Um Falso Dilema
É o Espiritismo Ciência ou Religião?
Procuraremos, neste breve artigo, sugerir que esta é uma falsa questão. Ao
codificar a Doutrina Espírita, Allan Kardec estabeleceu urna linha de raciocínio
impecável, extremamente simples e lógica, e que partiu da consagrada Lei da
Causa e Efeito: “Se todo efeito possui urna causa” – argumentava ele – “os
efeitos inteligentes possuem causas inteligentes, não podem ser frutos do
acaso”. O Universo, em seu maravilhoso equilíbrio e em sua extrema beleza, é o
efeito mais inteligente que o homem conhece. Sua causa é, portanto, também
inteligente e a ela, Kardec denomina Deus. As Leis que regem o Universo são,
portanto, Leis de Deus, cabendo ao Homem, em sua caminhada evolutiva, procurar,
cada vez mais, conhecê-las e respeitá-las.
Mas, qual é exatamente o domínio da Ciência? Qual o da Religião? A oração,
por exemplo, é um ato religioso ou pode ser objeto da pesquisa científica? Os
dicionários nos informam qual é o significado que a sociedade atribui à cada
palavra. Diz o Aurélio que “ciência é um conjunto organizado de conhecimentos
relativos a um determinado objeto, especialmente os obtidos mediante a
observação, a experiência dos fatos e um método próprio”. Quanto à religião, o
mesmo dicionário define como “crença na existência de uma força sobrenatural,
considerada como criadora do Universo, e que, como tal, deve ser adorada e
obedecida.”
Parece residir nessas definições a origem do velho conflito entre ciência e
religião. Ciência tida como “conhecimento”, enquanto religião é “crença”. A
primeira se apóia em “observação e método”, a segunda em “adoração de força
sobrenatural”. Mas, ainda segundo o Aurélio, a natureza abrange “todos os seres
que constituem Universo”. Portanto, por definição, o Sobrenatural é tudo o que
não existe! E por conseqüência, religião seria a adoração de algo inexistente.
Fica evidente a origem da polêmica: a linguagem “oficial” relaciona ciência ao
raciocínio e religião ao misticismo.
Entretanto, já há quase um século e meio, Allan Kardec inaugurava uma Nova
Era, superando este aparente conflito ao estabelecer que as Leis da Natureza são
as próprias Leis de Deus. Não pode haver uma verdade científica e outra verdade
religiosa. Eis porque fé raciocinada é a única realmente inabalável: ela
concilia a razão ao coração.
A divisão entre ciência e religião é inteiramente artificial: foi criada
pelos homens, não existe no Universo. Um fato é verdadeiro ou falso: não pode
haver urna Lei para a Academia e outra para a Sacristia. A Natureza, que é o
próprio Universo, não se restringe a nenhum desses limitados territórios.
O que o Homem não consegue explicar ele classifica como religião. Quando seu
conhecimento avança sobre determinado assunto, o mesmo tema, antes desprezado e
ridicularizado, é “promovido à nobre categoria de objeto da ciência”. Então,
perplexa, a pretensiosa Academia lhe retira o pejorativo e dúbio rótulo de
“sobrenatural”.
Em sua edição de 29 de abril de 1998, a revista Veja divulga oportuna
entrevista com o cardiologista americano Dean Ornish, autor de diversos sucessos
no campo da literatura médica e que tem, entre seus clientes, inúmeras
celebridades de Hollywood e do mundo empresarial. além do poderoso presidente
Clinton e seus familiares.
Por exercer urna medicina um tanto estranha aos “padrões oficiais”, durante
vinte anos este médico foi encarado com absoluto ceticismo pela comunidade
científica. Porém o tempo – esse implacável juiz – encarregou-se de demonstrar
que os métodos do Dr. Ornish produziam resultados mais que satisfatórios: ele
consegue reverter as doenças cardíacas de 90% de seus pacientes!
Conheçamos um pouco de suas teorias: “Não se ensina isso na maior parte das
faculdades, mas a sobrevivência saudável está intimamente ligada a fatores que
por muitos anos consideramos do domínio das religiões ou dos gurus orientais.
Refiro-me aos fatores subjetivos, como a meditação, a oração e a busca da
intimidade (…)”. O médico menciona também recentes pesquisas, desenvolvidas na
Universidade do Texas com centenas de pacientes submetidos a cirurgias
cardíacas, e cujos resultados indicaram que aqueles que consideravam sua
religião uma fonte de segurança, e que não eram solitários, apresentavam um
índice de sobrevivência cinco a sete vezes superior aos demais operados”.
Não há, nessas afirmações qualquer novidade! Há dois mil anos os primeiros
cristãos, simples pescadores, carpinteiros e pastores, já conheciam as virtudes
da oração e da solidariedade. Viver isoladamente é não praticar o amor ao
próximo. Mas, mesmo naquela distante época, estas idéias também não eram novas.
Quinhentos anos antes de Cristo, Siddartha Gautama, o Buda, já as ensinava e
séculos antes dele outros líderes espirituais já as transmitiam, pois, a Verdade
transcende às nossas aparentes certezas científicas tanto quanto aos nossos
provisórios dogmas religiosos.
Revista Espírita Allan Kardec, nº 40.