As Quatro Nobres Verdades – Parte 4
Carlos Alberto Iglesia Bernardo
III – Visão Geral
As Quatro Nobres Verdades
– Budismo
1.a Verdade: Da existência do sofrimento (Impermanência,
Insatisfatoriedade, Impessoalidade);
As quatro nobres verdades constituem a base do Budismo, tendo a constatação
da existência do sofrimento e de que todos os seres viventes estão sujeitos a
ele como o ponto inicial de sua estrutura lógica.
Desde o instante em que nascemos neste mundo, estamos sujeitos ao sofrimento.
Se crianças necessitamos do amparo dos adultos para nossas mínimas necessidades,
se adultos temos que lutar por nossa sobrevivência e daqueles que nos são caros,
se atingimos avançada idade, sentimos o declínio das forças físicas e a
aproximação da morte. Durante a vida, passamos pelas mais diversas situações,
pela perda dos entes queridos, pelas doenças e estamos sujeitos a sermos vitimas
de acidentes e violências diversas.
2.a Verdade: Da origem do sofrimento
Para Buda, a origem do sofrimento está relacionada a ignorância, sofremos
porque tomamos o mundo material a nosso redor como realidade última e objeto de
nossas ambições. Sofremos porque, em nosso egoísmo, nos apegamos aos objetos
exteriores e queremos eternizar o que é transitório. Tanto quanto o sofrimento,
o mal é resultado da ignorância do ser. Mal é tudo que causa sofrimento ao
próximo e próximo no sentido mais amplo possível, abrangendo todos os seres
viventes.
3.a Verdade: Da cessação do sofrimento
O sofrimento pode ser extinto, extinguindo-se o motivo que o gera, a
ignorância e a ilusão de um “eu”. Com o fim do “eu” termina o egoísmo e o apego
aos objetos passageiros. Em lugar do egoísmo, surgem a Sabedoria e a Compaixão.
Não haverá mais sofrimento para o ser iluminado, e um mundo composto de uma
maioria de seres iluminados, será um mundo feliz.
4.a Verdade: O caminho que conduz a extinção do sofrimento
De nada vale conhecer uma verdade se não for vivenciada. E as regras práticas
do Budismo, expressas no Caminho Óctuplo, levam diretamente a vivenciar o
desapego ao eu e ao egoísmo. Não são dogmas, mas regras de vida que se bem
aplicadas tornarão o ser, um ser compassivo e sábio:
- Palavra Correta (ser verdadeiro e justo no falar)
- Ação Correta (agir sempre de acordo com o bem de todos, ser compassivo)
- Meio de Vida Correto (viver corretamente, sem prejudicar a ninguém e
fazendo o bem sempre que possivel) - Esforço Correto (procurar sempre melhorar-se a si mesmo e buscar a
verdade) - Plena atenção Correta (prestar atenção em tudo o que se faz, para ter a
visão correta do que se faz e se passa) - Concentração Correta (aprender a concentrar-se, para chegar ao
conhecimento de si mesmo e da essência das coisas) - Pensamento Correto (saber pensar e pensar de maneira correta de maneira a
controlar a si mesmo) - Correta Compreensão (procurar compreender verdadeiramente, procurar ser
sábio)
Em resumo, a vivência pessoal que pode ser resumida em:
- Conduta Ética (palavra correta, ação correta e meio de vida correto);
- Disciplina mental (Esforço Correto, Plena Atenção e Concentração);
- Sabedoria (Pensamento correto e correta compreensão);
– Espiritismo
Apesar da questão do sofrimento não ser o ponto inicial da Doutrina dos
Espíritos – cujas bases são a constatação da sobrevivência do espírito após a
morte e da sua possibilidade de comunicação conosco – ela também reconhece sua
existência e classifica nosso mundo como de “provas e expiação”.
Para o Espiritismo, o sofrimento é causado pela ignorância. Ignorância de que
o mundo material é transitório, de que acima de tudo o ser humano e todos os
seres viventes, são espíritos em evolução. O sofrimento cessa com o progresso
espiritual, com o fim do egoísmo e com a clara compreensão de que os
acontecimentos da vida material são, em última análise, secundários frente a
realidade maior do espírito. Provas e expiações, do ponto de vista do espírito
liberto da matéria, são rápidas lições na sua longa jornada evolutiva. Para o
espírito adiantado, nada mais pode lhe afetar a serenidade espiritual, sendo que
nele, a “caridade” – o amor ao próximo – e a “sabedoria”, lhe conduzem os atos.
As regras morais espíritas podem ser deduzidas das leis naturais – ou Divinas
– que são apresentadas no “Livro dos Espíritos”, no livro terceiro. Estas regras
são aprofundadas no “Evangelho Segundo o Espiritismo”, onde se mostra que a
moral espírita é a mesma moral contida nos ensinamentos de Jesus. No livro “Céu
e Inferno”, se aprofunda a questão da lei de Causa e Efeito, se vêem os
resultados da vivências destas regras.
As leis morais, apresentadas no Livro dos Espíritos são:
- Lei de Adoração: “É a elevação do pensamento em direção a Deis.
Pela adoração, o ser humano aproxima de Deus a sua alma”. (questão 649). “A
verdadeira adoração á do coração. Em todas as suas ações, lembrem sempre que o
Senhor os observa” (questão 653) “Deus prefere aqueles que o adoram do
fundo do coração, sinceramente, praticando o bem e evitando o mal, àqueles que
acreditam honrá-lo por meio de cerimônias que não os tornam melhores para os
seus semelhantes. (…)” (questão 654). - Lei do Trabalho: “O trabalho é uma lei da Natureza e por isso
mesmo é uma necessidade (…)” (questão 674) “O Espírito também
trabalha, como o corpo. Toda ocupação útil é um trabalho” (questão 675) “O
forte deve trabalhar para o fraco; na ausência de uma família, a sociedade
deve ampará-lo: é a lei de caridade”. (questão 685a). - Lei de Reprodução: “(…) Sem a reprodução, o mundo corporal
desapareceria” (questão 686) O casamento, ou seja, a união permanente de
dois seres “é um progresso na marcha da humanidade” (questão 695). O
efeito da abolição do casamento sobre a sociedade humana seria “o retorno à
vida animal” (questão 696). - Lei de Conservação: O instinto de conservação é uma lei da Natureza
“(…) todos os seres vivos o possuem, seja qual for o grau de sua
inteligência (…)” (questão 702) “Porque todos devem colaborar nos
desígnios da Providência.. Foi por isso que Deus lhes deu a necessidade de
viver. A vida é necessária ao aperfeiçoamento dos seres (…)” (questão
703) “O instinto de conservação foi dado a todos os seres contra os perigos
e os sofrimentos. Fustiguem seu Espírito e não o seu corpo, mortifiquem o seu
orgulho, sufoquem o seu egoísmo, que se assemelha a uma serpente que lhes
devora o coração e farão mais por seu adiantamento do que pelos rigores que
não pertencem mais a este século” (tratando dos sofrimentos “voluntários”
– questão 727). - Lei da Destruição: Todos os seres vivos, no mundo material, nascem
e morrem. A morte, na natureza, é uma necessidade, pois é um instrumento de
transformação. A vida material em sí mesma é um instrumento para o progresso
do espírito, e a morte é o término de um ciclo, que não destrói o principio
inteligente – o espírito – que continua a existir em outros planos da vida e
que volta a renascer. Em nosso mundo, na natureza, a lei de destruição é um
instrumento para manter o equilíbrio das espécies e garantir seu contínuo
aperfeiçoamento. O homem, ser com inteligência desenvolvida, no trato com os
animais, deve comportar-se sem crueldade e não destruir vidas sem necessidade
– como por exemplo no caso dos animais daninhos, cujas populações devem ser
controladas – toda destruição, pelo prazer de destruir indica “predominância
da bestialidade sobre a natureza espiritual. Toda destruição que ultrapassa os
limites da necessidade é uma violação da lei de Deus. Os animais destroem
apenas para sua necessidade; o homem, que tem o livre-arbítrio, destrói sem
finalidade. Prestará contas do abuso da liberdade que lhe foi conferida, pois
nestes casos, ele cede aos maus instintos” (questão 735). A matança de
outros seres humanos, é um crime aos olhos de Deus, pois “aquele que tira a
vida de seu semelhante, interrompe uma vida de expiação ou de missão e nisso
está o mal ” (o espírito é imortal, assim o criminoso atinge o corpo
físico, sem destruir o ser em sí mesmo). Mesmo na guerra a destruição de
outros seres é condenável pois a guerra significa “predominância da
natureza animal sobre a espiritual e satisfação das paixões. Nesse estado de
barbárie, os povos conhecem apenas o direito do mais forte (…)” (questão
742) e ela desaparecerá da face da Terra “quando os homens compreenderem a
justiça e praticarem a lei de Deus. Então todos os povos serão irmãos”.
(questão 743). - Lei de Sociedade: “Deus fez o homem para viver em sociedade.
Deus não deu em vão ao homem a palavra, bem como todas as outras faculdades
necessárias à vida de relação” (questão 766). “Nenhum homem possui
todos os conhecimentos; e é pela união social que eles se complementam uns aos
outros, a fim de assegurarem o bem-estar mútuo e progredirem. Eis porque,
tendo necessidade uns dos outros, são feitos para viver em sociedade e não
isolados” (comentário de Kardec a questão 768). - Lei do Progresso: “A humanidade progride por meio da melhora
gradativa dos indivíduos que se esclarecem (…) Pela pluralidade das
existências, o direito à felicidade é o mesmo para todos, pois ninguém é
deserdado pelo progresso (…)” (comentários de Kardec a questão 789). Uma
civilização completa se reconhecerá “pelo desenvolvimento moral (…)
somente terão o direito de dizerem-se verdadeiramente civilizados, quando
tiverem banido de sua sociedade os vícios que a desonram e que vivam como
irmãos, praticando a caridade cristã (…)” (questão 793) - Lei de Igualdade: “Todos os homens são submetidos às mesmas leis
naturais; todos nascem com a mesma fragilidade, estão sujeitos às mesmas
dores; o corpo do rico passa pelo mesmo processo de destruição que o do pobre.
Deus não concedeu, portanto, superioridade natural a nenhum homem, nem pelo
nascimento, nem pela morte: são todos iguais diante dele” (comentário de
Kardec à questão 803) “Deus criou todos os espíritos iguais, mas cada um
individualmente viveu mais ou menos tempo e por conseguinte granjeou maior ou
menor número de aquisições. A diferença está no grau de experiência e na
vontade, que é o livre-arbítrio (…) (questão 804) “Assim, a
diversidade de aptidões do homem não se relaciona com a natureza íntima de sua
criação, mas com o grau de aperfeiçoamento que tenha chegado como espírito
(…)” ( comentário de Kardec à questão 805). - Lei de Liberdade: O homem é dotado de um livre-arbítrio relativo a
seu grau de evolução e ao resultado de suas ações. A fatalidade com se entende
vulgarmente, não existe. Somos hoje o que fizemos de nós mesmos ontem e
seremos amanhã o que construirmos hoje. Desta maneira se pode dizer que
fatalidade existe, quando entendida no sentido da “posição que o homem
ocupa na Terra e as funções à ela inerentes, como conseqüência do gênero de
existência que o Espírito escolheu, como prova, expiação ou missão. Sofre ele,
fatalmente, todas as vicissitudes dessa existência, e todas as tendências,
boas ou más, que lhe são próprias; mas a isto se reduz a fatalidade, porque
depende de sua vontade ceder ou não a estas tendências. Os detalhes dos
acontecimentos estão sujeitos às circunstâncias que ele mesmo provoque, por
seus atos, e sobre os quais podem influir os Espíritos, pelos pensamentos que
lhe sugerem” (comentários de Kardec – 872) - Lei de Justiça, Amor e Caridade: “A justiça consiste no respeito
aos direitos de cada um” (questão 875). O verdadeiro sentido da caridade,
como a entende Jesus é “Benevolência para com todos, indulgência para com
as imperfeições alheias, perdão as ofensas” (questão 886). “A lei de
amor e de justiça proíbe fazer ao outro o que não queremos que nos seja feito;
condena, por esse mesmo princípio, todo meio de ganho que seja contrário a
essa lei”. (comentário de Kardec à questão 884).
A máxima por excelência que define a moral espírita, e resume todas as leis
morais, é “Fora da Caridade não há salvação”, entendendo-se por caridade o amor
ativo aos semelhantes e não simplesmente a “esmola” material. É equivalente ao
“Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo com a si mesmo”.
– Análise
“O verdadeiro Espírita não é o que crê as
comunicações, mas o que procura aproveitar os ensinamentos dos Espíritos. De
nada adianta crer, se sua crença não o faz dar sequer um passo na senda do
progresso, e não o torna melhor para o próximo” – Máximas extraídas
do ensinamento dos espíritos, Allan Kardec, O Espiritismo em sua mais simples
expressão.
Tanto o Espiritismo como o Budismo enfatizam a necessidade da vivência de
seus ensinamentos. Conhecimento sem prática é inútil. As quatro nobres verdades,
constatando que o sofrimento é resultado de nossa ignorância e nos mostrando os
meios para superá-lo, são perfeitamente concordantes com os ensinamentos
espíritas. A vivência delas se enquadra dentro das leis morais reconhecidas
pelos Espíritas e são maneiras diferentes de expressar as mesmas regras morais
ensinadas por Jesus.
A diferença na ênfase dada ao sofrimento, que no Budismo é o ponto de partida
e para o Espiritismo uma conseqüência da inferioridade de nosso mundo, não chega
a ser motivo de divergência. É interessante porém o leitor ter em mente essa
pequena sutileza.
Para o Espiritismo o objetivo do progresso espiritual é a felicidade do ser,
conseqüentemente também a libertação do sofrimento, porém o próprio sofrimento
pode ser um instrumento benéfico para o espírito atingir a felicidade –
mostrando-lhe as conseqüências de seus erros, incentivando-o ao esforço para
progredir, forçando-o a avançar quando estagnado. Como o Espiritismo considera a
lei do progresso uma lei natural, a qual todos os seres estão sujeitos, além das
situações decorrentes da lei da Causa e Efeito há outras escolhidas pelo próprio
espírito. Vidas entre grandes dificuldades, situações bem suportadas pelo
espírito, servem-lhe de oportunidades de testar seu valor e de adquirir
conhecimentos e virtudes que o auxiliarão no seu progresso espiritual.
(Publicado no Boletim GEAE Número 431 de 05 de março de 2002)