O Direito à Vida
O Código do rei Hamurabi, instituído em 1780 a.C. na Babilônia, era de um
rigor férreo, tão cruel como as barbaridades cometidas pelos fanáticos talibãs.
Para Hamurabi os ladrões deveria ter suas mãos amputadas e os fofoqueiros
deveriam perder a língua. Somente no século VI d.C., com o estabelecimento do
Direito Romano e mais tarde (séc. XVIII) com as idéias liberais do Iluminismo, a
punição para todos os delitos recebeu regras e começou a ser observadas à
luz da instituição da Ciência do Direito.
Situações como essa levaram o jurista italiano Cesare Beccaria dizer no
ensaio Dos Delitos e das Penas, em 1764: “Qual pode ser o direito que se
atribuem os homens para trucidar os seus semelhantes?” Esta é, sem dúvida, uma
questão atual.
Kardec, o mestre por excelência, perplexo diante do quadro tão devastador,
pergunta ao Espíritos Superiores:
“Desaparecerá algum dia, da legislação humana, a pena de morte?
Incontestavelmente desaparecerá e a sua supressão assinalará um progresso da
Humanidade. Quando os homens estiverem mais esclarecidos, a pena de morte será
completamente abolida na Terra. Não mais precisarão os homens de ser julgados
pelos homens. Refiro-me a uma época ainda muito distante de vós.”
Cesare Beccaria e Allan Kardec nos leva a refletir sobre a condição humana
atual, nos levando a questões como esta: o homem que mata perde, com isso, o
direito à própria vida?” E Kardec, mais uma vez pergunta, agora na questão 761:
“A lei de conservação dá ao homem o direito de preservar sua vida. Não usará
ele desse direito, quando elimina da sociedade um membro perigoso?
Há outros meios de ele se preservar do perigo, que não matando. Demais, é
preciso abrir e não fechar ao criminoso a porta do arrependimento.”
Na Revista Super Interessante, Edição 171, dezembro 2001, colhi algumas
informações estarrecedoras, que mostra a sociedade brasileira dividida sobre
essa questão. Em pesquisa realizada no mês de setembro pela Confederação
Nacional dos Transportes (CNT), 44,9% dos consultados declarou-se a favor da
pena de morte. Os contrários 48,2%. Uma sondagem realizada em Super on line
no mês de outubro (2001) mostrou que em cada dez internautas, seis se
manifestaram a favor da pena capital. Em 1999, o Ibope contabilizou 63% em favor
da pena de morte.
Cerca de 90 países praticam a pena de morte. Na França, por exemplo, a
guilhotina só foi aposentada em 1981.
O custo atual de uma execução nos Estados Unidos é de 2,5 milhões de dólares,
e apesar de tudo “a pena capital não consegue deter os crimes capitais”,
como afirma Hugo Adam Bedau, professor de Ciência Política na Universidade de
Tufts, no Estado americano de Massachusetts.
Situações como essa levou o escritor francês Albert Camus, dizer revoltado:
“A pena capital é o mais premeditado dos assassínios”.
Na REVISTA INTERNACIONAL DE ESPIRITISMO, ano LXXXVI – Nº 11, Matão, dezembro,
2001, colhemos na Carta publicada pela Associação Brasileira dos Magistrados
Espíritas – ABRAME, a seguinte declaração:
“O direito à vida é inviolável, não podendo a legislação afastar-se dos
postulados que garantem o pleno exercício de viver, sob pena de serem destruídas
as bases da convivência humana.” E mais: “O ser humano é responsável pelo que
pensa e faz, colhendo, no decorrer de sua história espiritual, os frutos de seu
aprimoramento ou os efeitos dolorosos de seus desequilíbrios e invigilâncias, em
caminho de aprendizagens e sensibilizações sempre superiores.”
E para que não fique dúvidas sobre o assunto, vamos ao encontro de Kardec, na
questão 764:
“Disse Jesus: Quem matou com a espada, pela espada perecerá. Estas palavras
não consagram a pena de talião e, assim, a morte dada ao assassino não constitui
uma aplicação dessa pena?
Tomai cuidado! Muito vos tendes enganado a respeito dessas palavras, como
acerca de outras. A pena de talião é a justiça de Deus. É Deus quem a
aplica. Todos vós sofreis essa pena a cada instante, pois que sois punidos
naquilo em que haveis pecado, nesta existência ou em outra. Aquele que
foi causa do sofrimento para seus semelhantes virá a achar-se numa condição em
que sofrerá o que tenha feito sofrer. Este o sentido das palavras de
Jesus. Mas, não vos disse ele também: Perdoai aos vossos inimigos? E não vos
ensinou a pedir a Deus que vos perdoe as ofensas como houverdes vós mesmos
perdoado, isto é, na mesma proporção em que houverdes perdoado,
compreendei-o bem?”
(Publicado na REVISTA INTERNACIONAL DE ESPIRITISMO, Ano LXXVII, Nº 11, pág.
579, Dezembro de 2002).