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Mensagem para o Brasil

Mensagem para o Brasil

Já há alguns anos gozamos a felicidade de uma situação
política democrática – ainda que tão conturbada e nem sempre respeitada – em que
podemos nos servir do voto, do protesto, de manifestações, de reivindicações, de
greves, na busca de melhoria das condições sociais, num país em que as
desigualdades são absurdamente gritantes, atingindo atualmente um nível que eu
classificaria de praticamente insustentável.

É por isso que hoje, apesar de tantas arbitrariedades inerentes a esse
neoliberalismo desenfreado que campeia na maior parte dos centros decisórios do
país, causa profundo espanto encontrar publicada por um jornal espírita da
atualidade uma mensagem de um espírito que se assina “Emmanuel”,
psicografada em 1971, em plena ditadura, autoritária a ponto de decretar um AI5
fechando o Congresso Nacional, capaz de fazer calar e desaparecer vozes de
ilustres cidadãos que ainda bradavam pelo respeito aos direitos civis e humanos
dos brasileiros, mensagem que, naquele tempo, dentro daquele contexto,
expressava as seguintes idéias:

(…) “Se o Brasil puder conservar- se na ordem e na dignidade, na justiça e
no devotamento ao progresso que lhe caracterizam os dirigentes, mantendo o
trabalho e a fraternidade, a cultura e a compreensão de sempre, para resolver os
problemas da comunidade e, com o devido respeito a personalidade humana… (…)
E vai aí afora, dissertando sobre seus altos desígnios de Pátria do
Evangelho
, como se, mais uma vez, pudéssemos aceitar a idéia de povo
eleito
.

Esse texto, reproduzido atualmente, quando já se conhece um pouco melhor o
que ocorreu naqueles tristes anos no que se refere particularmente à justiça, à
fraternidade, ao respeito às criaturas e à sua liberdade de pensar, de ir e vir,
direitos esses garantidos não só pela lei natural mas também pelas leis humanas,
leva a inúmeras reflexões, nenhuma delas, lamentavelmente, favorável.

Kardec foi muito claro quando recomendou, na Introdução do Evangelho Segundo
o Espiritismo, ítem II, que toda teoria em contradição com o bom senso, com
uma lógica rigorosa e com dados positivos que possuímos por mais respeitável que
seja o nome que a assine, deve ser rejeitada
: assim como foi Emmanuel quando
recomendou a Chico Xavier que, se em algum momento ele se afastasse dos
princípios espíritas, que Chico o abandonasse e ficasse com Kardec. Nós, porém,
não só aceitamos conceitos contraditórios com a doutrina que espontaneamente
escolhemos, como ainda os divulgamos envoltos num clima de dogmatismo que não
admite nenhuma análise, nenhuma crítica, nenhuma contestação, ainda que bem
intencionada e, sobretudo, indicando claramente o equívoco.

Ainda nessa mesma mensagem, em determinado trecho, esse “Novo” Emmanuel
afirma: “Embora nos reconheçamos necessitados da fé raciocinada com o
discernimento da Doutrina Espírita, é forçoso observar que não é a queda dos
símbolos religiosos aquilo que mais carecemos (…) mas sim de uma nova versão
deles (…)”
E então nos lembramos que a Doutrina Espírita não se serve de
símbolos religiosos de espécie alguma, como também deles não se serviu o
querido mestre galileu, modelo de absoluta simplicidade, e que portanto uma
nova versão deles
seria absolutamente inútil para nós, espíritas – desde que
esclarecidos e verdadeiramente adeptos da codificação kardequiana…

O que me leva a externar essas reflexões acerca dessa mensagem é o medo, medo
sim, queridos companheiros de ideal, medo de ver repetir- se o que já vimos
acontecer tantas vezes devido à nossa passividade, à nossa covardia, ao nosso
comodismo – o que fez de nós, no decorrer de tantos séculos, no mínimo,
cúmplices omissos de deturpações engendradas fria e calculadamente por um
restrito grupo de mentes altamente inteligentes, intelectualizadas e ambiciosas,
que não hesitavam em enganar os ingênuos, os crédulos, em servir-se de métodos
excusos e da hipocrisia mascarada de bondade, de complacência, de compreensão,
de caridade…

A maioria de nossas publicações parece ter sido realizada e impressa no
Vaticano, tal a quantidade de matérias de cunho fortemente místico – aliás,
temos até uma Casa Mater e nossos centros espíritas vêem-se designados
templos de oração
; nos eventos, “participantes de cadeira cativa”, sempre os
mesmos, são designados pelos termos tão apreciados pelos manipuladores de
outrora e de hoje: tribuno, excelso, confrade, confreira etc; as reuniões,
seminários, encontros, congressos, parecem concílios e conclaves católicos,
acompanhados de cantos que apelam para o sentimentalismo das pessoas presentes,
de preces recitadas em voz alta e em conjunto, de palanques transformados em
verdadeiros altares com toalhas brancas, rendadas, e flores (só nos faltam, por
enquanto, as velas…) – uma cópia do que vem acontecendo em outras filosofias
evangélicas, recentemente, dirigentes “espíritas” reuniram-se em um encontro
estadual para definir, hierarquizar e assumir a coordenação de projetos.
Mais uma vez estamos presenciando impassíveis uma determinada classe pretender
impor seus conceitos pessoais à massa de adeptos, falando até mesmo em
hierarquizar

Observando tantas distorções e manipulações que hoje vem sendo consumadas no
meio espírita e vendo quão poucas vozes se levantam para soar o alarme, ainda o
medo torna-me audaciosa, embora não tanto quanto os que se atrevem a manusear de
forma tão inadequada os preceitos claros e transparentes da nossa Doutrina
Espírita. E para refrescar a nossa memória, transcrevo o início da mensagem do
Espírito Erasto, a respeito dos “falsos profetas da erraticidade” (ESE, Cap.XXI,
item 10):

“Os falsos profetas não existem apenas entre os encarnados, mas também, e
muito mais numerosos, entre os Espíritos orgulhosos que, fingindo amor e
caridade, semeiam a desunião e retardam o trabalho de emancipação da Humanidade,
impingindo-lhe sistemas absurdos, através dos médiuns que os servem. Esses
falsos profetas, para melhor fascinar os que desejam enganar, e para dar maior
importância à suas teorias, disfarçam-se inescrupulosamente com nomes que os
homens só pronunciam com respeito.”

(Publicado no Correio Fraterno do ABC Nº 359 de Dezembro de 2000)