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Desvios da Fé

Desvios da Fé

Em meados do século VI, nas proximidades de Antioquia, na Síria, um piedoso
cristão, chamado Simeão, instalou-se no alto de elevada coluna por ele
construída.

Inteiramente entregue à devoção, era atendido em suas necessidades por amigos
e discípulos que o visitavam, diariamente, muitos dos quais lhe imitariam, mais
tarde, o exemplo.

No exíguo espaço, dezoito metros acima do solo, submetido às intempéries e ao
desconforto, passou os restantes trinta anos de existência, sem jamais descer.

Algum tempo após sua morte, foi canonizado, recebendo o titulo beatifico de
São Simeão, o Estilita.

Se hoje alguém tentasse realizar a mesma proeza, certamente seria internado
em manicômio, mas, na Idade Média, tais aberrações eram comuns e seus autores
diziam agir sob inspiração dos anjos ou do próprio Espírito Santo.

Infelizmente, embora tenha sido proclamado santo, Simeão foi mal inspirado,
pois somente gênios das sombras ou entidades galhofeiras poderiam ter sugerido
aquele absurdo.

A auto-flagelação como recurso de purificação e a fuga do convívio social
para preservação da virtude, práticas tão comuns nos círculos religiosos
medievais, estavam bastante distanciadas dos verdadeiros ideais cristãos.

Jesus não espera que o discípulo sacrifique senão os sentimentos inferiores
que moram em seu íntimo.

A maneira fácil pela qual o santo foi envolvido confirma as reiteradas
advertências feitas por Kardec, de que não basta boa vontade — é indispensável
que haja discernimento, isto é, saber distinguir o bem do mal, o certo do
errado.

Para tanto é preciso estudo. Aquele que aplica a inteligência no esforço
consciente por assimilar conhecimentos, submetendo-os à análise racional, sem
preconceitos ou condicionamentos, sempre enxerga horizontes mais amplos e
dificilmente será enganado por falsos sinais, em qualquer campo onde se situe.

Eminentemente racionalista, o Espiritismo exige que seus adeptos estudem. O
espírita tem que se libertar da concepção milenar de que ser religioso é
simplesmente freqüentar casas de oração.

Templo é o Universo, a Casa de Deus tantas vezes desrespeitada pelos
desatinos humanos.

Centro Espírita é escola para a vida eterna. Ninguém pode comparecer a escola
sem disposição para aprender — será mau aluno.

E são justamente maus alunos, arvorados em mestres, os responsáveis pelos
desvios, quase tão absurdos quanto a aventura de Simeão, existentes em alguns
núcleos espíritas.

Sem assimilação e prática das normas codificadas por Allan Kardec, será
ingenuidade pretender-se o desenvolvimento das tarefas de intercâmbio com o
Além, dentro da lógica e do equilíbrio, com plena observância de suas
finalidades.

Sem estudo somente caminhará com segurança aquele que possuir amor em seu
coração, primeiro mandamento da Lei que, segundo Jesus, resume tudo.

Se Simeão, o Estilita, tivesse amor, estaria tão ocupado em socorrer o
necessitado e confortar o aflito que jamais seria envolvido por sugestões
inferiores. Onde permanece a luz, não há lugar para as sombras.

Como não somos melhores que o santo de Antioquia, não podemos prescindir do
estudo.

Em primeiro lugar porque estaremos sendo fiéis aos princípios que dizemos
esposar, formando comunidades espíritas operosas e produtivas e não simples
aglomerados humanos de portas abertas à influência do mal.

Em segundo lugar porque o conhecimento despertará em nós a consciência do
dever.

Conscientes do dever, pensaremos no próximo.

Pensando no próximo, aprenderemos a conjugar o verbo sublime, na observância
do mandamento maior. Então estaremos em condições de dialogar com os anjos.

Reformador – março, 1965