É um tanto comum encontrarmos nos textos da Codificação espírita, os termos arrancar o mal de si, arrancar da consciência, extirpar o mau sentimento, destruir o egoísmo…
Para uma parte dos espíritas não há estranhamento, mas para outros há, por uma razão simples, natural e perfeitamente compreensível, de que houve ampliação do conhecimento sobre o funcionamento da psique humana, deixando claro que características morais, ou seja, comportamentais, não podem ser retiradas como se fosse um dente estragado. Elas são fruto de formas de pensar, conceitos enraizados, geralmente condicionados pelo tempo de uso; automatizados em nossa mente, que os memorizou e fixou, mesmo que não se perceba isso.
No tempo da Codificação, tanto por conta da Ciência quanto da religião dogmática, o entendimento generalizado era de que o mal ‘entrava’ na pessoa. Portanto, teria que ser tirado, extirpado, se fosse reconhecido na personalidade de alguém. Tanto que os castigos físicos aplicados às crianças ou auto infligidos, eram comuns e considerados naturais no processo educacional da época. Até se considerava honroso o autoflagelamento, em nome da disciplina de costumes e da melhoria moral. As chamadas mortificações, que visavam neutralizar as influências malignas que o pecado original exerce sobre as almas, estavam presentes na sociedade cristã, não só entre os clérigos, mas também entre os muito religiosos. Utilizada de várias formas, sempre tendo o sacrifício como solução.
Até hoje se nota o condicionamento da necessidade de punição e mortificação, observável quando uma pessoa se priva de algo de que gosta e que lhe faz bem, porque desagradou alguém que lhe é significativo ou porque “caiu em tentação” e esqueceu regras ou se equivocou.
Bem como, não é tão difícil observar pessoas que se ferem sem querer, após pensamentos ou atos que reprovam em si, por terem internalizado o mecanismo mental de que se errou precisa ser punida, pagar e sentir dor.
Condutas desse tipo, mais comuns do que se pensa, em pessoas de todas as idades, mostram que numa sociedade há Espíritos com grande diversidade de entendimentos, que vão desde os remanescentes das épocas passadas, até os representantes das ideias mais renovadas e futuristas. Todas convivendo, mesclando-se, interagindo e até degladiando, em nome da verdade…
Torna-se um ponto de sabedoria pessoal relativa, observar essa dicotomia, essas nuances, os contrastes e até as contradições, que em boa parte existem de forma subconsciente, mas direcionando as condutas.
Imaginar, e pior, conduzir-se considerando que todos pensam de fora igual a sua é um tanto de infantilismo ou de prepotência.
Se no século XIX, o da Codificação, o pensamento predominante conceituava a extirpação das más tendências e ideias, é natural que encontremos essas expressões nas obras de Kardec, o que em nada diminui seu altíssimo valor. Ao contrário, mostra que ele era um homem inserido em seu tempo, embora com visões ampliadas e capacitado a perceber e entender o mundo de coisas novas/velhas que se apresentou diante de si.
Ele mesmo deixou escrito que o Espiritismo não era a palavra final, a não ser quanto aos Princípios, leis universais, cujo entendimento acompanharia a evolução da Ciência e do próprio ser humano.
E há detalhes nas palavras dos Espíritos da Codificação, deixando ver que alguns tinham uma visão muito além daquele tempo, mas cuja manifestação, evidentemente, foi um tanto embaraçada pelos recursos mentais mediúnicos dos seus intermediários.
Seja como for, se nossa visão de mundo for religiosa o suficiente, para nos pedir que sigamos a risca algum livro sagrado ou algum mestre venerado, cada palavra de O Livro dos Espíritos e sobretudo de O Evangelho Segundo o Espiritismo, serão lidas e entendidas como “palavra de Deus” e adotadas como lei, custe o que custar.
Nesse caso, teremos um comportamento estruturado, montado e planificado num ideal que estabelecemos para nós. E quando não o atingimos, estaremos nos mortificando, punindo e até nos “escondendo” para não verem nossas falhas.
Pensar e ser assim é do direito de consciência de cada um e deve ser respeitado, mas leva à hipocrisia, mesmo sem intenções disso! É porque nesse aspecto, a pessoa ainda está muito teórica e autoritária, não sabendo buscar a naturalidade das formas gradativas e pessoais, de aplicação do conhecimento.
Mas, se já entendemos e conseguimos vivenciar, um pouco que seja, que a individualidade que somos vem se estruturando nas milenares reencarnações, dando-nos cada vez mais arbítrio sobre as escolhas, modos de pensar e conduta, lidamos conosco de forma diferente. Aceitamos a nossa realidade circunstancial e jogamos fora a pretensão de ser uma pessoa ideal.
Um excelente amigo espiritual tem ensinado que somos apenas reais e não ideais. Pensemos nisso…
Ao aceitar-se como é, com falhas e virtudes, não se entra em pânico ao perceber que o empenho de melhoria, não está funcionando ou vive em altos e baixos. Nesse caso, lembremos ser Espíritos da terceira ordem da Escala Espírita e por isso termos condicionamentos mentais que ainda nos dominam.
A capacidade de mecanizar/condicionar em si mesma é boa. Mas abusamos dela, até por desconhecê-la ou não avaliar seu poder.
Ela se faz pela repetição da ideia ou comportamento, às vezes vindo de outras encarnações, que se fixaram na mente e criam as sinapses neuronais no cérebro do corpo atual, pois este funciona segundo a mente, que é do Espírito.
As sinapses são o recurso cerebral para a expressão do Espírito. Mas elas dificultam a superação, porque queremos, mas o cérebro ainda está funcionando da outra forma, na medida em que é rápido mudar o pensamento, mas tudo na matéria densa demora para acontecer. Ou seja, é preciso insistir, treinar e querer de verdade, porque um querer leviano não altera nada, pois vem e vai, permitindo que a conduta habitual e as sinapses continuem predominando.
Assim, se quisermos fazer extirpações morais, vamos brigar conosco, ferir-nos e dar, cada vez mais, a força das nossas energias à ideia condicionada, reforçando-a.
Mas se nos tratarmos com o entendimento da lei de evolução, gradativa e constante, sustentada pelo arbítrio atuado pela vontade, estaremos tirando a importância daquela ideia, disfarçando a percepção de que ela voltou, distraindo a mente com algo, para não lhe dar energias e em seguida, pensando lúcida e fortemente no que queremos estabelecer para nós.
Esse é um processo educacional pessoal, e assim nossas qualidades e valores abraçam essa técnica e aninham com amor a nova ideia/postura, que criará novo condicionamento, pela repetição. E serão formadas novas sinapses neuronais, desfazendo as anteriores.
E a vitória chega quando as recaídas desaparecerem e a nova conduta prevalecer, de vez.
Na época da Codificação, as palavras indicavam a necessidade de uma escolha e uma firmeza de propósitos, o que permanece absolutamente válido, correto e necessário, se quisermos nos melhorar moralmente.
O entendimento e as técnicas é que mudaram, pelo avanço da Ciência, trazendo maior compreensão dos mecanismos mental/cerebral, mas tudo continua em nossas mãos. E não poderia ser diferente!
Ps.: Os conceitos aqui emitidos não expressam necessariamente a filosofia FEAL, sendo de exclusiva responsabilidade de seus autores.