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Basta um “click”

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Enéas Canhadas

A palavra “click” vem do inglês do fim do século XVII, e já foi devidamente abrasileirada (clique) e significa produzir um ruído curto, leve e nítido, sem ressonância, provérbio de origem onomatopaica (palavra ou som que exprime o som natural da coisa significada) ou como encontramos no dicionário Aurélio que se trata do som produzido pelo ar expelido pela boca coma língua presa atrás dos dentes. Já na informática acabou sendo o som produzido quando apertamos o “mouse” querendo dizer que o barulho que faz tem o som de um clique. Muito mais do que o significado de sons das coisas, a verdade é que as coisas que nos acontecem na vida atualmente, têm a facilidade ou a dificuldade de um clique. A expressão basta um clique passou a significar como as coisas são fáceis ou como elas acontecem e se precipitam com essa rapidez no nosso dia-a-dia. Podemos viver ou morrer num clique. Talvez pudéssemos até mesmo substituir a expressão “aconteceu num piscar de olhos” para “aconteceu num clicar do nosso dedo”.  Os problemas que decorrem dessa metamorfose comportamental estão interferindo profundamente em nossas vidas, afastando-nos do caráter de progresso lento e gradativo, do acontecimento das coisas. Não podemos esquecer do caminho natural do desenvolvimento humano descrito por Jean Piaget (1896-1980 – renomado psicólogo e filósofo suíço, conhecido por seu trabalho pioneiro no campo da inteligência infantil) Seus estudos tiveram um grande impacto sobre os campos da Psicologia e Pedagogia, tendo nos ensinado que a inteligência é o mecanismo de adaptação do organismo a uma situação nova e, como tal, implica a construção contínua de novas estruturas. Esta adaptação refere-se ao mundo exterior, como toda adaptação biológica. Desta forma, os indivíduos se desenvolvem intelectualmente a partir de exercícios e estímulos oferecidos pelo meio que os cercam. O que vale também dizer que a inteligência humana pode ser exercitada, buscando um aperfeiçoamento de potencialidades, que evolui desde o nível mais primitivo da existência, até as mais complexas chegando à compreensão do que é simbólico. Sendo assim o comportamento é construído durante a vida das pessoas estando formado por volta dos 16 anos e quanto mais oportunidades a pessoa tiver durante os primeiros anos de sua vida, mais ricas as trocas com o meio e com ambiente acontecerão, portanto mais aprendizado e mais qualidade desse mesmo aprendizado.  Mas, com o advento do clique, o que aconteceu? Passamos a ter a ilusão de que tudo pode ser aprendido e absorvido pelo milagre do clique. Significa que os nossos filhos passaram, não só a querer e exigir como também pensar que tudo pode ser imediato e fácil, fazendo parecer que o mundo está ao alcance das suas mãos. Do ponto de vista pedagógico isso é um desastre para o desenvolvimento humano e os pais e mestres precisam saber disso porque, na verdade já estão muito atrasados. Do ponto de vista moral, isso nos faz ficar paralisados num estado de egoísmo que nos retarda e dificulta a evolução.

Os nossos filhos não sabem mais esperar o caminho natural das coisas. Não têm mais paciência para acompanhar o desenvolvimento, inclusive o seu próprio. Tudo ficou “possível” de se conseguir no agora, no momento em que eles querem que as coisas aconteçam. Perdeu-se de vista a ideia de que uma semente, uma vez plantada, precisa germinar para depois começar o seu caminho de desenvolvimento até tornar-se uma erva, arbusto ou árvore. Assim tudo se faz na natureza, inclusive o nosso futuro. Isso nos faz perder de vista a ideia fundamental da evolução enquanto um processo que se constrói através de sucessivos ciclos de crescimento, que nos fazem passar muitas vezes pelos mesmos lugares para uma espécie de aprimoramento das idéias, da compreensão e da aquisição do que viremos a saber mais amplamente num futuro próximo.

Estamos perdendo o contato com esses ciclos evolutivos. Fomos tomados por uma sensação generalizada de ansiedade que nos faz pensar que podemos trazer o futuro até nós de uma forma mágica e de acordo com o nosso querer e conveniência. Compramos coisas através de um clique. Gostamos e desgostamos através de cliques. Nos apaixonamos e desapaixonamos também através de cliques. Amamos e odiamos em cliques de emoções que logo depois perdem o sentido. Consideramos algo vital para logo depois, num clique, desprezarmos e abandonarmos a nossa busca. A vida passou a ter o sentido de quanto mais cliques formos capazes de produzir para conseguir preencher espaços vazios ou ociosos dentro de nós. Tornamo-nos grandes produtores de cliques mágicos que nos presenteiam nos natais da vida. Que acarinham as nossas mães no seu dia ou que enchem de fantasias o dia da criança. Produzimos cliques para tudo, para todos os gostos e para todos os momentos. Amamos num clique. Nos apaixonamos num clique.

Corremos um enorme risco de passar a vida num clique e, como acontece no computador, nos será difícil perceber que com a facilidade de clicar em todos os momentos das nossas vidas, não saímos do lugar. O clique é milagroso porque substitui a necessidade de sairmos de onde estamos. O clique produz virtualmente as coisas que antes precisávamos de tempo, dedicação e muito trabalho para vê-lo pronto e acabado. O clique tornou-se um poderoso controle remoto da vida e o ato de ficar em frente a televisão produz a mesma ilusão hipnótica de pensar que a vida é vivida e experienciada através de sucessivos e incontáveis cliques.

A experiência, como nos diz a própria palavra ex + peri + ciência, nos impele à necessidade de tomar ciência, contato com o que existe à nossa volta (peri) na periferia da nossa existência e isso nos obriga a vir para fora (ex) de nós mesmos. O que é mais importante nisso é que vir para fora de nós mesmos, não é possível através de cliques, mas sim através do movimento de sair de si mesmo, olhar e reconhecer, tomando ciência e consciência do que nos cerca e do que a vida nos oferece. As oportunidades que a vida nos oferece e impõe são para serem aproveitadas e não contempladas platonicamente.  As oportunidades constituem-se em portais de experiência e de vivência, pelos quais temos que entrar com pena de, ou não sair do lugar, ou entrar para uma outra clareira de conhecimento da nossa própria trajetória. As oportunidades são portais para o desconhecido que contém o que nos será conhecido e com o qual vamos compor a nossa sabedoria futura. É assim que a vida nos contempla com as realizações pelas escolhas que fazemos. Clicar nos imobiliza enquanto viver a experiência nos movimenta e nos coloca em atividade. Modernamente é como escolher entre ser massageado passivamente por uma máquina (um aparelho ou equipamento que nos massageia os músculos enquanto ficamos deitados, ou como uma cama que se dobra produzindo em nós o movimento de fazer abdominais) ou fazer, verdadeiramente o movimento abdominal, que requer uma atuação pessoal e o esforço necessários para flexionar músculos e pernas, pelo ato voluntário do exercício que nos determinamos realizar.