Enéas Canhadas
Esta forma de dizer ideias em provérbios é a expressão que, através dos anos se mantém imutável, aplicando exemplos morais, filosóficos e religiosos. Os provérbios e os ditados populares constituem uma parte importante de cada cultura que historiadores e escritores vem tentando descobrir o que não é tarefa fácil. Por vezes, muitos acontecimentos se escondem atrás de uma expressão ou dito até que seja de uso comum. São maneiras por certo, muito antigas, e que possuem um ritmo e musicalidade, quer seja pelas rimas, quer sejam pela sua métrica que ao serem repetidas lhe reforçam o sentido, além de expressar verdades incontestáveis. Esse foi tirado de uma lista de provérbios portugueses grafado exatamente como o encontrei. Propositadamente preferi a forma de redação original. Encerra uma verdade muito conhecida que para o nosso cotidiano pode significar até mesmo uma afirmação que, em geral, deixamos velada.
É muitíssimo comum que “achemos” coisas e assim emitimos generosamente ideias, opiniões, pontos de vista, e principalmente julgamentos a respeito de situações, fatos e pessoas. Os julgamentos vêm sempre embutidos. Parecem mais com uma espécie de vírus ou bactérias que estão em praticamente tudo que pensamos e falamos.
O antídoto? O Mestre nos ofertou gratuitamente. “Não julgueis para que não sejais julgados” (Evangelho segundo Mateus, cap. 7, verso 1) Talvez seja essa afirmação uma das mais simples existentes nos Evangelhos, porém, suponho, uma das mais difíceis de ser colocada em prática. Os nossos julgamentos são mais velozes do que os próprios pensamentos. Uma parte da dificuldade reside num automatismo que existe dentro de nós, pois as nossas percepções precisam a todo o momento, ser analisadas e julgadas. É da distância existente entre a nossa percepção e ação que decorrem as nossas possibilidades de resolução, quer sejam para uma luta adequada à gravidade das situações apresentadas, quer sejam para que sejamos capazes de fugir a tempo de qualquer perigo ou ameaça.
O sentido moral de não julgar os outros, certamente está na condição de individualidade que deixa de ser respeitada, quando nos oferecemos para dizer aos outros o que é melhor para eles, sendo que o melhor para cada um depende sempre de uma decisão pessoal, única e intransferível. Você pode estar pensando que muitas pessoas perguntam às outras o que acham disto ou daquilo, mas na verdade estamos procurando aprovações que terão sempre o caráter superficial de ser um gosto ou preferência de alguém para nós e não em nós. Eu posso ser levado a comprar uma roupa influenciado por alguém que achou que ficava muito bem em mim, porém depois ao usar essa roupa com a convicção de que era, verdadeiramente, do meu gosto, exigirá uma decisão interna que vai depender de uma percepção e julgamento bem lá dentro do meu ser. Podemos nos deixar influenciar para agradar aos outros, aí já estamos falando de outras percepções e de outras decisões internas.
Situação mais complexa ainda se dá quando alguém parece não saber o que é bom para ela, e então se coloca inteiramente dependente das opiniões de outras pessoas, ou do que outras pessoas irão decidir por ela, se há de ser de uma maneira ou de outra. Nesse caso também estamos falando de outras dificuldades dos seres humanos que poderão ser discutidas oportunamente.
Quando o Mestre sugeriu não julgar tratava-se de um profundo conhecimento da condição humana que leva as pessoas a pensarem que podem conhecer o íntimo do semelhante. Ninguém pode conhecer o nosso íntimo, pelo fato de que eu não posso ser você nem por uma fração de segundo, e nem você pode ser eu, também nem mesmo por uma nano fração de tempo. Não é sem razão que o conto do sol e da lua nos relata
“Quando o SOL e a LUA se encontraram pela primeira vez se apaixonaram perdidamente e a partir daí começaram a viver um grande amor. Acontece que o mundo ainda não existia e no dia que Deus resolveu criá-lo, deu-lhes então o toque final… o brilho! Ficou decidido também que o SOL iluminaria o dia e que a LUA iluminaria a noite, sendo assim, seriam obrigados a viverem separados para sempre”.
Esse conto parece ter algo em comum com a narrativa do primeiro livro da Bíblia, o Gênesis, quando relata que “Deus pois, fez os dois grandes luminares: o luminar maior para governar o dia, e o luminar menor para governar a noite; fez também as estrelas. E Deus os pôs no firmamento do céu para alumiar a terra, para governar o dia e a noite, e para fazer separação entre a luz e as trevas”. Tais textos e registros, na verdade, falam da individualidade dos seres como obra do Criador único e sem igual e que criou espíritos também únicos e indivisíveis. Assim sendo, a integridade diz respeito ao ser único que não pode conter nem parte nem outro inteiro dentro de si e que também não pode ser contido por outro no todo ou em parte.
A proposta de não julgar é, antes de tudo, uma condição moral para que o amor, pelo menos em alguma dose possa ter lugar, uma vez que, ao julgar nos falta o amor, mas o amor quando não se manifesta pleno, poderia ser um amor menor? Não é concebível que tenhamos pequenos, médios e grandes amores. Assim sendo a moral vem em lugar do amor que ainda não chegou. E se a moral nos mostra que esse amor ainda não chegou e que nos faz julgar ao nosso semelhante, o jeito de sermos alertados para a falta de amor é a condição moral que assim, nos faz pensar, que ao julgar nos daria a onipotência de conhecer a outra pessoa na sua intimidade, isto é, vale dizer, ser capaz de ler a sua alma. Isso nos faz parar e pensar e, aos poucos, na medida do possível de cada um, permitir que nos aproximemos da prática amorosa.