O Despertar da Consciência
Pergunta: O arrependimento se dá no estado corporal ou no estado espiritual?
Resposta: No estado espiritual; mas, também pode ocorrer no estado corporal
quando bem compreendeis a diferença entre o bem e o mal.
Questão n° 990 do Livro dos Espíritos Podemos definir o arrependimento como a
consciência de que fizemos algo errado, de que prejudicamos alguém ou a nós
mesmos.
Implica em dor moral, tão profunda quanto a natureza de nossas faltas e o
grau de nossa maturidade. Quanto mais evoluído, mais sofre o Espírito, ao
avaliar a extensão dos prejuízos que causou a si mesmo ou ao semelhante.
Pode ocorrer na Terra, pelo exercício da razão. Exemplo típico: o indivíduo
que parte para a violência em face de determinada contrariedade.
O marido traído, que mata a esposa…
A mãe que fere a criança ao castigá-la…
Depois o lamento:
– Ah! Meu Deus! Por que não me controlei!
Mais freqüentemente o arrependimento eclode no Plano Espiritual, quando o
Espírito defronta-se com sofrimentos e desajustes decorrentes de suas
iniciativas desatinadas.
No livro “Nosso Lar”, psicografia de Francisco Cândido Xavier, o Espírito
André Luiz, após reportar-se a dolorosas surpresas, em face de seu
comprometimento com a inconseqüência nas lides humanas, faz dramático apelo:
– Oh! Amigos da Terra! Quantos de vós podereis evitar o caminho da amargura
com o preparo dos campos interiores do coração? Acendei vossas luzes antes de
atravessar a grande sombra. Buscai a verdade antes que a verdade vos surpreenda.
Suai agora para não chorardes depois.
O arrependimento não redime. É apenas o primeiro passo na árdua jornada da
reabilitação, em favor da qual não bastam penitências, ritos ou rezas. É de
fundamental importância que o mal seja reparado.
Por isso, para os Espíritos mais amadurecidos, o arrependimento é sempre
marcado por profundas transformações, a caminho de grandiosas realizações.
Paulo de Tarso, perseguidor implacável dos cristãos, articulador do processo
que culminou com a morte de Estevão, o primeiro mártir do Cristianismo,
experimentou o despertar da consciência no inesquecível encontro com Jesus, às
portas de Damasco, e se transformou no grande arauto da mensagem evangélica.
Simão Pedro teve seu momento decisivo ao ver cumprida a previsão de Jesus,
que lhe afirmou que o negaria três vezes antes que o galo cantasse, na fatídica
madrugada que antecedeu o drama do calvário. A partir desse momento dedicou sua
existência à causa cristã, sem jamais experimentar novas vacilações. E no grande
testemunho a que foi convocado em Roma, condenado à cruz, enfrentou com
serenidade seus algozes, pedindo para ser crucificado de cabeça para baixo,
porquanto não se sentia digno de morrer como seu mestre.
Em Maria de Magdala temos o exemplo do missionário confundido pelas ilusões
do Mundo, sob o domínio de cruéis perseguidores espirituais, até que o Cristo
lhe descortinasse as excelências do Evangelho. Renovada, converteu-se em
ardorosa seguidora dos princípios novos, acumulando méritos suficientes para ser
ela própria a mensageira da ressurreição, aquela que primeiro viu Jesus, em
gloriosa aparição, após a crucificação.
Forçoso reconhecer, entretanto, que o arrependimento sincero, de quem se
conscientiza dos próprios enganos e se dispõe a uma guinada existencial,
modificando seus rumos, não é fácil. O homem comum distrai-se de suas
responsabilidades, sempre pronto a justificar seus desvios com intermináveis
sofismas:
– Roubei, sim, e até matei, porque tinha fome – alega o criminoso esquecido
das bênçãos do trabalho.
– Enriqueci, sim, mas com meu esforço, com o trabalho digno, sem prejudicar
ninguém – proclama o industrial que explorou seus empregados e usou de
especulações nos domínios de seus negócios.
– Bebo sim, mas para enfrentar os problemas da existência – explica o
alcoólatra, sem atinar para o fato de que se transformou, ele próprio, num
grande problema.
– Traí meu marido, sim, envolvi-me em aventuras extraconjugais, porque ele
não me dava atenção – afirma a mulher displicente, a justificar sua
irresponsabilidade.
Pessoas assim transitam pela vida de consciência anestesiada pela indiferença
em relação aos valores morais, para somente despertarem no Plano Espiritual,
quando se habilitam a longas e penosas jornadas de retificação.
Mostrando-nos por antecipação as realidades espirituais, a Doutrina Espírita
representa o mais vigoroso apelo da Espiritualidade em favor da criatura humana,
demonstrando ser imperioso que cogitemos dos valores mais nobres da existência,
nos domínios da Verdade e do Bem.
No entanto, a mesma displicência moral que faz o delinqüente, o explorador, o
viciado, o adúltero, induz o espírita a justificar suas omissões:
– O Espiritismo ensina que é preciso praticar a caridade, ajudar o próximo,
participar de serviços assistenciais, mas não tenho tempo. Há a família, a
profissão, os compromissos financeiros…
– O Espiritismo adverte que devo conter meus impulsos inferiores, mas não
consigo. Sou um fraco…
– O Espiritismo orienta que devo harmonizar-me com os familiares. Impossível.
São muito difíceis…
Há quem informe:
– Não posso proclamar-me espírita, porquanto tenho muitas mazelas…
Companheiros assim esperam pela virtude para serem espíritas. Ignoram
deliberadamente que o espírita não é, necessariamente, um virtuoso. Apenas
alguém disposto a assumir compromisso com a virtude.
Acomodados na superficialidade de suas convicções e na rotina de pálida
participação em atividades espíritas, verificam, um dia, quando a morte impõe o
balanço de sua existência, que tiveram tudo para caminhar mais depressa, para
superar suas imperfeições e, no entanto, fizeram do conhecimento veiculado pelo
Espiritismo um mero acréscimo de responsabilidade.
No livro “Voltei”, psicografia de Francisco Cândido Xavier, o autor, Irmão
Jacob, pseudônimo adotado por Frederico Figner, que durante muitos anos foi
diretor da Federação Espírita Brasileira, adverte, dirigindo-se aos espíritas:
– Oh! Meus amigos do Espiritismo, que amamos tanto!
É para vocês – membros da grande família que tanto desejei servir – que
grafei estas páginas, sem a presunção de convencer! Não se acreditem quitados
com a Lei, por haverem atendido a pequeninos deveres de solidariedade humana,
nem se suponham habilitados ao paraíso, por receberem a manifesta proteção de um
amigo espiritual! Ajudem a si mesmos, no desempenho de suas obrigações
evangélicas! Espiritismo não é somente a graça recebida, é também a necessidade
de nos espiritualizarmos para as esferas superiores.
Falo-lhes hoje com experiência mais dilatada. Depois de muitos anos, nas
lides da Doutrina Espírita, estou recompondo a aprendizagem, a fim de não ser o
companheiro inadequado ou o servo inútil. Guardem a certeza de que o Evangelho
de Nosso Senhor Jesus Cristo não é apenas um conjunto brilhante de ensinamentos
sublimes para ser comentado em nossas doutrinações – é Código da Sabedoria
Celestial, cujos dispositivos não podemos confundir.
O conhecimento espírita implica no compromisso de vivermos segundo seus
princípios. De outra forma, o arrependimento mais tarde será apenas o inicio de
inevitáveis e penosas jornadas de retificação, em busca do tempo perdido.
06-09-2001