Tamanho
do Texto

Entrevista com o Último Discípulo de Eurípedes Barsanulfo

Sr. Bráulio Alves de Oliveira era o último discípulo de Eurípedes Barsanulfo
ainda encarnado. Morava com suas filhas, em Uberlândia, e antes de desencarnar
nos concedeu uma entrevista narrando sua convivência com um dos maiores médiuns
e divulgadores da doutrina espírita no Brasil.

Nascido em 1892, na cidade de Sacramento-MG, apesar da avançada idade,
continuava narrando as histórias centenárias… como poucos… Fora criado na
cidade natal, casou-se por duas vezes, e teve nove filhos. Lúcido, seu semblante
se iluminava ao relembrar sua convivência com o professor Eurípedes Barsanulfo,
no início do século passado.

Izabel – Como era conviver com Eurípedes?

Bráulio – Tenho muita coisa boa para lembrar. Fui seu aluno de 1910 a 1915.
Nesse período, frequentei o Colégio Allan Kardec no curso chamado superior e
dentre as aulas que Eurípedes dava estava português, francês, astronomia e
geometria. Todas elas eram boas, porque ele não se ligava apenas no que estava
no livro. Ampliava o ensinamento, dava a lição e depois explicava o porquê das
coisas. Professor como ele é muito difícil de se ver.

Izabel – Qual a maior lição aprendida com Eurípedes?

Bráulio – A maior lição que aprendi é que somos seres humanos como todos, mas
devemos compreender a missão que cada um tem. Eu mesmo vim aqui para servir e
não

ser servido. Sempre gostei de trabalhar. Trabalhei como professor,
guarda-livros, escrivão, tabelião, como carpinteiro. Trabalhei muito! Aprendi
com ele.

Izabel – Como o senhor se tornou espírita?

Bráulo – Meu pai – Francisco Alves de Oliveira – sempre foi um homem muito
correto, mas apolítico e sem religião. Porém meu irmão mais velho, Abílio Alves,
era muito estudioso e logo se interessou pela doutrina assim que o Espiritismo
chegou em Sacramento. Em seguida, nós fomos também.

Izabel – Como era o movimento espírita iniciante?

Bráulio – Eurípedes era a chave principal. No colégio ele era professor. Não
misturava as coisas. Mas quando se tratava do movimento espírita, falava de
maneira que a cidade toda ouvia. Ele tinha um hábito muito engraçado.
Alimentava-se muito pouco. Ia para a escola cedo, levava dois ovos que tomava
crus. Era a refeição.

Izabel – O senhor trabalhou com Eurípedes?

 

Bráulio – Como espírita, eu não trabalhei com a mediunidade de incorporação,
mas tinha muita “força mediúnica”. Eurípedes me colocava para trabalhar tomando
conta dos obsidiados que dormiam no Colégio, que chegavam de todo lugar, para se
tratar com ele. Ficávamos nós quatro: eu, Francisco Magalhães, Jerônimo Cândido
Gomide e o irmão de Eurípedes, Homilton. Muitos chegavam amarrados, em
camisa-de-força. Às vezes, Eurípedes chegava de manhã e falava: “essa noite eu
vim até aqui (em espírito) e vi um tanto de espíritos brincando por cima de
vocês, mas vocês podem continuar sossegados”. Era uma garantia, não tínhamos
medo mesmo. Sempre havia de seis a oito que dormiam no Colégio. Fizemos isso por
uns três anos.

Izabel – O que lembra sobre as curas e seus desdobramentos?

Braúlio -Era aniversário de Marcílio Gomide e Benigno, seu amigo, veio de
Franca-SP para a festa em sua casa. Num momento, o queixo de Benigno se deslocou
e ele, sem conseguir fazê-lo voltar, foi embora para sua cidade à procura de
socorro. Chegou a ir até Ribeirão, e também nada. Resolveu, então, voltar para
Sacramento e procurar Eurípedes. Diante de Benigno, Eurípedes deslocou seu
próprio queixo, em seguida colocou-o no lugar e depois foi mexer no queixo de
Benigno. Num instante o problema estava resolvido.

Era muito comum Eurípedes ser avisado pelos espíritos que alguém vinha de
longe buscá-lo para algum socorro. Em espírito, ele ia prestar o socorro e
quando a pessoa chegava, ele avisava que já havia socorrido e aproveitava para
dar o medicamento, tranqüilizando o mensageiro.

Certa vez estávamos quatro alunos no quadro negro. Eurípedes permanecia do
lado em pé. Isso acontecia diversas vezes. Ele ficava quietinho e a sala logo
percebia e comentava: “Seu Eurípedes já foi”, fazendo referência ao seu
desdobramento. A gente ficava em silêncio esperando ele voltar e contar o que
havia acontecido. Nesse dia ele voltou e disse: “Acabo de assistir à assinatura
do Tratado de Versalles, na Sala dos Espelhos, na França, onde estavam presentes
tais e tais políticos. Em breve o mundo estará em paz!”. Era o prenúncio do fim
da Primeira Guerra Mundial.

(Publicado no Boletim GEAE Número 462 de 2 de setembro de 2003 )