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A Passagem

O simples bom senso deveria ser suficiente para se compreender que, no organismo
humano, o mau funcionamento de uma pequena engrenagem pode comprometer muitos sonhos.
Mas escondemos a morte. Nós a temos sempre na mente porque ela se impõe independente
de nós mesmos; mas nunca falamos dela. Outrora, fazia-se o sinal da cruz; hoje em
dia, bate-se na madeira. Portanto, a despeito de se fazer isso ou não, quer o queiramos
ou não, ela estará lá na sua hora. O homo-sapiens, diferentemente do animal, pensa,
mas é tomado de cegueira quando se trata de ver o que é essencial; como se o essencial
fosse justamente não pensar nisso! A que seria devida esta obstinação no desinteresse?

É calúnia pretender que com sua pompa fúnebre, suas missas, seu cerimonial, a
religião católica tenha contribuído em grande parte para a tristeza da perspectiva
da última viagem. Diz-se que no tempo do cristianismo primitivo os enterros se efetuavam
com acompanhamentos de cantos alegres, em cortejos de jovens vestidos de branco
agitando palmas. Seria essa angústia do mistério da vida de além-túmulo, que não
tem podido comover as religiões, o que aperta os corações das testemunhas na partida
para a viagem aparentemente sem retorno?

Não é essencial que o Espiritismo tenha trazido ao homem o conhecimento, pela
intermediação dos médiuns, de uma parte das leis que regem a vida, a descrição do
estado dos seres (entrantes e retirantes) após a grande partida?

O essencial é que o Espiritismo, procurando sob o véu, traz ao ser sofredor um
clarão de esperança que dá a certeza da sobrevivência do ser querido.

NÃO! O ESSENCIAL NÃO ESTÁ NAQUILO QUE TU ÉS.

(conforme J.G.).

A confiança na vida futura não exclui as apreensões provocadas pelo desconhecimento
da passagem de uma vida à outra. A ciência e a religião são mudas nesse assunto
porque lhes falta, a uma e outra, o conhecimento das leis que regem as relações
do espírito e da matéria; uma se detém no limiar da vida material e a outra em fazer
artigo de fé. O Espiritismo dá alguns passos a mais; pelas manifestações mediúnicas
daqueles que deixaram a vida terrestre, permite uma visão mais completa da questão.

A passagem para o lado de lá é diferente para cada indivíduo, em função de certas
leis decorrentes das vidas anteriores e das leis da reencarnação, às quais os seres
humanos estão submetidos. A grosso-modo as diversas situações tornaram-se conhecidas
após a aurora do Espiritismo; é fácil tomar conhecimento do assunto nas obras de
Allan Kardec, particularmente em “O Céu e o Inferno ou A Justiça Divina” onde se
encontram as descrições para toda sorte de situações.

Para facilitar a compreensão da passagem do estado de encarnado (a vida terrestre)
ao estado de desencarnado (a vida no lado de lá), nós decompusemos aqui o movimento
esquematicamente em quatro fases sucessivas (os quatro pontos cardinais do espaço)
que têm apenas um valor didático, porque de fato essas fases são variáveis segundo
o grau de evolução espiritual de cada um.

  • A primeira fase é a separação da alma do corpo físico.
  • A segunda fase é o estado de perturbação, de inconsciência, no qual a alma
    se encontra com muita freqüência, para não dizer sempre, após seu desligamento.
  • A terceira fase é o momento em que o espírito reconhece sua nova situação.
  • A quarta é o período mais penoso; freqüentemente o espírito tem uma visão exata
    do que se tinha imposto fazer ao longo de sua vida terrestre e do que fez em realidade.
    De uma maneira geral, este exame não lhe dá nenhuma satisfação, causando-lhe remorso
    e desejo de reparação.

Essas situações são perfeitamente conhecidas graças ao Espiritismo e aos livros
de divulgação de Allan Kardec; pode-se dizer que a questão está ali perfeitamente
tratada, assim não nos retardaremos a descrevê-las sobre o plano teórico, contentando-nos
em publicar algumas manifestações espirituais relevantes no curso de nosso trabalho.

A primeira fase da desencarnação, isto é a separação do espírito do corpo físico,
malgrado o aspecto dramático que freqüentemente possui, é a fase menos penosa. Assim
quando uma pessoa morre subitamente, em seguida a uma embolia, por exemplo, ouvimos
esta reflexão: «Ela teve uma boa morte» porque não sofreu. Atendo-nos aos fatos,
lembramos que a mãe de um dos irmãos do Grupo morreu subitamente em seguida a uma
embolia e ele foi procurar a Irmã Maria Munoz, nossa fundadora, que ao ver o corpo
lhe disse: “Ela não está mais aí”, a separação da alma e do corpo foi efetivamente
constatada pela médium vidente.

Exemplos de visões da partida do espírito dos moribundos tem sido objeto de numerosas
narrativas nos conhecidos livros espíritas de Ernesto Bozzano ou de Flammarion.
Não acrescentaremos nada mais a isso.

Eis o ponto de vista de Allan Kardec em seu livro “O Céu e o Inferno ou a Justiça
Divina” para o que é a primeira fase:

“A extinção da vida orgânica leva à separação da alma e do corpo pela ruptura
dos laços fluídicos que os une; mas esta separação não é nunca brusca; o fluido
perispiritual se desliga pouco a pouco de todos os órgãos de modo que a separação
não está completa e absoluta senão quando não reste mais um só átomo do perispírito
unido a uma molécula do corpo. A situação dolorosa que a alma experimenta nesse
momento é em razão da soma dos pontos de contato que existem entre o corpo e o perispírito
e da maior ou menor dificuldade e lentidão que apresenta a separação. Não é preciso
então se dizer que, segundo as circunstâncias, a morte pode ser mais ou menos penosa”.

Colocamos inicialmente, como princípio, as quatro circunstâncias seguintes, que
podem ser observados como situações extremas, entre as quais há uma infinidade de
nuances:

  1. Se no momento da extinção da vida orgânica, o desligamento do perispírito
    estivesse completamente operado, a alma não sentiria absolutamente nada.
  2. Se nesse momento a coesão dos dois elementos está em toda sua força.
  3. Se a coesão for fraca, a separação é fácil e se opera sem abalo.
  4. Se, após a cessação completa da vida orgânica, existisse ainda numerosos pontos
    de contato entre o corpo e o perispírito, a alma poderia sentir, até que os laços
    estivessem totalmente rompidos, os efeitos da decomposição do corpo e com mais forte
    razão as chamas em caso de incineração do corpo.

Do acima, resulta que o sofrimento que acompanha a morte está subordinado à força
de aderência que une o corpo e o perispírito; que, para ajudar a diminuição dessa
força e a rapidez do desligamento, tudo o que pode ser feito for operado sem nenhuma
dificuldade, a alma não experimentará nenhuma sensação desagradável.

Na passagem da vida corporal à vida espiritual, produz-se ainda um outro fenômeno
de importância capital; é o da perturbação.

Este ensinamento de Allan Kardec resulta de sua experiência mediúnica, das mensagens
dos guias instrutores espirituais, de manifestações de espíritos no momento de seu
desencarne e não, como o pretendiam certos detratores, de sua inteligência fértil.
Temos a sublinhar que essas mensagens, como ele as teve, os grupos sérios continuam
recebendo atualmente. A fonte não está seca.

Não poderia deixar de ser dito que, quanto mais o espírito é evoluído espiritualmente
ou elevado no plano moral, menos ele tem laços com seu corpo carnal e a separação
se faz mais facilmente, sem choques e sem sofrimento. O caso mais rápido que conhecemos
é aquele da partida de nossa fundadora, a irmã Maria Munoz; ela estava sentada sobre
sua poltrona onde, impotente, passava seus dias, e deixou seu corpo escrevendo:
« Viva a liberdade ». Evidentemente, ela se referia à liberdade espiritual. No retorno
do enterro do corpo, os irmãos do grupo estavam reunidos na sua pequena barraca,
ela tomou o médium falante e deu uma mensagem censurando inicialmente os irmãos
lacrimosos por não haverem compreendido nada dos ensinamentos, pois que se lamentavam
enquanto ela estava toda alegre de ser liberada desta prisão carnal que era seu
corpo fatigado, e de se encontrar entre os irmãos espirituais que a acolheram no
espaço. Ela tinha seguido o cortejo fúnebre andando ao lado de seus companheiros
humanos e estava sabendo de tudo.

Caso nos seja dado assistir à partida de irmãos no instante crucial, podemos
ajudá-los dando passes fluídicos no corpo para facilitar o desligamento da alma.
Uma prece, em tal momento, ajuda também a separação.

As preces podem ser encontradas no livro de Allan Kardec “O Evangelho segundo
o Espiritismo” (cap. 28): ‘prevendo sua morte próxima’ (40), ‘por um agonizante’
(57), ‘por alguém que acaba de morrer’ (59 a 61). Nós as assinalamos não por convicção
religiosa, mas por experiência. Conhecemos a força e a eficácia do pensamento. O
defunto, mesmo estando invisível ainda que presente na câmara mortuária (os médiuns
videntes o vêem inconscientes ou semiconscientes), na sua perturbação, capta os
pensamentos das pessoas da assistência. Espíritos têm se comunicado dizendo ouvir
os cantos da cerimônia religiosa ou as preces da missa, ainda que ignorem que são
para eles.

Um filósofo disse que o sono é uma pequena morte.

É certo que durante o sono, abandonando o corpo em repouso, nosso espírito percorre
o espaço para efetuar um certo trabalho durante um tempo mais ou menos longo. Geralmente
não temos consciência disso. Algumas vezes, na hora de acordar, o sonhador pode
guardar a lembrança de sua atividade espiritual; esse fenômeno é provocado por seu
guia visando sua informação. Vários membros do Grupo têm vivenciado esta experiência.
O fato de ver seu próprio corpo esticado, inerte, sobre a cama, produz um pequeno
choque quando não se está habituado, porque pensamos que se trata da grande partida.

Eis aqui um exemplo:

Uma jovem médium estudante em meio católico se perguntava com certa angústia
o que se pode sentir no momento da morte quando se tem medo desse evento. Seu guia
espiritual provocou a seguinte experiência educativa, durante seu sono, que ela
conta assim: “Estou estirada e experimento uma ânsia de vomitar em todas as partes
de meu corpo: os cabelos, as unhas, os dedos, etc… e por três vezes alguma coisa
me aspirou por toda parte. Na terceira aspiração alguma coisa se desligou e me encontrei
de pé, meu corpo estando inerte diante de mim, aos meus pés. Penso: ”É isso a morte?
A morte, não é ausência total de tudo“. Experimento a ânsia de partir e me volto
para me afastar. Não vejo nada nem ninguém em torno de mim. Uma vontade superior
à minha me ordena: “É preciso se reintegrar ao seu corpo”. Recuso, mas esta vontade
dominante se impõe. Sem saber como, encontro-me instantaneamente incorporada, com
uma impressão muito forte de repugnância ao contato de meu corpo, desta carne. Recupero-me
logo após.”

Esta má impressão de repugnância continuou a ser sentida durante várias semanas
após esta experiência.

De um outro ponto de vista, eis a descrição que fez uma testemunha espiritual
da primeira fase de uma desencarnação à qual ele assistiu como espírito. A voz desconhecida
que lhe deu explicações é a de seu guia espiritual. Esta narração é feita pela intermediação
do médium falante em transe, irmão M.B.:

“Assisti um dia à partida de uma alma no momento em que ela deixava seu corpo.
Ela formava um vapor claro que se desligava lentamente e que eu distinguia perfeitamente.
Percebi em seguida algo como um gás, mais sombrio, menos nítido, quase invisível,
que era atraído pelo vapor, mas que, entretanto, permanecia ligado ao corpo. À medida
que o vapor se afastava do corpo, esse gás se esticava, se alongava, mantendo sempre
contato com o corpo. O vapor, retido por esta espécie de laço elástico voltava então,
depois tentava de novo se desligar. Cada vez que se afastava, o sujeito parecia
sofrer. Percebia-se isso por suas crises e suas lágrimas. O vapor voltava então
para o corpo endurecido, mas não podia retomar contato, separado dele pelo gás.

Observei esse fato com atenção perguntando-me o que isso significava até que
o quadro mudou. O vapor, percebendo a presença de uma pessoa que ali se encontrava,
se dilata, se desliga e por um fenômeno de condensação, toma a forma de um fantasma.
Qual não foi minha surpresa ao reconhecer nela a mesma imagem daquela do corpo inanimado
que permanecia estendido. O gás também estava se desunindo do corpo e envolvia agora
o vapor saído do corpo inanimado que permanecia estendido com uma espécie de corda
enlaçada.

Observei isso perplexo até que escutei uma voz desconhecida me dando a seguinte
explicação:

“O vapor irá logo embora. O gás permanecerá enganchado durante algum tempo e
depois desaparecerá por sua vez”.

Efetivamente, pouco depois, o fantasma se afasta e desaparece, levando com ele
o gás sombrio, e não resta mais que o corpo imóvel e sem vida.

Tinha guardado na minha memória a impressão da forma deste vapor. Ora, algum
tempo após, veio a mim este mesmo vapor, sob o mesmo aspecto daquele sob o qual
o havia visto. Reconheci-o imediatamente, e no mesmo instante percebo a matéria
etérea que formava o gás se separar do vapor. Este se transforma aos nossos olhos,
tomando logo a aparência de um homem que me dirige a palavra pela primeira vez nesses
termos:

« Sinto-me atraído para você, não sei porque. Pode me indicar a razão? »

Eu mesmo ignorava esse fenômeno e sua causa, assim me era bem difícil dar-lhe
a mínima explicação. Não sabendo o que responder, contei-lhe textualmente o que
tinha visto quando ele deixou seu corpo material, omitindo todavia a repetição das
palavras pronunciadas por não sei quem, que eu havia nitidamente percebido. Tive
então a surpresa de ouví-lo me dar esta resposta:

« Enfim, sinto-me aliviado. Se bem que não tivesse visto ninguém, o som de sua
voz me fez bem. Há longo tempo que vivo em isolamento completo. Queria, entretanto,
que me dissesse porque sua voz me atraiu, e como posso ouvi-lo sem o ver. »

Estava desolado de não poder lhe dar a explicação desse fato que eu mesmo não
compreendia. Queria lhe dar uma satisfação, a fim de apaziguar a tristeza que adivinhava
nele, mas não sabia como me expressar. Escutei então a voz desconhecida me dizer:

« Faça um apelo à sua memória; lembre-se da cena que você assistiu enquanto deixava
a existência. Faça uma comparação com o que você mesmo passou e poderá lhe dar a
explicação que ele pede.

Não se deu conta da rapidez com a qual você se desloca? Como é que você pode
fazer, quase que instantaneamente, tão longa viagem através o espaço? Jamais se
fez esta pergunta? E acredita você que o som poderia atravessar o vazio, para além
da atmosfera onde, entretanto, você consegue ir facilmente? Não! Além do mais o
som não poderia te alcançar em seus deslocamentos vertiginosos. É então impossível
à voz chegar até você, e se ouves pronunciar estas palavras, é uma falsa impressão.
Em realidade, é o seu pensamento que percebe diretamente as radiações que um outro
pensamento emite e você tem a impressão de ouvir. O pensamento é este vapor que
você viu, é a alma mesmo, imaterial, imponderável, infinita, sem forma, que continua
a viver e a trabalhar no espaço.

Quando ela deseja se manifestar a outros espíritos, ela se envolve de seu invólucro
semimaterial e toma a forma que tinha no momento de sua desencarnação. A alma pode
então, por intermédio de seu envelope perispiritual, emitir vibrações que traduzem
seu pensamento e que outros espíritos poderão captar e compreender. É o porque de
você ter visto por duas vezes o espírito que acabou de lhe falar tomando a forma
humana; o fato havia lhe intrigado então, você agora conhece a razão.

Se a alma desejar se manifestar diretamente a um ser encarnado, ela se aproxima
dele e atrai o pensamento desse ser; este, exteriorizando-se parcial ou totalmente,
pode então captar as radiações do pensamento; ela tem então a sensação de ouvir
uma voz, ainda que em realidade não haja nenhuma emissão de som. Durante esta exteriorização
o corpo permanece animado por esse gás sombrio que você tem visto e que não o deixa.
»

Foi assim que pude ter uma luz sobre os fatos que me haviam intrigado fortemente
porque sempre tenho procurado raciocinar e compreender os fenômenos aos quais me
é dado assistir.

Que a paz e o amor estejam sobre vocês meus irmãos!»

Os estados da alma no momento da passagem são muito diversos. São as manifestações
mediúnicas provocadas pelos guias que nos fazem conhecê-los. Os críticos religiosos
gostam de nos lembrar a Lei: “Deixai os mortos enterrarem os mortos”; A11an Kardec
já respondeu a esta objeção; mas quando sabemos a eficácia da ajuda que levamos
àqueles que nos deixam, quanto esta objeção nos parece pueril e a Lei mal compreendida
e mal interpretada. Compreender a diferença que há entre «evocar » e «invocar
» é então uma necessidade.

Edição eletrônica original:

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