Rubens Santini de Oliveira
Suicida não é obsessor
“Suicida não é obsessor, é um doente necessitado que as Casas Espíritas devem
tratá-lo com respeito; que eles recebam de Deus e Jesus cuidados mais que
especial; que o homem precisa prevenir-se contra o suicídio, pois dias virão em
que irão aumentar, por causa da fome, do desespero, da droga, da miséria, do
abandono, dos vícios e da traição.
O Brasil é um país onde o número de suicídios ainda é baixo, mas se não
contivermos o desemprego, a miséria e a fome, ele será daqui algum tempo o
campeão mundial de suicídio. Os Espíritas precisam urgentemente orientar a
população com folhetos nos logradouros públicos, falando e orientando sobre o
suicídio. O homem deve ficar ciente de que não existe a morte e que ninguém é
dono de seu corpo; a veste física é um empréstimo da natureza e teremos de
devolvê-la um dia, queira Deus intacta. Ninguém pode rasgá-la, nem violentá-la,
ela é obra divina emprestada para permanecermos na Terra. O homem não se
conhece. No dia em que ele se preocupar com seu corpo, ganhará paz, pois se
sentirá no seu ombro o peso da responsabilidade e sorrirá feliz por se sentir
eterno. A ignorância e a falta de fé levam ao suicídio. O corpo físico é um
veículo indispensável para se transitar no plano terreno; destruí-lo é retardar
a chegada aos braços de Deus. O suicida sofre antes, durante e depois do ato
impensado, pois leva a dor como bagagem. Nossas preces e o nosso respeito são
bálsamos para o seu sofrimento. Gostaria que toda a humanidade se
conscientizasse do valor da oração aos suicidas, o quanto eles são beneficiados
através das nossas preces. (…)
Ele sofre ante do suicídio por estar enfrentando muitas vezes imensa dor, e
qual não é sua surpresa quando, com o ato, sente seus padecimentos se agravarem.
Nas primeiras horas em que ele percebe que não conseguiu morrer, e continua
preso à dor moral e à física, sente-se confuso porque está vivo, o sangue
jorrando, a ferida doendo e ele ali, inteiro. Embora tenha adormecido por
segundos, o despertar é cruel. O enterro, a arma, o povo falando, e ele ali,
junto ao corpo físico; o ar lhe falta, o odor é fétido; busca a ferida, ela é
sangrenta e dolorida. Agora sofre, além da dor moral, e ainda mais, a dor
física. Depois do suicídio, busca outra vez a morte e, em desespero, constata
que aumentou a sua dor. Muitas vezes o suicida não larga o corpo físico e, junto
às vísceras putrefatas, não compreende por que cheira mal, e conclui que o
túmulo agora ‚ sua prisão; antes era a tristeza. Quando consegue se ver livre da
cova, leva-a gravada na mente. É a dor, o desespero de um suicida. Como
ignorá-lo? Como condenar um irmão em sofrimento? O mais acertado a fazer é orar
por ele, abraçá-lo nas nossa preces para que se renove e encontre a paz.”
Tatiana – Um amor dividido
“Julgava eu que agora nos dirigíamos para o Vale do Brilho, em busca de Celso
e do Gino, mas logo compreendi o porque do Rayto no vale se encontrar: ele
buscava uma garota de seus treze anos que se debatia em convulsões: havia
desencarnado ingerindo vários comprimidos. Ao nos aproximarmos, percebemos que
Tatiana, mesmo com o seu corpo perispiritual bem distante do cemitério, sentia
tudo o que se passava com o seu corpo físico em decomposição; estava solidamente
unida a ele pelas leis naturais da afinidade, que a morte forçada não destrói. O
espírito eterno e sua veste perispiritual permaneciam ligados ao corpo físico
chagado pelos vermes; e o espírito de Tatiana sofria em desespero este martírio.
– Mas ela ‚ uma criança!O que a levou a isso? indaguei.
– Os pais, respondeu Karina.
– O quê? Os pais?
– Sim. Tatiana foi criada com um amor incontrolável dos pais, Celina e
Clodoaldo, recebendo educação esmerada e ganhando tudo o que desejava. Mas veio
a separação dos dois e com ela iniciou-se o descontrole da garota, começando sua
agressividade, para chamar a atenção dos pais. Depois, sentiu-se dividida, não
sabia a qual deles agradar. Se se demorava junto da mãe, Clodoaldo reclamava,
dando-se o mesmo que com Celina. No meio desse desajuste, só encontrou um
caminho: a morte.
Lá estava ela, a criança disputada como um objeto e não amada. Diz Francisca
Theresa: “o ciúme é um amor sem asa”. Aquele casal matou os sonhos e a esperança
de sua filha. Agora, jogada ali, nossa Tatiana debatia-se num mar de sofrimento.
Enoque a tomou no colo para levá-la. O seu olhar, antes de pânico, logo se
acalmou ao fitar o semblante do oriental. Cerrou os olhos e suspirou. Sem uma
palavra, nós o seguíamos. Ao chegar à porta de uma das tendas, foi recebida pelo
Irmão Ângelo e este companheiro deitou Tatiana em uma cama toda banhada de azul.
Ele iniciou o tratamento da garota. Primeiro tentou limpar a sua mente – nela
estava impregnado o momento dramático que retratava, sem parar, o episódio.
Notamos que no corpo espiritual se encontravam fragmentos do cordão luminoso,
arrebentado, à semelhança de fios elétricos despedaçados, dispersando os fluidos
que a equipe ia logo organizando. Esses fluidos foram trabalhados pelos médicos,
pois neles estava o desequilíbrio do espírito de Tatiana.
Observei atentamente aqueles fios despedaçados e compreendi a importância dos
fios magnéticos para um espírito, são eles que ligam o espírito à matéria física
e lhe oferecem a vida. Na morte natural, ele é desatado com amor por equipes
divinas. Com o suicídio, ele é partido e não desatado, violentamente arrancado,
estraçalhado, quando ainda está com toda força magnética. É nele que estão
concentrados os fluidos vitais para uma longa vida terráquea. Não é Deus que
castiga um suicida, é ele mesmo o que mata suas oportunidades de vida; ao
explodir o cordão fluídico ele está destruindo a asa que o alçaria ao mundo
espiritual sem as dores da matéria. Ao desatar o nó do cordão fluídico, a equipe
divina dá condição ao espírito de decolar. E ele se vê livre da matéria. No
suicídio inconsciente, ou no consciente, o laço não se desfaz, rompe-se, e a
separação não se processa facilmente. Com a morte clínica do corpo físico, neste
mesmo corpo torna-se para o espírito uma cruz de ferro que pesa e fere, mas que
o suicida terá de suportar por um bom tempo.
A jovem sofria, pois na sua mente estavam bem vivos ainda os últimos
acontecimentos terrenos: a morte, o enterro, o túmulo e o corpo em decomposição.
Sentia a dor e o asfixiamento da tumba fechada. Tatiana, dos braços do Rayto,
passou para uma confortável cama onde se iniciou o tratamento, sendo submetida a
vários exames. O estômago foi recebendo cuidados, depois tomou um banho de ervas
medicinais e, logo após, seu corpo foi alvo de tratamento com os mais modernos
aparelhos, que me pareceram cauterizadores.
Tatiana fora socorrida, mas outros ali no Vale ficaram. Oramos por todos,
pedindo que cada um busque o tratamento divino.”
Fuga comprometedora
“Sem dúvida, a mais trágica de todas as circunstâncias que envolvem a morte,
de conseqüências devastadoras para o desencarnante, é o suicídio. Longe de
enquadrar-se como expiação ou provação, no cumprimento de desígnios divinos, o
auto-aniquilamento situa-se por desastrada fuga, uma porta falsa em que o
individuo, julgando-se libertar-se de seus males, precipita-se em situação pior.
“O maior sofrimento da Terra não se compara ao nosso” dizem, invariavelmente,
suicidas que se manifestam em reuniões mediúnicas.
Tormentos indescritíveis desabam sobre eles a partir da consumação do gesto
lamentável. Precipitados violentamente na Espiritualidade, em plena vitalidade
física, revivem, ininterruptamente, por largo tempo, as dores e emoções dos
últimos instantes, confinados em regiões tenebrosas onde, segundo a expressão
evangélica, “há choro e ranger de dentes”.
Um dos grandes problemas do suicida ‚ o lesionamento do corpo perispiritual.
Aqueles que morrem de forma violenta, em circunstâncias alheias à sua vontade,
registram no perispirito marcas e impressões relacionadas com o tipo de
desencarne que sofreram. São, entretanto, passageiras e tenderão a desaparecer
tão logo ocorra sua plena reintegração na vida espiritual.
O mesmo não ocorre com o suicida, que exibe na organização perispiritual
ferimentos correspondentes à agressão cometida contra o corpo físico. Se deu um
tiro no cérebro terá grave lesão na região correspondente; se ingeriu soda
cáustica experimentará extensa ulceração à altura do aparelho digestivo; se
atirou-se diante de um trem exibirá traumas generalizados.
Tais efeitos, que contribuem em grande parte para os sofrimentos do suicida,
exigem, geralmente, um contato com nova estrutura carnal, na experiência
reencarnatória, para serem superados. E fatalmente se refletirão nela. O tiro no
cérebro originará dificuldades de raciocínio; a soda cáustica implicará em
graves deficiências no aparelho digestivo; o impacto violento sob as rodas do
trem ensejará complexos quadros neurológicos…
Como ocorre em todos os casos de morte violenta, o suicida experimentará
inexitável agravamento de seu padecimentos na medida em que a família mergulhe
no desespero e na inconformação, exacerbados, não raro, por complexos de culpa.
“Ah! Se tivéssemos agido diferente! Se lhe déssemos mais atenção! Se
procurássemos compreendê-lo!”
Inútil conjecturar em torno de fato consumado. Diante de um ferido, em grave e
inesperado desastre, seria contraproducente estarmos a imaginar que poderia não
ter acontecido se agissemos diferente. Aconteceu! Não pode ser mudado! Imperioso
manter o equilíbrio e cuidar do paciente.
O mesmo ocorre com o suicida. Ele precisa, urgentemente de auxilio.
Indispensável que reajamos ao desespero e cultivemos a oração. Esta é o bálsamo
confortador, o alento novo para seus padecimentos no Além, o grande recurso
capaz de reerguê-lo.
E se nos parece desalentador atentar às prolongadas e penosas experiências do
companheiro que partiu voluntariamente, consideremos que seus sofrimentos não
serão inúteis. Representarão para ele um severo aprendizado, amadurecendo-o e
habilitando-o a respeitar a Vida e a voltar-se para Deus.”
O sofrimento pós-morte
O verdadeiro sofrimento começa no momento do suicídio. Todas as narrativas
das vítimas são unânimes nas descrições das dores ligadas ao gênero de morte
escolhida:
- Por veneno corrosivo: sensação fortíssima de queimadura destruindo todo o
esôfago, o estômago e os intestinos.
- Por projétil de arma de fogo na região da cabeça: a dor do ferimento é
permanente, impedindo o raciocínio, onde o sangue fica jorrando o tempo todo.
- Por afogamento: asfixia, falta de ar, a ânsia desesperada de respirar.
- Por enforcamento: a Entidade revive, no Plano Espiritual, os mesmos
sintomas ligados ao afogamento e, ao mesmo tempo, como em todos os casos
citados, fica revivendo o momento da morte repetidas vezes. Nesse caso, fica
tentando se livrar da corda que colocou no pescoço, para ver se consegue
respirar melhor, livrando-o da asfixia.
Tudo isto porque a mente edifica e produz. O pensamento é criador, e portanto
fabrica, corporifica, retém imagens por si mesmo engendradas, realiza o que
passou e, com poderosas garras, conserva-o no presente até quando desejar. O
suplício toma vulto maior no pensamento. O Espírito perde a noção do tempo e tem
a impressão de que vai sofrer eternamente.
Conseqüências para uma futura reencarnação
“O Espírito de um suicida voltará a novo corpo terreno em condições muito
penosas de sofrimento, agravados pelas resultantes do grande desequilíbrio que o
desesperado gesto provocou em seu corpo astral, isto é, no perispirito. E para o
seu próprio benefício, terá que repetir o programa terreno que deixou de
executar. (…)
Na Espiritualidade raramente o suicida permanecerá durante muito tempo. Em
alguns casos, os considerados mais graves são encaminhados para a reencarnação
imediata, onde completará o tempo que lhe faltava para o término da existência
que cortou. Conquanto muito dolorosas, mesmo anormais, tais reencarnações serão
preferíveis às desesperações de além-túmulo, evitando grande perda de tempo ao
paciente. Veremos então homens deformados, mudos, surdos, com problemas
mentais,… É um caso de vibrações, tão somente. O perispírito não teve forças
vibratórias para modelar a nova forma corpórea, a despeito do auxilio recebido
dos técnicos do mundo invisível. Assim, concluirão o tempo que lhes faltava para
o compromisso da existência prematuramente cortada, corrigirão os distúrbios
vibratórios e, logicamente, sentir-se-ão aliviados”.(5)
Suicídio: A covardia moral
“A calma e a resignação, hauridas na maneira de encarar a vida terrestre e na
fé no futuro, dão ao Espírito uma serenidade que é o melhor preservativo contra
a loucura e o suicídio. (…)
Aquele que está certo de não ser infeliz senão por um dia, e de serem
melhores os dias seguintes, tem facilmente paciência; ele só se desespera se não
vê termo para seus sofrimentos. Que é, pois, a vida humana em relação à
eternidade, senão bem menos que um dia? Mas para aquele que não crê na
eternidade, que crê que tudo nele se acaba com a vida, se está oprimido pelo
desgosto e pelo infortúnio, não vê seu termo senão na morte; não esperando nada,
acha muito natural, muito lógico mesmo, abreviar suas misérias pelo suicídio.
A incredulidade, a simples dúvida sobre o futuro, as idéias materialistas,
numa palavra, são os maiores excitantes ao suicídio: elas dão a covardia moral”.
(Publicado no Boletim GEAE Número 335 de 9 de março de 1999)