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A fascinação como sintoma da evolução

Enéas Martim Canhadas

“Nem tudo o que luz é ouro, nem tudo que é feio é mau,
quem não tem o que fazer, vá fazer colher de pau” (provérbio)[1].

A palavra fascinação geralmente é utilizada para falar de sedução ou de atração. Por sua vez, o termo atrair quer dizer puxar para si e também fascinar ou seduzir. Já temos aí uma idéia a respeito do que ocorre conosco quando nos sentimos fascinados. Vamos de um pensamento para outro repassando-os vezes incontáveis, ficando cada vez mais enredados nas mesmas idéias.

O Livro dos Médiuns aponta a fascinação[2] como uma das formas clássicas de obsessão, explicando que “trata-se de uma ilusão criada diretamente pelo Espírito no pensamento do médium”, deixando claro uma interferência de fora para dentro, distorcendo os caminhos da mente.

No sentido psicológico quando uma pessoa está fascinada, trata-se de uma admiração, encantamento, êxtase, um interesse desmedido por uma pessoa ou pelo objeto de fascinação. Pode ser pela sua aparência física, traços, cor da pele, inteligência e outras características, como também por qualidades ou perfil da personalidade que ela apresente.

Mas, por quê nos sentimos fascinados? Temos alguma responsabilidade nisso?

Não há dúvida de que somos responsáveis pela nossa fascinação. Sócrates pode ter sido implacável com a afirmação “o que não temos, o que não somos, o que nos falta, eis os objetos do desejo e do amor”,[3]porém traz sobre a consciência de cada um a responsabilidade e a conseqüência dos nossos atos. Se sofremos pelo que nos falta, disso resulta que vamos querer aquilo que não possuímos. Incomoda muito perceber que alguém possui o que nos falta. Por isso, queremos para nós também o que vemos no outro.

Procurando fazer uma síntese do que nos explica o Livro dos Médiuns e o que a Psicologia nos ensina a respeito do comportamento humano, quando ficamos fascinados ou atraídos por algo ou alguém, quer dizer que estamos vulneráveis e desejosos para suprir a falta da qualidade que vemos na outra pessoa e que nos causa fascinação. Entendendo as conseqüências da fascinação na dimensão espiritual, podemos dizer que, sem grande esforço por parte dos espíritos que nos assediam, será fácil causar a influência, uma vez que, emocionalmente já estamos sensibilizados e nos tornamos frágeis por idéias que nos fazem querer os objetos de desejo. É isso que chamamos de estar propenso, predisposto ou inclinado a fazer alguma coisa.

Então quer dizer que somos imaturos como crianças, queremos justamente o que não temos?

Não é tão simples assim. O que nos falta, é exatamente o que nos atrai impulsionando-nos para a frente. Podemos dizer que vivemos perseguindo satisfazer pequenas ilusões. Enquanto vivemos, sofremos e nos esforçamos buscando realizar e esperar conquistas nas nossas vidas, temos oportunidades para que as verdadeiras transformações íntimas possam acontecer nessa trajetória. Progredir é legítimo e harmoniza-se com a lei natural do progresso[4]. Por exemplo, quando você faz um enorme esforço para adquirir um bem muito desejado através de um plano de pagamento a prestações, está ao mesmo tempo, correndo atrás de uma ilusão, porque os bens materiais não vão embora conosco, e passando por experiências que ajudam a moldar e aprimorar o Espírito. Afinal de contas é preciso paciência, tenacidade, honestidade e outras qualidades para que sejamos capazes de manter as nossas dívidas em dia e desfrutar do conforto e alegria proporcionada pelos bens adquiridos visando satisfazer nossas ambições. Muitas coisas que desejamos possuir são apenas meios para o nosso aprimoramento. O que nos modifica não é o que conquistamos mas é a luta e perseverança em chegar ao objetivo.

Sendo práticos e menos filosóficos, por quê somos possuídos pelas ilusões ?

Antes de mais nada é uma coisa muito fácil de deixar acontecer. É confortável sentir-se e deixar-se atrair. Atende aos desejos, à imaginação, à criatividade, à fantasia e uma enorme demanda de satisfação de necessidades e prazer que possuímos. O ser humano é propenso ao prazer das recompensas. Sentimo-nos atraídos e cedemos muito fácil às tentações. Nisso pautamos a nossa vida. Como apanhar laranjas no pomar quando nem o dono e nem o seu cão de guarda estão por perto. Atraentes e atraídos somos todos. São forças que se complementam dentro de nós compondo a nossa maneira de ser e de agir. Uma pseudo felicidade nos invade todas as vezes que encontramos afinidades com as pessoas. Sentimo-nos interessados e facilmente atraídos para ouvir dizer que estamos certos, aprovados na maneira de pensar e até mesmo queridos e amados. Na realidade, o ser humano é o mais carente de todos os seres. Pesa sobre os humanos porém, a inteligência, maior que dos animais, como atribuição ética, a realidade do viver consciente das suas carências. Essa condição de seres éticos, atrai também a angústia e a ansiedade que, muitas vezes, podem nos causar culpas e dúvidas surgidas das nossas ações.

Mas é conflituoso gostar e não poder fazer . . . Além disso causa muitas culpas . . .

Conflituoso é mesmo. Quanto às culpas é a nossa herança do que aprendemos a respeito de que quem erra merece ser castigado, em certos casos eternamente. Esta compreensão perde a validade com a Doutrina Espírita. Não há inferno futuro, a não ser o que já está presente nas culpas pelo que ainda não realizamos conforme o que nós mesmos achamos certo e justo. Já falamos do ser ético que somos. Daí nos tornamos ansiosos e angustiados. O Espírito vivente que se aperfeiçoa sempre, é, por assim dizer, em escala reduzida, um exemplo prático das Leis de Deus em funcionamento. Para sermos sábios, buscamos ser virtuosos. Assim promovemos em nossas vidas a ordem, a harmonia e o equilíbrio. A virtude também é uma purificação[5], através da qual o ser humano, esse Espírito em desenvolvimento, aprende a desprender-se do corpo, com tudo o que ele tem de terreno, da condição de matéria densa que se transforma, para estar em busca do Sumo Bem, através da prática das virtudes como a coisa mais preciosa que podemos fazer. Estamos assim, ao buscar a virtude, imitando Deus para conseguir assimilar Deus em nossa compreensão da trajetória eterna da vida. Ser virtuoso é a necessidade que o Espírito humano tem de manutenção e desenvolvimento. O Espírito não se torna virtuoso e pronto. A virtude[6] tem que surgir como história desse Ser. É a condição virtuosa do ser humano que vai fazer de nós seres excelentes, isto é, os Espíritos que, uma vez criados simples e ignorantes, cumprem a sua finalidade de serem perfeitos. Para Aristóteles a virtude[7] deve ser adquirida e duradoura e, enquanto vivemos nesta dimensão planetária, buscando o equilíbrio, cumprimos a condição de humanização. Saímos da condição de hominídeos, isto é, de projetos de homens e mulheres, para atingir a humanização. A virtude pois, é uma disposição adquirida de fazer o bem. É o esforço para se portar bem. Esses esforços constituem os nossos valores morais. Pode ser explicada como uma disposição de coração, de natureza ou de caráter de uma pessoa. Um provérbio, para terminar no mesmo tom que começamos, diz assim “ainda que enterrem a verdade, não sepultem a virtude”[8].

[1] Esta forma de provérbio é de Mário Lamenza. Equivale a “nem tudo que reluz é ouro” e “as aparências enganam”. Citado no Dicionário de Provérbios e Curiosidades, de R. Magalhães Júnior, Edit. Cultrix, São Paulo, 1964.

[2] Livro dos Médiuns, Capítulo XXIII – Da Obsessão.

[3] Citado em Pequeno Tratado das Grandes Virtudes, Comte-Sponville, André, capítulo 18 – O Amor, Edit. Martins Fontes, 1999, São Paulo.

[4] Ver Livro dos Espíritos, Livro Terceiro – As Leis Morais, Capítulo VIII

[5] Citado em O que é Ética, de Álvaro L. M. Valls, Edit. Brasiliense’, Coleção Primeiros Passos, nº 177, 13ª reimpressão, ano 2000, São Paulo.

[6] As reflexões sobre a virtude estão fundamentadas na obra de André Comte-Sponville, Pequeno Tratado das Grandes Virtudes, Edit. Martins Fontes, São Paulo, 1999.

[7] In Medio Stat Virtus, tradução latina do conceito de Aristóteles, que significa: A virtude está no meio, isto é, está no meio-termo, e não nos extremos. Citado no Dicionário de Provérbios e Curiosidades, de R. Magalhães Júnior, Edit. Cultrix, São Paulo, 1964.

[8] Provérbio citado no Dicionário de Provérbios, Adágios, Ditados, Máximas, Aforismos e Frases Feitas, compilado por Maria Alice Moreira dos Santos, Porto Editora Ltd, Porto, Portugal, 2000.

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