São Paulo 450 Anos – O Espiritismo na TV Tupi
As gerações mais jovens, que cresceram navegando na Internet e com a comodidade dos canais por cabo ou por satélite, talvez não tenham idéia do que era a importância de uma emissora de televisão nas suas primeiras décadas. E menos idéia ainda do que significou para o Espiritismo sua presença na programação destas emissoras.
Padrão de Ajuste da TV TUPI*
A transmissão regular de televisão começou no Brasil em 18 de setembro de 1950 com a inauguração da Televisão Tupi Difusora (TV TUPI) na capital paulista. Foi a realização de um sonho de Assis Chateaubriand (1892-1968), que assim trazia para o Brasil um novo meio de comunicação que já existia há algum tempo nos Estados Unidos.
A programação de 1951 era transmitida ao vivo, em branco e preto, para cerca de três mil receptores, muitos dos quais em locais públicos e disponibilizados pela própria Tupi. Em 1952 nasceu em São Paulo a segunda emissora da cidade, a TV Paulista, em 1953 veio a TV Record. Em 1961 nasceram a TV Excelsior e a TV Cultura. Em 1966 a TV Paulista encerra suas atividades e cede seu canal para a TV Globo. Em 1967 nasce a TV Bandeirantes. Estas seriam as emissoras que disputariam a preferência do telespectador nos anos 60 e 70.
O jornalismo surgiu quase que imediatamente na TV e no imaginário popular ainda perduram as recordações do “Repórter Esso” transmitido pela TV Tupi a partir de 1952.
Em 1953 chegou aos lares, através da TV Paulista, o “Circo do Arrelia”, outro programa que faria época e que é inesquecível para quem foi criança na São Paulo dos anos 50.
Com o desenvolvimento do Videoteipe no final da década de 50, e o seu uso na TV Tupi a partir de 1960, começou a segunda fase da história da televisão no Brasil. Os programas agora podiam ser gravados previamente e editados, findavam-se as limitações de tempo e distância. Pode-se considerar que esta fase se estendeu até o final dos anos 80, pois na década seguinte – nos anos 90 – os canais pagos entraram na disputa pelas preferências dos telespectadores.
A segunda fase é a era de ouro da televisão brasileira. As famílias se reuniam ao redor do aparelho de televisão, normalmente um por residência, visto que na época ele era um eletrodoméstico caro. A luta pela audiência a qualquer preço não havia começado, assim a TV buscava principalmente entreter e educar. Diga-se de passagem que a família mantinha suas estruturas tradicionais e foi em parte por influência da própria televisão, que possibilitava aos brasileiros acompanharem de perto as mudanças da sociedade americana, que as transformações de costumes ocorreram. Realmente era uma televisão muito diferente da que conhecemos hoje, bem menos violenta e com padrões de qualidade mais altos.
Em 1969, quando o homem pisa pela primeira vez na lua, é um mundo interligado por satélites que acompanha o evento ao vivo. Em 1972 é feita a a primeira transmissão em cores: A “Festa da Uva” de Caxias, Rio Grande do Sul.
É justamente neste período de ouro, em 1971, que por duas vezes a TV Tupi, Canal 4 de São Paulo, coloca no ar o programa de entrevistas “Pinga-Fogo” com Francisco Cândido Xavier. A audiência estimada do programa foi de cerca de 20 milhões de telespectadores.
O Pinga-Fogo era um popular programa de entrevistas, em que o entrevistado era sabatinado por todos os lados. Vinham perguntas da platéia, dos entrevistadores, dos convidados especiais e até dos telespectadores por telefone. O primeiro programa, de 28 de julho de 1971, se estendeu das onze e trinta da noite até as três horas da madrugada. Segundo o jornalista Marcel Souto Maior, em seu livro “As Vidas de Chico Xavier”, nada menos que 200 telespectadores ligaram durante o programa e 75% dos televisores paulistas se mantiveram ligados até o final [MAIOR, 1994, pag. 172]. O mesmo jornalista informa que nas semanas seguintes o programa foi reprisado três vezes seguidas, na integra, a pedido dos telespectadores [MAIOR, 1994, pag. 176]. A segunda entrevista foi realizada com o mesmo sucesso em 12 de dezembro.
Com base no sucesso das entrevistas no Pinga-Fogo, é a mesma TV Tupi que em 1976 leva ao ar a novela de Ivani Ribeiro (1922-1995) “A Viagem”, baseada na obra “E a Vida Continua” psicografada por Chico Xavier, do espírito André Luiz. Novamente em 1978 a TV Tupi voltaria ao tema da mediunidade e do Espiritismo com nova novela de Ivani Ribeiro, “O Profeta”.
Se a história do Espiritismo brasileiro pode ser dividida em duas fases – antes e depois de Chico Xavier – a biografia de Chico pode ser dividida em antes e depois do “Pinga-Fogo” e das novelas da Tupi. Em 1971, Chico já era um médium consagrado nos meios espíritas e o Espiritismo uma corrente de pensamento respeitada na sociedade brasileira, mas foi com este programa de televisão que informações completas sobre eles chegaram as salas de milhões de lares. Lares que também acompanhariam, durante meses seguidos, as tramas de temática espírita de Ivani Ribeiro e se familiarizariam com a reencarnação, a comunicação mediúnica e a lei de causa e efeito.
E o sucesso destes programas da TV Tupi abriu caminho para a Doutrina Espírita na televisão brasileira. E não seriam poucas vezes que o Espiritismo voltaria a ser tema de entrevistas, noticiários, novelas e programas de todos os tipos. Até mesmo os detratores da Doutrina, buscando pela televisão denegri-la, tem levado incontáveis telespectadores a procurarem maiores informações do que é esta Doutrina tão citada e com conceitos tão interessantes quanto a vida após a morte e a possibilidade da comunicação com os entes queridos que já fizeram a “grande viagem”.
Um outro fenômeno, que precisa ser melhor estudado, e que possivelmente também deve muito a TV Tupi, é a penetração da Doutrina Espírita no meio artístico. Não são poucos os atores brasileiros que se declaram espíritas e simpatizantes do Espiritismo e não seria surpresa descobrir que seu primeiro contato com a Doutrina tenha sido em novelas ou programas de temática espírita.
Finalizando este artigo sobre a TV Tupi e o Espiritismo não poderíamos deixar de lembrar que ela também forneceu um veículo de comunicação para campanhas assistenciais espíritas como mostra um trecho da entrevista com “Aparecida Conceição Ferreira“, publicada na Folha Espírita de São Paulo de setembro de 1979, onde se fala do “Hospital do Fogo Selvagem” :
“Pedindo esmolas nas vias públicas e recorrendo aos meios de comunicação, sobretudo com a ajuda dos jornalistas Moacir Jorge e Saulo Gomes, este, através da extinta TV Tupi, e contando com o irrestrito apoio de Chico Xavier, Dona Cida ergueu o grande complexo hospitalar destinado ao tratamento da insidiosa enfermidade.”
A TV Tupi encerrou suas atividades em julho de 1980, em meio a grandes dificuldades financeiras, com dividas, salários de funcionários atrasados e problemas com a Previdência. A concessão do canal 4 de São Paulo passou posteriormente para o SBT – Sistema Brasileiro de Televisão – que ainda existe.
* http://www.tvcultura.com.br/aloescola/historia/cenasdoseculo/nacionais/tvtupi.htm
Referências Bibliográficas
- A História da TV, http://www.tvgazeta.com.br/historia.htm, consultada em 16 de maio de 2004.
- GOBI, I. Aparecida Conceição Ferreira. http://www.espiritismogi.com.br/entrevistas/aparecida.htm, consultada em 15 de maio de 2004.
- KARAN, D. TV TUPI: A Pioneira. http://www.tvcultura.com.br/aloescola/historia/cenasdoseculo/nacionais/tvtupi.htm, consultada em 15 de maio de 2004.
- MAIOR, M. S. As Vidas de Chico Xavier. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.
- SAMPAIO, M. F. História do Rádio e da Televisão no Brasil e no Mundo. Rio de Janeiro: Edições Achiamé Ltda, 1984
- XAVIER, Dos Hippies aos Problemas do Mundo. 4ª edição. São Paulo: LAKE, 2003
(Publicado no Boletim GEAE Número 475 de 18 de maio de 2004)
Carlos Alberto Iglesia Bernardo