“O ritual – que consiste em molhar o ombro esquerdo, o direito e depois
as costas da imagem – simboliza a purificação da mente” (Uma breve
explicação do ritual de despejar água em uma imagem de Buda menino. Este
ritual fez parte de uma celebração budista que teve lugar no parque
Ibirapuera, comemorando o nascimento, a iluminação e a morte de Buda.
“Celebração faz o Ibirapuera virar templo budista”, Mauro Mug, Jornal O Estado
de São Paulo, 27 de maio de 2002)
“Pense em todos os milhões de homens e mulheres que inclinaram suas
cabeças em oração enquanto acendiam velas. Será que alguém acredita que Buda,
ou qualquer outra imagem do absoluto, precisa de uma vela para enxergar ou se
aquecer ? Acender uma vela é um ato simbólico, uma forma ritualizada de
oferecer luz a escuridão. A vela simboliza a luz interna e a sabedoria
luminosa que nos guia através da escuridão da ignorância e da confusão. A
chama brilhante da vela é um lembrete externo da luminosidade interna e da
clareza – a chama viva espiritual que brilha no templo do coração e da alma“.
O Despertar do Buda Interior, cap. “Hoje, agora mesmo”, Lama Surya Das, trad.
Anna Lobo, ed. Rocco.
No Budismo, os rituais tem um papel importante de auxiliares nas práticas de
meditação e de formas simbólicas de expressão dos seus ensinamentos.
O papel do simbolismo pode ser avaliado em sua correta dimensão quando se
considera que a Doutrina foi ensinada oralmente por Buda e só posteriormente
transcrita. Mesmo após seu registro na forma escrita, a forma mais valorizada da
passagem do Dharma foi, e continua sendo, a transmissão viva de um mestre para
seus discipulos. Assim, simbolos e rituais correspondem a uma forma muito eficaz
de fixar ideias e memorizar ensinamentos complexos.
Também o contato do Budismo com outros povos, e sua grande tolerância
religiosa, o levou a absorver práticas de diversas origens e transformá-las
conforme sua mensagem. Assim, por exemplo, encontramos no Budismo Tibetano
rituais que remontam as práticas ancestrais do Tibet.
Em essência seria possível conceber o Budismo sem rituais. É perfeitamente
possivel seguir o caminho óctuplo sem eles e nada nas “Quatro Nobres Verdades”
está amarrado a suas práticas. Mas seria uma visão muito parcial e despojaria o
Dharma de toda sua riqueza simbólica acumulada em mais de 2.500 anos de
história.
– Espiritismo
“653 – A adoração tem necessidade de manifestar-se exteriormente ? – A
verdadeira adoração é a do coração. Em todas suas ações, lembrem sempre que o
senhor os observa”. O Livro dos Espíritos“653a – A adoração exterior é útil ? Sim, se ela não representar um vão
simulacro. É sempre útil dar um bom exemplo, mas os que o fazem apenas por
afetação e por amor-próprio, e cuja conduta desmente a sua aparente piedade,
dão um exemplo antes mau do que bom, fazem mais mal do que supõem”. O Livro
dos Espíritos.
O Espiritismo não tem rituais, principalmente por considerá-los
desnecessários frente a prática sincera do amor ao próximo. Importante observar
que ele respeita todas crenças sinceras e suas formas de manifestação.
Normalmente as reuniões espíritas são organizadas conforme a finalidade do
grupo, há reuniões de estudo de obras espíritas, reuniões com palestras
doutrinárias, reuniões de auxilio espiritual, onde se aplicam passes e reuniões
mediúnicas dos mais diversos tipos. As manifestações mediúnicas variam
grandemente, desde reuniões dedicadas a psicografia ou a pintura mediúnica, até
o atendimento a espíritos sofredores desencarnados.
As aplicações de passe também tomam formas diferentes conforme as
características dos grupos e o tipo específico de ação curativa que se almeja
alcançar. Embora em alguns grupos as aplicações de passe possam parecer gestos
ritualísticos, são na realidade técnicas desenvolvidas ao longo do tempo para
dar maior eficiência a transmissão dos fluidos magnéticos aos pacientes.
Sem fugir ao escopo deste artigo, gostaria de observar que os passes são
aplicados com o intuito de assistência ao próximo e essencialmente não são
exclusividade da doutrina espírita. Embora sua origem remonte a antiguidade – o
próprio Jesus o aplicava aos doentes – seu estudo moderno foi retomado a partir
de Mesmer no século XVIII e reconhecido pela doutrina espírita como uma das
conseqüências da existência do espírito humano e do perispírito. Os termos
“fluido” e “magnetismo” devem portanto ser entendidos dentro de um contexto
próprio, evitando-se confusão com a nomenclatura atual da física.
O conjunto de conhecimentos que forma a Doutrina Espírita tem como uma de
suas formas principais de transmissão a palavra escrita. Desde as obras básicas
de Allan Kardec até as obras espíritas da atualidade, os espíritos e os
espíritas tem preferido a forma direta de exposição. Também, por seu caráter de
ciência experimental, os conhecimentos são resultados de pesquisas e análises,
reprodutíveis dentro de regras próprias da comunicação com o plano espiritual
(1). Assim o papel do simbolismo religioso dentro da doutrina espírita é
bastante limitado ou praticamente inexistente.
– Análise
A distância que separa o Budismo do Espiritismo na questão dos ritos é
exatamente a distância histórica entre o surgimento de cada um dos dois. O
Budismo tendo nascido em uma época e cultura onde a tradição oral era o veículo
por excelência da transmissão de uma filosofia, desenvolveu técnicas apuradas de
simbolismo. Seus ritos e símbolos são a representação viva de seu conteúdo
doutrinário. O Espiritismo por outro lado, tendo nascido imediatamente após o
Iluminismo, no período que para a cultura ocidental ficou conhecido como o
Século das Luzes, se empenhou em transmitir diretamente seus conhecimentos,
principalmente através da palavra escrita. Dentro deste contexto, para o
Espiritismo, os rituais e os símbolos não trariam contribuição efetiva e são
considerados dispensáveis.
1 – No estudo do mundo material, ao qual se dedica a Física, é importante
para uma ciência que todos os seus fenômenos sejam reprodutíveis por quaisquer
experimentadores, dadas as mesmas condições de experimentação. Assim a lei da
gravidade de Newton, ou as equações de onda de Maxwell, podem ser verificadas
por qualquer cientista que se disponha ao empreendimento.
No caso da Ciência Espírita, onde se estudam fenômenos ligados ao espírito
humano, que tem um grau de liberdade muito maior que as grandezas físicas, a
reprodução dos experimentos exige muito maior preparação do experimentador e
principalmente muito maior compreensão das condições de contorno que podem
afetar o experimento. Assim, para reproduzir os trabalhos de Sir William Crookes
com as materializações de Kate King o experimentador teria não somente de obter
uma médium com possibilidades mediunicas equivalentes as de Miss Florence Cook,
como também teria de ter a mesma seriedade nos propósitos. Na ciência do
espírito, o estado de espírito do experimentador influência decisivamente os
resultados – alguém dedicado a experiências frívolas ou sem maiores propósitos
de edificação espiritual encontraria somente espíritos do mesmo gabarito a
auxiliá-lo. Provavelmente não passaria de resultados medíocres e de fraudes
vergonhosas.
(Publicado no Boletim GEAE Número 442 de 13 de agosto de 2002)