Escravo do Pecado
Há quem imagine, baseado na letra de um ou outro texto escriturístico, que
para salvar-se nenhuma outra coisa se faz necessária ao homem senão que ele
creia em Jesus-Cristo.
“Crer em Jesus”, na opinião de tais criaturas, é aceitar como regra de fé que
a “efusão do sangue generoso do Justo tem o poder de lavar todos os pecados do
crente”.
Argumentam, conseqüentemente, que as boas obras são Jesus, não são filhos de
Deus, mas sim filhos do Diabo, pré-condenados à perdição eterna, etc.
Quer-nos parecer, entretanto, que a lídima Doutrina Cristã é bem diferente.
Haja vista que, no lanço em epígrafe, Jesus se dirige a alguns dos que creram
nele e, longe de acenar-lhes com privilégios especiais, diz-lhes claramente que
só há um modo de se darem a conhecer como discípulos seus: “permanecerem na sua
palavra”, isto é, seguirem-no fielmente imitando-lhe a vida de serviço em favor
dos semelhantes.
Seus ensinos, calcados no amor a Deus ao próximo, são a mais pura expressão
da Verdade. Conhecê-los e exercitá-los significa, pois libertar-nos da
ignorância, da superstição e d egoísmo, que geram o sofrimento, ganhando aquele
estado de alegria e de paz interior que caracteriza “o reino dos céus”.
A condição sine qua non para nos incluirmos entre aqueles definidos na
segunda oração do versículo 31: “sereis verdadeiramente meus discípulos”, deu-a
o Mestre na primeira: “SE permanecerdes na minha palavra”. Não há, por tanto,
como sofismar: só é cristão, efetivamente aquele que permanece fiel à palavra do
Nazareno, amando e servindo ao próximo, como que rena ser amado e servido.
A confirmação desta exegese, temo-la em profusão por todo o Evangelho,
notadamente neste outro tópico de João (13:34-35), onde o Cristo nos diz: “Um
novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros tanto como eu vos amei.
NISTO (Em vos amardes uns aos outros) conhecerão todos que sois meus
discípulos.”
Os recém-conversos não entenderam, porém, de pronto, a que tipo de libertação
o Mestre se referia, e daí o lhe terem respondido daquele jeito: “nunca fomos
escravos de ninguém; como, pois, nos dizes que seremos livres ?“
Ensinando-lhes, então, que “todo aquele que comete pecado é escravo do
pecado”, Jesus reafirma a Lei de Causa e Efeito, que caberia ao Espiritismo
elucidar minuciosamente, segundo a qual cada um se faz responsável pelos maus
atos que pratique, devendo expiá-los na medida exata dos agravos ou danos
causados a outrem.
Somos livres na semeadura do Bem ou do Mal; todavia, uma vez feita a escolha,
as boas ou más conseqüências serão a “colheita obrigatória” daquilo que
houvermos feito.
Se a opção foi pelo Bem, ficamos com um crédito da mesma espécie, que se
manifestará infalivelmente em nossa vida, em moedas de bênçãos e felicidades;
se, entretanto, a opção foi pelo Mal, ficamos necessariamente em débito com a
Justiça Divina (escravos do pecado cometido), sendo que, neste caso, o preço do
resgate se expressará em dores e aflições proporcionais ao que fizemos sofrer.
Se isso não se der na mesma existência, dar-se-á em outra ou outras, mas, de
forma nenhuma ficaremos impunes, eis que “aquilo que o homem semear, isso mesmo
há-de colher”.
Assim, pois, o fato de alguém pertencer a esta ou àquela religião, não o
isenta, absolutamente, do cumprimento das Leis de Deus; pelo contrário, quanto
melhor as conheça e compreenda tanto maior sua obrigação de observá-las, porque
“a quem mais foi dado, mais lhe será pedido”.
(Revista Reformador – janeiro de 1965)