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A Música Terrestre

A Música Terrestre

Quase todos os célebres compositores gozam das faculdades mediúnicas que lhes
permitem receber as inspirações do além, traduzir, sob a forma de seu próprio
talento, as grandiosas concepções da eterna harmonia.

Dentre eles, os mais notáveis parecem-nos ser Beethoven, Berlioz e Wagner.

Beethoven deve ser considerado como o verdadeiro criador da sinfonia, e sua
frase, por sua amplitude e beleza, representa a ação musical completa. Sob esse
ponto de vista, seu espírito domina e dominará ainda por muito tempo a música
moderna. Afirmam-nos que recentemente ele ditou a certo médium um hino espírita
destinado às sessões de evocação e que em breve será divulgado.

Também Berlioz foi um sinfonista de grande envergadura; dentre os
compositores franceses, não há outro mais difícil de ser imitado, devido a seu
enorme talento e prodigiosa virtuosidade. Em sua música ardente, apaixonada,
pitoresca, a intenção e a execução se combinam; ela possui o relevo e a força da
região alpina, onde o autor nasceu. Exprime ora o esplendor dos cumes ora o
horror dos abismos. Nela encontramos a voz das torrentes, o murmúrio da
floresta, todas as harmonias da montanha em sua unidade e variedade
impressionantes.

Jamais esquecerei a profunda impressão em mim produzida pela primeira audição
de A Danação do Fausto. Eu não tinha mais do que 20 anos de idade, e foi para
mim, graças à sinfonia, a revelação de um mundo desconhecido, deslumbrante de
riquezas e de maravilhas. Berlioz foi genial demais para ser bem compreendido
por seus contemporâneos; como ocorre com quase todos os inovadores, foi apenas
após sua morte que o público começou a apreciar o talento lírico dele.

Quanto a Richard Wagner, sua colossal obra é inteiramente impregnada de uma
espiritualidade densa e pesada, que se limita de perto com o materialismo, como
todo talento alemão. Porém, às vezes, dessa massa um pouco confusa, e
freqüentemente até mesmo vulgar e banal, brotam jorros musicais que alcançam os
mais altos cumes.

Wagner toma bastante de seus predecessores, porém torna seu o que lhes toma,
revestindo-o de vida original e pessoal.

Nele, infelizmente, o fundo é inferior à forma, e sob esse aspecto sua obra
carece de equilíbrio e de precisão. Suas imagens e temas são terrestres; quando
quer povoar o espaço, e ele o faz sempre através de deuses de máscaras trágicas
e humanas demais, através de criaturas semi-materiais de capacete e armadas,
cavalgando sobre nuvens negras à procura de sangrentas batalhas. São exceções
apenas duas de suas obras: Tristão e Isolda e Parsifal, tomadas das lendas
célticas e cristãs.

Sua música, no conjunto, é sensual e não mantém os espíritos nas altas
regiões do sonho e da beleza. Isto porque Richard Wagner trabalhou apenas para o
teatro, e na ópera, como já vimos, a música permanece presa à palavra e
encontra-se aí, às vezes, uma causa de fraqueza e de inferioridade.

Nesse gênero lírico, para se produzir a mais forte impressão, é preciso que a
forma e o pensamento se equilibrem, se completem e permaneçam equivalentes. A
forma soberba associada a um pensamento pobre dissipa-se rapidamente e não deixa
senão uma impressão indecisa, uma vaga recordação.

Entretanto, apesar de seus defeitos e de suas lacunas, a obra de Wagner tem
lugar fixo dentre as grandes criações musicais. Ela nos mostra uma vez mais que
a arte é de todos os tempos, de todos os países, e não tem pátria.

Porém, tanto em música como em qualquer outra coisa, a Franca revelou-se um
país de equilíbrio: o gosto, a clareza, a medida são para nós as qualidades
essenciais da arte.

Entre os murmúrios melodiosos, os arrulhos quase femininos da música italiana
e as máscaras e possantes sonoridades da música alemã, a música francesa toma o
meio e une as duas escolas opostas numa síntese feita de encanto, força e
beleza.

As obras de Beethoven, Berlioz e Wagner parecem resumir a mais alta
inspiração musical de nosso tempo. Porém o futuro verá surgirem outros homens
mais conscientes do mundo invisível que nos circunda, mais bem dotados das
faculdades mestras que permitem a comunicação com ele.

Eles dotarão a humanidade de tesouros de arte e de poesia, cujas riqueza e
dimensão não poderíamos medir no momento, e que se tornarão para ela uma fonte
inesgotável de júbilo, de verdade, de beleza.

O pensamento, a inteligência são portas da mesma harmonia universal que a
música, e é por isso que esta, sozinha, pode exprimir o que o pensamento, a
inteligência concebem de mais alto e mais sublime.

Pois a vibração sonora não é senão uma manifestação da vida universal.

É por isso que ela desperta um eco nos recônditos mais secretos da alma; ela
reanima em si como que uma vaga recordação dos céus profundos onde nasceu, viveu
e reviverá!

(do capítulo 6 do livro O espiritismo na arte)