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Sermão do Monte – Eu porém vos digo….

Ouvistes que foi dito: Olho por olho e dente por dente.

Eu, porém, vos digo que não resistais ao mal; mas, se qualquer te bater na face direita, oferece-lhe também a outra;

e ao que quiser pleitear contigo e tirar-te a vestimenta, larga-lhe também a capa…

(Mateus, 5: 38 a 40)

Ouvistes que foi dito: Olho por olho e dente por dente.

Ouvistes que foi dito – A formação da personalidade é feita por etapas. Ouvimos o que é dito. Elaboramos novos conceitos a partir do que ouvimos, selecionamos o que convém, desfazemo-nos daquilo que não encontra apoio em nossa consciência. Agimos, fixando os novos valores.

O Cristo, a manifestar-se em nossa intimidade, constantemente nos impulsiona a rever o que já foi dito e assimilado, indicando um novo caminho mais seguro a seguir.

É preciso conhecermo-nos, ouvir o que grita em nosso interior; analisar e gravar para sempre os valores libertadores do Amor.

Olho por olho e dente por dente – É a lei de talião. Segundo entendimento dos Escribas e Fariseus, era a lei da vingança.

Olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé, assim está escrito no Êxodo 21:24. Em Levítico 24:20 está ainda mais explícito: quebradura por quebradura, olho por olho, dente por dente; como ele tiver desfigurado a algum homem, assim se lhe fará

Nenhum texto das escrituras pode ser analisado somente em seu sentido literal. Este foi o erro dos antigos, e é ainda o de muitos dos novos fariseus.

Para analisar este trecho, temos que observar dois aspectos. Primeiro, que o olho por olho realmente é uma realidade como aplicação da Lei de Causa e Efeito.

…porque todos os que lançarem mão da espada à espada morrerão[1].

Falando desta forma, Jesus nos alerta para a necessidade de buscarmos as causas de nossos sofrimentos atuais em nossa própria conduta..

Assim se lhe fará, diz o texto bíblico, ou seja, não fomos designados pelo Criador para fazer justiça; isto é função da Lei e não do homem. Este entendimento antigo é deficiência de interpretação dos textos sagrados. Ademais, se a justiça é um dos componentes da Lei Maior da Vida, não podemos esquecer que a Misericórdia também o é. Se o próprio Cristo disse: Misericórdia quero e não sacrifício[2], como a mostrar a necessidade de vivenciarmos o sentimento do perdão, o que não dizer de Deus que é Todo Amor e Infinito em Perfeição?

Não temos jamais, devido às nossas deficiências, condições para avaliar o processo em que o nosso semelhante está envolvido. Isto fica explícito na afirmativa de Jesus: Não julgueis… Portanto, se não nos é lícito julgar, como condenar?

O segundo aspecto a ser visto é como era o comportamento da sociedade no tempo de Moisés. Não existia lei regulando a convivência; era a força que determinava o direito. Então, quem tinha mais poder e condições ditava as regras. Implantando assim a lei de justiça, Moisés dava um passo enorme como preparação para o advento do amor, que teve no Cristo a sua personificação.

Pensando desta forma, o olho por olho, dente por dente era um avanço para a humanidade daquele tempo. Mas hoje não é mais assim, já temos os ensinamentos de Jesus e a Revelação Espírita a nortearem a nossa conduta.

Eu, porém, vos digo que não resistais ao mal; mas, se qualquer te bater na face direita, oferece-lhe também a outra…

Eu, porém, vos digo que não resistais ao mal – Resistais é o verbo “resistir” no presente do subjuntivo; que em seu significado natural quer dizer “oferecer resistência”. Mal é aquilo que traz prejuízo; o que é nocivo. Genericamente, podemos dizer que mal é tudo aquilo que contraria às sábias Leis do Criador; é tudo que é contrário ao bem.

A princípio, a afirmativa de Jesus – não resistais ao mal – parece contrária aos Seus ensinamentos. Mas notamos que o Eu ,porém, vos digo, vem afirmar que é Ele, o Governador Espiritual da Terra; Espírito Puro incapaz de errar, quem diz. Desta forma não há erro, é preciso retirar destas palavras o ensinamento devido.

Quando analisamos a questão da resistência, vemos que para opor resistência a alguma coisa é preciso fazer uma força igual em sentido contrário. Aqui, trata-se de resistir ao mal. E, raciocinando desta maneira, para oferecer tal resistência, é preciso fazer a mesma força ,ou seja, o mal, em direção contrária, isto é, àquele que nos fez. Esta fórmula induz à vingança, a alimentar o ódio em suas origens. É por isso que Jesus condena a resistência ao mal; não que não devamos lutar contra ele, mas a forma é que deve ser diferente, segundo observação do convertido de Damasco:

Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem.[3]

…mas… – O mas é uma conjunção que neste caso contrapõe a ideia que vai ser exposta, à anterior. Assim Jesus explica o que Ele quer dizer, e como fazer para que o não resistais ao mal, seja uma atitude positiva.

…se qualquer… isto é, quem assim o fizer; indistintamente.

…te bater na face direita… – a expressão bater na face direita nos leva a pensar em uma ação agressiva. Sempre que esta ação ocorre contra a nossa pessoa ou às pessoas de nossa relação ou ainda a quem achamos ter sofrido alguma injustiça, a nossa primeira reação é contra-atacarmos no mínimo com outra agressão no mesmo nível. O que nos leva a tal procedimento senão posições de orgulho, vaidade, ou presunção de nossa parte? Quando realizamos esta autoanálise a que o Cristianismo Redivivo nos remete, é importante notar que se a agressão for desferida sem fundamento, pouco ou nenhum valor damos a ela, e que quando há reação de nossa parte, é porque a consciência nos acusa de alguma forma.

Assim, antes de reagirmos contra aqueles a quem nos achamos com o direito de tal procedimento, observemos se não é o melindre, o orgulho ferido ou ainda a vergonha de ter sido descoberto em erro que nos induz a tal posicionamento. Se for, a proposta do Cristo é a de autocorrigenda, conforme expressam as palavras do Apóstolo Paulo:

E não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus.[4]

…oferece-lhe também a outra… – Oferecer a outra face, longe está de satisfazer-se em ser agredido. O Evangelho não apoia posturas de baixa estima.

A proposta do Cristo, com relação à agressão, é mostrar o outro lado da questão. Se somos vítimas da incompreensão, atendamos à necessidade de compreender; se a ira alheia nos atinge, exemplifiquemos a paz dissolvente do ódio; se prejudicados pelo egoísmo, lembremos que só o amor nos liberta do sofrimento.

Novamente nos socorremos das sábias palavras do Apóstolo das Gentes:

Portanto, se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber; porque, fazendo isto, amontoarás brasas de fogo sobre a sua cabeça.[5]

No instante em que realmente conquistamos a condição de pacificadores, nosso agressor sente seu erro; e a sua atitude negativa leva-o a um necessário remorso – indutor de transformações – muito bem definido pelas palavras brasas de fogo sobre sua cabeça.

…e ao que quiser pleitear contigo e tirar-te a vestimenta, larga-lhe também a capa…

…e ao que quiser … – …e ao que quiser, exprime uma ação em favor do seu querer, do objeto de seu desejo. É comum discutirmos com as pessoas sobre como se movimentam em busca do que querem, e até com referência ao próprio objeto de cobiça. Se é lícito ou não, ou se não seria melhor buscar alternativas. Isto tudo é muito natural, principalmente após adotarmos uma conduta renovadora como a prática cristã. Se foi bom para nós, logo queremos que os amigos, parentes e afins adotem o mesmo comportamento. Mas daí a exigir-lhes que assim o façam é outra história. Cada um elege para si, comportamento conforme o seu grau evolutivo; a nossa hora é agora, todos terão a sua.

É importante esta observação do Cristo: ao que quiser. Tem de haver o querer; a vontade é fator decisivo para todas as conquistas, só de posse dela passaremos com segurança pelas provas inerentes ao próprio aperfeiçoamento. Nós já conhecemos; como temos encaminhado o nosso querer?

…pleitear contigo … – A ação definida pelo verbo pleitear inspira disputa, luta, discussão. O verdadeiro cristão não é afeito a estas contendas. Sabe ele quais são os valores verdadeiros, e que estes não são motivo de disputa, pois tais conquistas são individuais, intransferíveis. Entende ele com muita naturalidade, o a César o que é de César; a Deus o que é de Deus.
O pronome contigo define a pessoa com quem se fala. Neste caso, somos nós que já estamos escutando as palavras do Mestre. A partir deste instante em que o nosso sentimento já consegue captar a Verdade proferida por Ele, nova criatura somos, portadora de mais responsabilidades, digna de novas atitudes.

…e tirar-te a vestimenta… – tirar-te, arrancar-te, tomar-te.

A vestimenta é algo necessário, sem a qual não podemos nos manifestar diante das pessoas. Desta forma, o seu significado no contexto é o das coisas necessárias para nos apresentarmos tais quais somos. O verdadeiro discípulo do Evangelho sabe o objetivo de sua existência. Conhecedor das Leis Universais, têm a certeza de que nada lhe faltará para o cumprimento de sua tarefa.

Assim, mesmo sendo de caráter necessário, a vestimenta não é sua preocupação maior. Se lhe tirarem esta, a Vida lhe encaminhará outra. Afinal, não é o corpo mais importante que o vestido? E o Criador, quando se fez necessário não lhe deu um novo, objetivando a reencarnação?

…larga-lhe também a capa… – o larga-lhe a que se refere o Cristo tem no desapego uma de suas características.

É comum aos Espíritos situados em nossa faixa de evolução deixar determinadas coisas em favor daqueles que dizem amar. Acontece que constantemente estão reclamando a falta do objeto ou da exigência do ser amado em possuí-lo. É que ainda presos às conquistas mundanas, cultivamos o apego a tudo e a todos. Não nos esqueçamos de que o Cristo, Libertador de Almas por Excelência, ao dizer para o Jovem Rico quais as condições necessárias para segui-lo, colocou o desapego como primordial:

…vai, vende tudo o que tens, dá-o aos pobres e terás um tesouro no céu; e vem e segue-me.[6]

Assim mostra o Senhor que é preciso não só largar os bens, mas acima de tudo desvincular deles.

O advérbio também designa que já foi deixado a vestimenta, é preciso dar mais, largar também a capa.

A capa, ao contrário da vestimenta, é acessório. Encobre-nos de uma forma ou de outra, nos fazendo parecer o que não somos. Se a proposta da renovação cristã por nós adotada nos faz despreocupados com a vestimenta básica, o que não dirá dos acessórios. Logo, é preciso abandonar este mundo de coisas que vamos acumulando com o decorrer do tempo, em favor de outros que mais necessitam.

A roupa em nossos aposentos que há meses não usamos, pode aquecer a muitos de nossos irmãos.

O pão que alimenta a nossa gula; sustentará quem nada tem.

A louça que se empoeira em nossos armários; pode ser vasilha necessária a muitos…

Assim, meditemos nas palavras Daquele que é todo Sabedoria:

…e ao que quiser pleitear contigo e tirar-te a vestimenta, larga-lhe também a capa…

[1] Mateus, 26: 52
[2] Mateus, 12: 7
[3] Romanos, 12: 21
[4] Romanos, 12: 2
[5] Romanos, 12: 20
[6] Mateus, 19: 21

Texto extraído do livro: O Sermão do Monte

 

Por: Claudio Fajardo de Castro