precisa. Querer resumir isso com uma só palavra de nada
adianta, a menos para os que se colocam antolhos. É impossível separar o fato em
si de sua expressão inteligente, de sua significação espiritual. Não se poderia,
sem arbitrariedade, dissociar essas duas operações: a experimentação e a explicação
e transparece nitidamente que o espírita pode ficar assim tão objetivo e científico
quanto o mais eminente metapsiquista. Convenhamos, todavia, que na atual acepção
da palavra ciência, a experimentação rigorosa, repito, leva à metapsíquica e não
ao Espiritismo. E é por isso que o Professor Richet, o eminente protagonista desta
ciência, tanto como o atual diretor do Instituto de Metapsíquica, o doutor Osty,
que contam portanto, um e outro, com uma gama muita extensa de fatos espíritas,
permanecem irredutivelmente em oposição à nossa doutrina; é por isso que veremos
sempre a ciência oficial, a Universidade, aborrecer-se com nossos trabalhos.
Li uma obra recente definindo o método do Espiritismo científico dizendo que
antes de abordar a pesquisa do fato, era preciso, de maneira geral, ter também,
tão perfeitamente quanto possível, um ambiente moral elevado, com harmonia dos pensamentos
e o desejo de se instruir. E em exergo figura esta frase de Léon Denis: «A experimentação,
naquilo que tem de grandiosa, a comunicação com o mundo invisível, não se faz com
sucesso pelo mais sábio, mas sim pelo mais digno, ou melhor, por aquele que tem
mais paciência, consciência e moralidade.»
Isso quer dizer apenas, Senhores, que o Espiritismo, mesmo quando quer ser científico,
o que em si é uma intenção louvável, é, repito, uma ética, um processo de
consciência antes de tudo, porque se trata, primeiramente, do Espírito que
não poderia ficar submisso às exigências do método experimental. De duas uma: ou
vocês experimentam com o rigor obrigatório, e ficam na metapsíquica, ou aceitam
o magistério espiritual, e não verão na experimentação senão um meio de controle
dos fenômenos sobrenaturais.
De qualquer forma que a questão seja vista, parece efetivamente, «que há coisas
irredutíveis ao conhecimento científico, tais como a moral e a fé». Esta frase vale
a pena ser retida, e é por isso que a recordo, porque esclarece toda a questão.
Essas coisas irredutíveis ao conhecimento científico, do ponto de vista onde nos
colocamos, são justamente aquelas que mais nos importam. Um psicólogo eminente,
Th. Ribot, disse que o sentimento é o que há de mais forte em nós.
Quem já não fez esta constatação?
Quando os grandes eventos de nossa existência nos trazem seja a alegria, seja
o abatimento, nesses momentos em que a felicidade nos completa, ou quando tudo nos
falta e que o terreno se oculta sob nossos passos, nosso saber, nosso grau de cultura,
nossa bagagem intelectual quase nada importam. Vivemos dobrados sobre nós mesmos,
vivemos na profundeza, enquanto que em torno de nós, o mundo prossegue seu curso
habitual. Compreendemos então que há coisas estranhas ao intelecto e que nos são
absolutamente necessárias, que interessam a um domínio todo outro, que é o domínio
espiritual, onde o coração tem sua parte, onde o sentimento domina, e com o sentimento,
faculdades de uma sutileza insólita. Da intelectualidade procedem os sistemas contraditórios,
da espiritualidade decorre uma tradição invariável cuja origem mergulha no passado
multimilenar. Ela nos tem sido transmitida, no Ocidente, pelo druidismo, o pitagorismo
e o platonismo; encontra-se nas principais religiões, notadamente o cristianismo;
e o Espiritismo, por sua vez, vem esposar seus dados essenciais.
Ele ocupa então uma posição das mais fortes. Sua originalidade reside simplesmente
no seu método de pesquisa. Ele recolhe os fatos, os estuda, os registra sem prioridade,
seja científica, filosófica ou religiosa. Não estabelece nenhuma demarcação arbitrária
entre esses fatos; quer sejam de ordem material ou intelectual, discerne em sua
origem uma causa idêntica; refere-se ao método experimental, mas recusa toda limitação,
porque antes de qualquer coisa, dá crédito aos Espíritos, que em tudo nos ultrapassam.
Enfim, examina com cuidado todo especial os fenômenos que acompanham a inspiração
e a comunhão espiritual (que era chamada carisma no tempo de São Paulo), porque
a linguagem, vocês o sabem, sob os influxos vindos do mundo invisível, se reveste
de um caráter sagrado.
Em todas as épocas, os homens têm feito esta observação. O profetismo tem sido
sempre objeto de um respeito particular, porque foi o elemento civilizador por excelência,
o revelador e o guardião dos valores morais.
Ora, todo profeta, todo inspirado é um médium, e todo médium deve tender para
a alta inspiração, filha da Luz, por quem nos chegam as verdades que são o alimento
de nossa alma.
Qualquer que seja então a forma como se veja o Espiritismo, nitidamente transparece
que o fenômeno é apenas um ponto de partida, uma isca colocada sobre o caminho dessas
verdades, que são verdadeiramente nosso pão da vida.
A Nova Revelação
Este ensinamento que nos vem do Espírito e, por delegação, dos Espíritos
que o servem, é verdadeiramente a «nova revelação» segundo a palavra de Conan Doyle,
que não faz senão reprisar aqui, como veremos abaixo, o próprio pensamento de Allan
Kardec? Este ensinamento é particular a um povo ou é universal? Veio ele inovar
ou destruir?
A resposta a essas questões está contida na Gênese, ponto culminante da
obra do grande doutrinador. « Não, lê-se nessas páginas, o Espiritismo
não é propriamente uma novidade. Ele não vem destruir a tradição, mas continuá-la;
não vem substituir a crença geral, mas esclarecê-la.
Moisés revelou aos homens o conhecimento de um Deus único, foi a primeira
revelação. Cristo ensinou a vida futura e a lei de Amor: foi a segunda revelação.
Quanto ao Espiritismo, tomando como ponto de partida as palavras mesmas do
Cristo, como Cristo tomou as de Moisés, é conseqüência direta de sua doutrina.
O Espiritismo pode ser considerado como a terceira revelação.» Eis, Senhores,
o que importava ser feito, e Allan Kardec, desde o início, o fez com sua retidão
costumeira.
O Espiritismo é uma conseqüência da doutrina do Cristo; pode ser considerado
como a terceira revelação, a da nova era que se anuncia, abrindo um novo ciclo de
evolução da humanidade. A firmeza dessas proposições não poderia nos escapar. Toda
a obra do mestre, com efeito, e insisto sobre esse ponto, se agrega em torno de
uma idéia central que parece ter-se perdido de vista e pode se traduzir assim: a
doutrina espírita é resultante do ensinamento coletivo e concordante dos Espíritos
de Deus. Este ensinamento se encontra no Evangelho de Jesus, o que aponta sua origem
crística.
Sei, Senhores, as prevenções que são levantadas em torno dos livros sagrados,
sobretudo depois dos trabalhos de exegese que foram mais intensos no fim do último
século. Pode-se pelo menos conceder que os Evangelhos nos desvelam, mais que todos
os outros escritos similares, os tesouros escondidos da Palavra e que são em realidade,
e isso está fora de contestação, «a mensagem eterna cuja letra deformada não
excluiu a linguagem do Espírito perfeito».
Rejeitá-los em nome de um cuidado que se diz crítico racionalista, hesitante
em seus fins e que semeia apenas a dúvida, é voltar as costas à verdade.
A mesma coisa, ainda que em menor grau, vale para o Antigo Testamento. «A Bíblia
mente», dizem uns, «A Bíblia tem dito a verdade» dizem outros. Tomemos, se quiserem,
um exemplo: examinemos A Gênese de Moisés. Em certos meios, acha-se correto
denegrir essas narrativas poderosamente simbólicas. Entretanto, Senhores, as suas
passagens mais destacadas são aceitáveis mesmo pelas nossas ciências. Se devesse
resumir, em quarenta linhas, as aquisições mais autênticas da geologia, conforme
dizia o abade Moreux A. de Lapparent, secretário perpétuo da Academia de Ciências,
copiaria o texto da Gênese, quer dizer, a história da criação do Mundo, tal qual
Moisés o delineou.
Moisés, com efeito, não forjou, não precisava se referir a uma tradição anterior
que merecesse crédito em razão mesmo de sua grande antiguidade.
Quando fez a narrativa de nossas origens, não precisou interpretar à letra o
que devia ser recebido alegoricamente. Allan Kardec não cometeu o erro de rejeitar
esses textos veneráveis; ele se ateve em penetrar o sentido, ajudado nisso pelos
Espíritos, seus colaboradores e inspiradores habituais. Foi assim que nos
confiou esses capítulos admiráveis onde a idéia universal da queda
se aclara aos raios da luz espiritual.
Permita-me resumir a substância:
a) A encarnação do Espírito não é nem constante, nem perpétua; é apenas transitória;
a vida espiritual é a vida normal.
b) O progresso material de um globo segue o progresso moral de seus habitantes:
ora, como a criação dos mundos e dos Espíritos é incessante, e estes progridem mais
ou menos rapidamente em virtude de seu livre arbítrio, resulta que há mundos mais
ou menos antigos, em diferentes graus de adiantamento físico e moral, onde a encarnação
é mais ou menos material e onde, por conseqüência, o trabalho se faz mais ou menos
rude.
Sob esse ponto de vista, é preciso dizer, se acreditamos nos ensinamento dos
Espíritos, que a Terra ocupa a base da escala, os homens que a habitam, fortemente
materializados, vivem aí, no seu conjunto, uma vida semi-animal que os mantém afastados
da verdadeira civilização.
Que se passou na origem? Como se deve entender o que disse a tradição sobre os
eventos relacionados à aparição do homem sobre o globo?
Eis a resposta: « Os mundos, segundo Allan Kardec, progridem fisicamente pela
elaboração da matéria e moralmente pela depuração dos Espíritos que os habitam.»
Então, eles evoluem e se transformam.
« Quando um mundo chega a um desses períodos de transformação que deve fazê-lo
subir na hierarquia, se operam mutações na sua população encarnada e desencarnada;
é então que têm lugar as grandes emigrações e imigrações. »
Aqueles que verdadeiramente progrediram ascendem a um mundo superior. Os que,
malgrado sua inteligência e seu saber, transgrediram as leis divinas são deportados,
enviados para mundos menos avançados. É assim que as populações das esferas de vida
se encontram renovadas em certos momentos, e nossa humanidade conheceu essas vicissitudes.
«A raça adâmica tem todos os caracteres de uma raça proscrita; os Espíritos que
dela fazem parte foram exilados para a Terra, já povoada por homens primitivos e
mergulhados na ignorância, e tiveram por missão fazê-los progredir trazendo para
eles as luzes de uma inteligência desenvolvida.»
Não é, com efeito, a função que esta raça tem preenchido até hoje? A superioridade
intelectual dos filhos de Adão prova que o mundo de onde saíram estava mais avançado
que a Terra. Mas devendo aquele mundo entrar em uma nova fase de progresso, esses
Espíritos, em vista de sua obstinação orgulhosa, não podiam ser mantidos lá, porque
teriam sido um entrave à marcha providencial das coisas. É por isso que foram excluídos,
enquanto que outros teriam merecido substituí-los.
Expulsos do Éden, desse mundo feliz do qual não eram mais dignos, eis o que foram
os homens em sua origem, os homens da raça proscrita, à qual pertencemos, porque
se trata aqui de nossa própria história.
Não confundam, eu lhes rogo, esta raça que é a nossa com aquela da antropopiteco
pré-histórico e hipotético. O Adão de Moisés é «o homo sapiens», o ser dotado de
consciência e de razão, criado à imagem de Deus, quer dizer Espírito e Espírito
suscetível por seu princípio, a alma, parcela do fogo divino, de um desenvolvimento
indefinido.
Não! O homem adâmico não é absolutamente saído da besta: descende de um invólucro
carnal, em um momento dado da evolução do planeta para ele preparado; ele foi, disse
a Gênese, «coberto de uma pele de besta».
O ensinamento dos Espíritos de Deus é, com relação a este assunto,
suficientemente explícito e revelador das causas de nossa atual condição tão dolorosa,
por vezes tão precária malgrado nossos esforços, tão inquieta e por vezes tão trágica.
O Eterno disse a Adão, relegado com sua posteridade sobre esse mundo de reparação
e depuração: «Tu tirarás do solo tua nutrição com o suor de tua fronte». Pura figura
de linguagem! Deus não teria intervindo. A lei de necessidade, tão imperiosa aqui
em baixo, se encarregaria de curvar o orgulhoso sobre esta gleba que, para dar seus
frutos, requer um trabalho incessante e penoso.
É desta forma, ou qualquer outra aproximada, que podemos saudavelmente interpretar
o evento chamado de queda nas teogonias primitivas e no cristianismo.
Este pormenor tradicional, que alguns rejeitam com uma vivacidade singular não
contradiz, todavia, a razão nem a experiência. Os maiores Espíritos o têm sempre
considerado como uma das principais revelações feitas à humanidade. Esta revelação
nos ensina, o que nenhuma noção veio contradizer, que o homem, criado para participar
nas obras de Deus nos mundos de luz, se desviou de seu Criador a fim de satisfazer
a uma inclinação de sua natureza, levando-o a se libertar de toda tutela para melhor
agir ao seu jeito. E a conseqüência desta infração fatal foi uma involução lenta
para o estado planetário em que estamos presentemente.
Todavia, a mansuetude de Deus permitiu que um «Salvador» fosse enviado a esta
raça banida para esclarecer seu caminho, para sair desse lugar de exílio e freqüente
miséria (condição essa que ela consentia porque era livre) para a conduzir à reintegração
no «reino», a divina pátria. Entendo a objeção: Por que, dirão vocês, esta promessa
de um «Salvador»? Não podemos, pela livre ação da evolução, por nosso esforço pessoal,
nos tirar, a nós mesmos, do mau passo terrestre?
É preciso crer que não, Senhores, e o estado presente do mundo o explica. Consideremos,
sem complacência nenhuma, a imperfeição de nossa natureza, sua inconcebível fraqueza,
seu egoísmo fundamental, os apetites da carne, a cegueira causada pelo orgulho,
o desejo frenético de satisfação, e essa necessidade de dominar, oprimir o próximo
e reinar sobre os outros! Não, Senhores, o homem deixado às suas próprias forças
é radicalmente impotente para esta obra de resgate.
Entretanto, dirão, houve sábios e santos que lograram se elevar acima da turba,
que souberam fazer honra ao homem. É exato, mas convém acrescentar que não chegaram
a esse resultado excepcional senão com a ajuda de Deus. Não há um só que disso não
tenha dado seu testemunho de uma forma ou de outra.
O homem, nesse mundo de perdição, tem necessidade de um Salvador porque o esforço
que deve fazer, que deve consentir para sua libertação, ultrapassa seus próprios
meios. Ora, «esse Salvador apareceu na pessoa de Jesus» cito ainda Allan Kardec
e é Ele que deveria ser «a verdadeira âncora de Salvação».
Esta âncora divina tocou o sol, se fixou na Terra um certo tempo, brilhou aos
olhos dos homens, de alguns homens, com um fausto único. O Cristo se fez nosso igual
pela encarnação a fim de viver nossa vida e se colocar ao nosso alcance em toda
a medida do possível. Ele não somente ensinou a lei, mas pregou pelo exemplo de
sua mansuetude, humildade e paciência em sofrer sem murmurar as piores injustiças,
os tratamentos mais ignominiosos e as maiores dores. Por sua presença, purificou
a Terra saturada de ódio bestial e de crueldade, arrancando-a do jugo implacável
do Adversário. E após sua vinda, jamais interrompeu sua ação salvadora e a cruz
tem brilhado sempre sobre o mundo como sinal de redenção e amor.
Para que tal missão pudesse encontrar seu cumprimento integral não era preciso,
e isso não é evidente, um ser puro, acima das fraquezas humanas, um ser divino?
É assim, Senhores, que se servindo da via da revelação e sem ter recorrido à
especulação teológica se chega a conceber de vez a origem, a grandeza e o valor
da obra do Cristo, pelo menos no que nos toca, a nós terrenos, porque ela nos ultrapassa
infinitamente.
Vocês compreenderão então que Allan Kardec nada formulou de improviso nesses
fatos iniciáticos; vocês percebem que ao nos transmiti-los, nada inventou. O ensinamento
dos Espíritos de Deus, que é permanente, se resumirá então nesta outra proposição
fundamental: Jesus, o Cristo, é a âncora de salvação da humanidade adâmica, a nossa.
Queda e salvação realçam do seu magistério. Testemunha de nosso rebaixamento, Ele
veio para nos tirar das trevas de nossas iniqüidades, traçando-nos o caminho que
permite delas sair.
Ele é a âncora de salvação; é assim o caminho. Ele mesmo nos disse: «Eu sou
o Caminho, a Verdade e a Vida».
Cristianismo e Espiritismo
Temos desde logo o fio que vai nos guiar por entre os espinhos e barrancos que
orlam as sendas por onde avança o Espiritismo, esse Espiritismo que inflama de bem
os homens, e que portanto traz e trará amanhã, além disso, a libertação das rotinas
seculares.
«O Espiritismo é tão antigo quanto a criação». Ocorre o mesmo com o Cristianismo,
ligado à nossa queda e à vinda de Adão para este mundo, o que fez Santo Agostinho
dizer que o que se chamava no seu tempo religião cristã nunca tinha deixado de existir
desde a origem do gênero humano.
Todos os fundadores de religiões, os grandes legisladores estão relacionados
ao Cristianismo e ao Espiritismo: Zoroastro, Çakia-Muni, Lao-Tsé e Pitágoras os
ensinaram em termos aproximados, e foi com razão que Allan Kardec considerou Sócrates
e Platão precursores de Jesus.
Cristianismo e Espiritismo caminham juntos, o que é fácil conceber quando se
tem em vista a gênese espiritual dos homens. Encontramos o Espiritismo em todos
os sistemas religiosos, com um caráter diferente que decorre do quanto essas religiões
têm, mais ou menos, desviado de sua norma, porque todas estão baseadas na revelação
dada pelos Espíritos de Deus ou pelo Espírito-Santo. É por isso que não devemos
ficar espantados em ver santo Agostinho, são João, são Luís, santa Joana d’Arc,
são Vicente de Paula e são cura d’Ars se fazerem apóstolos da «nova revelação».
E se objetassem que um certo número desses grandes Espíritos, enquanto na Terra,
foram firmemente ligados aos dogmas católicos, responderíamos que tal apego era
talvez apenas superficial, que a compreensão das verdades espirituais não é no alto
como é em baixo, e que a Igreja triunfante não é a Igreja militante.
Cristianismo e Espiritismo não poderiam estar separados, como testemunha ainda
este antigo texto dos Evangelhos, independente da Vulgata, onde Jesus é chamado
o «Salvador dos Espíritos ».
Nos Prolegômenos do Livro dos Espíritos, de Allan Kardec, figura a vinheta simbólica.
«Tu colocarás no cabeçalho do livro a cepa da vinha que desenhamos, porque ela é
o emblema do trabalho do Criador; todos os princípios materiais que podem melhor
representar o corpo e o espírito aí se encontram reunidos: o corpo é a cepa; o espírito
é o licor; o espírito unido à matéria é o grão».
Sob uma outra forma, este é o símbolo mesmo do Evangelho de são João, e esta
transposição, garanto, nada tem de tão especificamente satânica… está entendido
que a cepa, é o Cristo e nenhum outro, e que toda nutrição nos vem dEle.
O Espiritismo Cristão
Levantar-se-ia entre vocês alguma dúvida? Ah! Eu sei: o gosto da metafísica oriental,
posta em moda pelos filósofos alemães e os teósofos contemporâneos, não deixou de
ter influenciado, nestes últimos tempos, o pensamento francês. Escritores conhecidos,
de fato célebres, se fizeram entre nós os propagadores do vedantismo, isto é das
grandes doutrinas idealistas hinduístas.
Um deles pretendeu que o Ocidente tinha de aprender lições e inspirações no Oriente
para chegar à renovação espiritual necessária. Tem-se exaltado o budismo sob todas
as suas formas, preconizado os métodos de ensino da Yoga e evocado os desconcertantes
poderes da magia tibetana.
Longe de mim, Senhores, pretender que esse retorno para o Oriente
seja inútil. Não! É mesmo necessário hoje observar a monstruosa tempestade que se
forma na Ásia. Isso poderá servir para abrir bem os olhos cerrados justamente aos
sinais antecipados dos trágicos eventos que se preparam. Mas do ponto de vista que
nos ocupa, nada há que ateste que temos de pesquisar uma superioridade qualquer
entre os hindus e entre os asiáticos. Os asiáticos, têm suas tradições, códigos
e sistemas religiosos adaptados à sua mentalidade e temperamento próprios, como
temos os nossos. O Ocidente civilizador, malgrado suas taras, não tem de buscar
a luz alhures, mas em sua própria casa, tendo em vista que a recebeu, pura de toda
aliagem, do Mestre dos Mestres.
Que Lao-Tsé, Buda, Zoroastro, Hermes, Orfeu, Pitágoras e Maomé tenham sido, a
títulos diversos, enviados divinos, podemos aceitar razoavelmente; nada a isso se
opõe. Quanto a colocá-los na mesma altura que Jesus, não! Jesus não é um enviado,
é o Enviado, o Emanuel, o Cristo!
Seis séculos antes de sua vinda, Çakia-Mouni, o Buda, apareceu na Índia como
um precursor. Ele preconizava a necessidade da vida interior. Seis séculos após
Jesus, veio Maomé recordar aos Orientais a necessidade de servir, em tudo e antes
de tudo, a Allá, o Supremo. Mas no centro desses dois ensinamentos religiosos irradia
o Evangelho conciliador e vivificante tudo nele fazendo convergir os raios da luz
eterna.
Visto do plano estritamente humano, «a função de Jesus, disse Allan Kardec, não
foi simplesmente a de um legislador moralista, sem outra autoridade além de sua
palavra; veio cumprir as profecias que tinham anunciado sua vinda; sua autoridade
vinha da natureza excepcional de seu espírito e de sua missão divina; veio ensinar
aos homens que a verdadeira vida não é sobre a Terra, mas no reino dos céus, ensinar-lhes
o caminho que aí conduz, os meios de se reconciliar com Deus, e preveni-los sobre
a marcha das coisas por vir para o cumprimento dos destinos humanos».
Remarquemos, Senhores, com que concisão admirável se encontra indicada, nessas
poucas linhas, a função imensa do Mestre único.
«Entretanto, acrescenta o autor, Ele não disse tudo, e sobre muitos pontos, se
limitou a expor o germe das verdades que, ele mesmo declara, ainda não poderiam
ser compreendidas; falou de tudo, mas em termos mais ou menos explícitos. Para saber
o sentido oculto de certas palavras, era preciso que novas idéias e novos conhecimentos
viessem trazer a chave, e essas idéias não poderiam vir antes do espírito humano
atingir um certo grau de maturidade ».
De onde resulta a necessidade do Espiritismo que vem na sua hora trazer a chave
de fenômenos até então não explicados; e é preciso remarcar aqui que o recente progresso
das ciências em todos os domínios, sobretudo na física, apóia fortemente seu ensinamento.
Eis justamente onde aparece, na época exata, a função da ciência. Ela vem controlar
os fenômenos, pesquisar suas causas, segundo o método que lhe é próprio. Muito da
ciência leva a Deus; é de fato um passo para a grande síntese. Devemos no momento
nos contentar com isso.
A função do Espiritismo, na época atual, quer dizer na alvorada já perceptível
de uma nova era, não poderia ser mais bem definida que o foi há três quartos de
século por seu fundador.
Ele veio, cumprir, no tempo predito, o que o Cristo anunciou, e preparar o
cumprimento das coisas futuras. Ele é então obra do Cristo que preside, ele mesmo,
assim como tinha semelhantemente anunciado, a regeneração que se opera e prepara
o reino de Deus sobre a Terra. »
Essas perspectivas, vocês o vêem, ultrapassam de longe a função
que alguns queriam lhe designar. Portanto, Senhores, sua função verdadeira, sua
função primordial não é impossível de discernir. Afirmando e demonstrando a necessária
primazia do espiritual entre os homens, ele prepara sua reconciliação na harmonia,
no trabalho e na paz.
Sob a direção do Cristo, o Espiritismo toma então uma orientação firme e decisiva
que não existiria sem ele. Não bordeja mais entre a ciência e a filosofia, entre
tal ou qual sistema religioso, entre esta ou aquela regra de vida; vai direto ao
objetivo. O Espiritismo bem compreendido, mas sobretudo bem sentido, disse ainda
Allan Kardec, conduz forçosamente aos resultados acima que caracterizam o verdadeiro
espírita como o verdadeiro cristão, um e outro sendo apenas um.
O Espiritismo não cria nenhuma moral nova; ele facilita aos homens
a inteligência e a prática daquela do Cristo dando uma fé sólida e esclarecida àqueles
que duvidam ou que vacilam .
Eis, Senhores, o pensamento de Allan Kardec. É também o meu e o seu, disso estou
certo.
Entendemos que a fé profunda nele não tem necessidade do Espiritismo. Mas para
aqueles que dela são privados, e eles são legião na nossa sociedade moderna onde
reina a ciência que se tornou o último ídolo, os fatos, as manifestações fenomênicas
fornecem um sério ponto de apoio, desde que delas se aproveite imediatamente todas
as conseqüências espirituais e todo o valor moral.
É necessário, para compreender fatos tão simples, grande inteligência e uma cultura
extensa? Não, disse o mestre, porque se vêem homens de uma capacidade notória que
não os compreendem, enquanto que inteligências vulgares e jovens apenas saídos da
adolescência, nisso discernir com admirável justeza as nuanças mais delicadas. Isso
advém porque a parte material da ciência não requer senão olhos para observar, enquanto
que a parte essencial requer um certo grau de sensibilidade que se pode chamar de
maturidade do sentido moral, maturidade que independe da idade e do grau de instrução
porque é inerente ao desenvolvimento, em um sentido especial, do Espírito encarnado
.
Senhores, se quisermos ser lógicos e verdadeiros, nos detivemos tempo excessivo
nos fatos que nada dizem por si mesmos, mas dos quais devemos concluir apenas que
o Espiritismo, o repito a propósito, está totalmente no ensinamento dos Espíritos
de Deus.
Então entre o espiritismo, tal qual o concebeu Allan Kardec, e o Cristianismo
evangélico, não há nenhuma diferença. Os verdadeiros espíritas são os espíritas
cristãos: sua palavra de ordem é: Fora da caridade, não há salvação!
O Cristo Vivo
Uma outra dúvida se levantou entre alguns espíritas, eu sei, relativamente
à historicidade de Jesus. Eles se perguntam se não se trataria de um personagem
mítico em torno do qual gravitaria a legenda cristã, em vez de um homem que teria
pisado realmente o solo de nosso planeta.
Os exegetas, escrivãos filósofos, todos excelentes dialéticos, têm encontrado
nos textos bíblicos elementos pró ou contra. Ater-se apenas aos textos permite-lhes
dizer exatamente o que cada um deseja dizer. Mas não se trata aqui de um arrazoado,
trata-se da pesquisa da verdade, da qual toda paixão deve ser excluída.
Deixando a dialética, consultemos primeiramente o bom senso e pesquisemos depois
se há ou não evidência nos fatos. A questão das provas históricas torna-se, a partir
de então, secundária, tendo em vista que todos os enviados divinos têm a característica
de não deixarem após si nenhum traço de sua passagem, a não ser a orientação espiritual
que foi deixada nos meios onde apareceram. Ocorreu o mesmo para Jesus.
Se o testemunho concordante dos Evangelhos não os satisfizer, vocês têm o de
são Paulo, o dos apóstolos; e se isso lhes parece insuficiente, têm o dos mártires
e dos santos, que são outros testemunhos de Jesus Cristo. É uma das maiores aberrações
da crítica o haver-se querido imaginar um cristianismo sem Ele, disse o professor
Puesch, e P. Fargues observa com justeza que a realidade histórica de Jesus jamais
foi negada pelos anticristãos de outrora. A causa está então entendida, e não quero
por prova senão a declaração, o aval formal, de um Barbusse ou de um Guignebert,
pertencendo os dois à crítica racionalista.
Em uma excelente obra espírita: «A verdadeira mensagem de Jesus » por
Léon Meunier, encontro essas linhas judiciosas que deixo à apreciação de vocês:
Nós não fazemos da personagem de Jesus, enquanto personagem histórica, uma
questão de pura erudição. Se alguns têm negado a existência de Jesus, ninguém tem
podido negar a existência da doutrina crística: está aí o ponto essencial. Isso,
com efeito, se impõe à evidência por uma dupla manifestação: manifestação livresca
pois que a encontramos nas Epístolas de Paulo datadas do ano 51 e a seguimos através
dos séculos, discutida pelas Igrejas, pelos heréticos e pelos historiadores. Manifestação
viva» pois que tem suscitado, ao longo de todos os tempos, movimentos históricos,
povoado as solitudes de inumeráveis monastérios, feito brotar da terra, sob todos
os céus, monumentos e obras-primas de arquitetura que impressionam ainda hoje nossos
olhos maravilhados. Ora, se não se pode negar a promulgação da doutrina crística,
que motivo se tem em negar o promulgador?
Nenhum motivo é aceitável, Senhores, e o espírito de sistema deve ser banido
de nossas fileiras. O Cristianismo nasceu da vinda do Cristo sobre a Terra e da
ação de seu Enviado, o Consolador, o paracleto. O Cristo está vivo e agindo desde
então em todas as épocas e o Espírito Santo permanece entre nós como estava entre
os cristãos nos primeiros tempos de nossa era. Eis o fato espírita central que
temos por missão considerar, reconhecer e publicar.
O Cristo vivo! Eis a revelação que deveria nos ser feita nesses
dias de inquietude e de angústia que atravessamos, nesses dias de empobrecimento
da fé e de dúvida que recordam os tempos em que falava o apóstolo dos gentios, afim
de que a grande prova que nos foi anunciada seja iluminada pelo raio divino da Esperança.
Numerosos já são os grandes missionários da obra sobre a Terra. Tivesse de tomar
apenas um, iria buscá-lo fora das ordens religiosas, fora do sacerdócio, e invocaria
seu testemunho que foi trazido recentemente, aqui mesmo na terra Vaudonesa. E o
deixaria falar, porque sua linguagem é livre, isenta de qualquer acento confessional,
estranho ao dogma. Talvez esteja ainda neste mundo, mas não temos notícias dele
no momento atual; talvez tenha sido morto no apostolado, no martírio, segundo seu
desejo, uma tal morte sendo a única rubrica que pediria uma tal vida. Quero falar
do Sâdhou Sundar-Singh, o apóstolo hindu do Cristo vivo.
Retraçar sua vida me levaria muito longe. Direi somente o que ela tem de prodigiosa.
Saibam todavia que após uma revelação semelhante ao trovão de Saulo de Tarso
sobre o caminho de Damasco, este hindu de alta casta deixou a vida mundana enquanto
era ainda adolescente, rompeu com sua família que o perseguia, não o compreendendo
e vestindo a túnica de Sâdhou, quer dizer de homem santo itinerante, partiu sozinho,
despojado de tudo, escarnecido, molestado, pelos grandes caminhos de seu imenso
país.
Uma de suas biografias nos diz que a ca1ma de sua expressão e de seu porte, a
segurança pacífica e a dignidade de seu andar, mesmo sem levar em conta a veste
e o turbante, lhe davam o ar «de um ser saído das páginas da Bíblia.
Um sâdhou, na Índia, encontra sempre, bem ou mal, o albergue e o abrigo no curso
de sua vida errante. Ele vive, com facilidade, uma surpreendente vida de renúncia,
que parece, para nós ocidentais, um desafio impossível de realizar. Percorrendo
a península em todos os sentidos, misturando-se às pessoas de todas as condições,
no frio, no calor, na floresta, na selva, sob o clima tórrido do Ceilão, nas neves
e geleiras do Tibet, no país dos lamas, Sundar-Singh, injustiçado, maltratado, perseguido,
algumas vezes de forma atroz, martirizado, vai, ardente, infatigável, invencível,
seu novo Testamento em língua ourdou no bolso de sua túnica, tendo por único bem
apenas a assistência do divino Mestre.
Sua vida é um milagre perpétuo que ele acolhe do mundo da forma mais simples
porque nada o surpreende. É narrando que se convence; esses são os fatos que falam
por si, fatos estranhos, miraculosos, inusitados.
É impossível encontrar o mínimo traço de sacerdotalismo, formalismo ou dogmatismo
no seu ensinamento. E não foi sem surpresa que se o ouviu ensinar nos templos, aqui
mesmo na Suíça quando veio chamado pelo Comitê de auxílio da Missão dos Hindus,
em 1918, igualando-se aos melhores evangelistas de Londres, para onde retornou em
seguida.
A que igreja pertence você?, lhe perguntaram. « A nenhuma, respondia ele. Pertenço
a Cristo, isso basta. No sentido espiritual, pertenço a toda Igreja na qual se encontrem
verdadeiros cristãos.
Infelizmente, os verdadeiros cristãos tornaram-se raros. Está escrito na Palavra
de Deus, disse Sundar-Singh, que os seus não poderiam compreendê-lo e o rejeitariam.
Hoje, nos países que se dizem cristãos, ocorre o mesmo. Eles são bem seu povo, e
crêem nEle até certo ponto; mas são, sobretudo, cristãos de nome. Eles que têm recebido
tantas bênçãos pelo Cristianismo, esquecem Cristo e Ele não pode lhes mostrar sua
força. Deus mostra sua maravilhosa força àqueles que buscam a verdade. «Ele
veio entre os seus, e os seus não o receberam. Seu povo, aqueles que se dizem cristãos,
não lhe abre em realidade seu coração e o rejeitam… Ele poderia talvez lhes
dizer: Tenho um lugar nas suas Igrejas, mas nada tenho nos seus corações; vocês
me dirigem um culto, mas não me conhecem, porque jamais viveram comigo .
Palavras severas, mas como são justas! E talvez, Senhores, encontraremos nós
aqui a razão desse grande silêncio das Igrejas sobre este homem extraordinário que
se iguala aos maiores santos pela simplicidade e o vigor de sua ação apostólica.
O conhecimento do Cristo, disse ele ainda, é um fato da experiência.
No último mês, é Sundar-Singh quem fala sempre, atravessando Emaús, vila situada
a onze quilômetros de Jerusalém, me lembrei dos dois discípulos que conversavam
sobre Jesus quando Jesus caminhava ao lado deles sem que eles o reconhecessem. Após
Ele ter desaparecido, se disseram: «Era Ele!» Foi com ajuda de uma maravilhosa experiência
que se deram conta da presença de seu Mestre próximo deles, porque disseram: Nossos
corações não ardiam dentro de nós quando Ele caminhava ao nosso lado?
«Esse coração ardente era o resultado de sua presença.
Sim, Senhores, o conhecimento do Cristo é um feito da experiência porque esta
presença divina da qual nos fala o Sâdhou, se impõe à alma que é tocada por uma
realidade da qual todos os sentidos são penetrados, iluminados, arrebatados em uma
proporção tal que a adesão a esta realidade não sofre mais a mínima hesitação. E
isso explica o heroísmo sobre-humano dos mártires.
Conhecer Cristo! Muitos cristãos conhecem Jesus, pelos Evangelhos, sem realizar
que Ele é o Cristo, o Cristo vivo. Eles não o conhecem verdadeiramente…
São Paulo disse: Não tenho vergonha de sofrer por Ele porque conheço aquele em
quem eu creio.
Há uma grande diferença entre saber alguma coisa do Cristo e conhecer
Cristo disse ainda Sundar-Singh
E eis seu Credo: «Creio em Jesus Cristo, não por causa do que li na Bíblia sobre
o assunto, nem porque alguns doutores me falaram dEle, empenhando-se em me converter,
mas porque EU O TENHO VISTO, ELE, O ÚNICO SALVADOR DO MUNDO
Assim então, Senhores, o Cristo conhecido e servido por Sundar-Singh não tem
nada do Cristo estilizado por vezes de maneira profundamente comovente pela iconografia
católica (onde a arte por vezes atinge o sublime, sem todavia poder nos restituir
a imagem real do Ser glorioso que vemos representado crucificado, martirizado e
sangrando) é o Cristo vivo cuja beleza, ação e força soberana ultrapassam nossas
concepções mais ousadas. É Aquele que os apóstolos conheceram no seu corpo de glória,
após os eventos que marcaram o desaparecimento do Filho do homem.
Após tantos outros igualmente dignos de
fé, Sundar-Singh trouxe seu testemunho, e é o testemunho de um homem instruído na
ciência ocidental, ainda que nada tenha perdido das qualidades fundamentais de uma
raça a quem não são estranhos nem a metafísica, nem a mística mais alta.
Depois dele, o cristianismo é o complemento do hinduísmo que escavou os canais
que Jesus veio alimentar de uma água que dá a vida eterna.
Lembremo-nos, espíritas, da fórmula do Sâdhou, porque ela é um rasgo de luz:
O conhecimento do Cristo é um fato da experiência.
A concepção crística do apóstolo decorre de sua própria visão: «Vi, nos disse
ele entre outras coisas, ondas de vida e de amor irradiando do Cristo que habita
corporalmente toda a plenitude da divindade.
São elas que engendram a vida.
Assim, prosseguiu, de maneira toda misteriosa,
são ondas de luz e de amor que dão vida às criaturas de toda espécie».
Depois, tendo falado dessa irradiação fluídica divina, acrescenta: «a matéria
e o movimento não podem criar a vida, apenas a vida pode engendrar a vida.»
Assim fala um homem tendo uma experiência espiritual do Cristo.
É uma linguagem nova: é a linguagem espírita.
E agora, Senhores, que lhes diria? Acredito ter indicado com bastante pertinência
e firmeza as razões maiores que impelem irresistivelmente a doutrina de Allan Kardec
para o caminho do Espírito divino, do Espírito Santo que sozinho rege a ciência
espiritual, o conhecimento no sentido pleno da palavra.
Uma coisa é a ciência, segundo a concepção atual, outra é o conhecimento. Não
há conhecimento sem consciência. A consciência, eis o laboratório ideal! Que digo
eu, o laboratório? Eis o verdadeiro templo onde nos aguarda o Mestre da vida…
Nossas ciências, esperamos, encontrarão algum dia, talvez pelo Espiritismo, o
caminho de uma síntese que se impõe desde hoje e se imporá amanhã ainda antes de
tudo. Mas nosso verdadeiro caminho, para nós espíritas, já foi encontrado: É o caminho
que Jesus nos traçou Ele mesmo; é o Cristo mesmo!
«O Espiritismo será cristão ou nada será. » Retenhamos esta fórmula, Senhores,
ela é de René Kopp, e vocês sabem que é uma palavra autorizada.
O Cristo nos ensina pelo coração, porque é aí que o sentimento esposa
a razão, que a intuição fecunda a inteligência, que a inspiração se decanta e clarifica.
É nesse santuário e não alhures, que nos aguarda, bem além dos postulados incertos
da inteligência, bem além dos conceitos edificados sobre uma ciência material tateante,
bem além de nossa mesquinha personalidade atual, é aí, digo, e não alhures, que
nos aguarda, para nos conduzir ao objetivo que devemos atingir por necessidade e
para nosso bem supremo, o Senhor, o Mediador, o Salvador dos Espíritos, o Príncipe
da paz:
CRISTO JESUS
Edição eletrônica original:
Centre spirite Lyonnais Allan Kardec
23 rue Jeanne Collay
69500 BRON
04-78-41-19-03
http://spirite.com.fr