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A arte, por si só, não redime ou santifica o artista

Seria erro supor que artistas geniais, só pelo fato de o serem, se
santificassem ou se tornassem espiritualmente superiores, após o decesso
corporal. Como homens, eles cometeram, muitas vezes, deslizes graves, rastejaram
pelas camadas inferiores da moral, o que os fez sofrer, no espaço, períodos
críticos, humilhações e vexames, de que estariam isentos se, a par do ideal
superior que abraçaram, como veros artistas, cultivassem também sólida crença em
Deus, respeito por suas leis e moral elevada.

Basta retrocedermos ao passado, examinando a vida de sofrimentos e provações
que a maioria dos artistas geniais houve de enfrentar neste mundo, para
aquilatarmos do grau dos seus deslizes anteriores, muito embora fossem gênios
consagrados à Arte, desde períodos milenares, talvez, através das reencarnações.

Lenta elaboração da inteligência e do sentimento

Referindo-se aos artistas geniais, assim se expressa Léon Denis no Cap. XXVI
da sua obra “No Invisível”.

“São homens, sim, em tudo que têm de terrestre, por suas fraquezas e paixões.
Padecem todas as misérias da carne, as doenças, as necessidades, os desejos
materiais. O que, porém, os faz mais que homens, o que neles constitui o gênio,
é essa acumulação dos tesouros do pensamento, essa lenta elaboração da
inteligência e do sentimento através de inumeráveis existências, tudo fecundado
pelo influxo, pela inspiração do Alto, por uma assídua comunhão com os planos
superiores do Universo. O gênio, sob as mil formas que reveste, é uma
colaboração com o Invisível, uma assunção da alma humana à Divindade.”

Por isso mesmo, muitos deles retornaram a reencarnações obscuras na própria
Terra, após curto estágio no Além.

Renascer para servir ao amor

Nobres artistas do passado, exceção feitas de alguns poucos, se encontram
reunidos na Pátria Espiritual, onde progridem e se habilitam para, em ocasião
oportuna, voltarem em falanges brilhantes, a fim de viverem nas sociedades
terrenas servindo à Arte, a qual, então, alcançará um inconcebível fastígio,
como ao Amor, a que não serviram ainda, pois eles próprios têm feito tais
confissões sempre que lhes é permitido confabular com os médiuns.

Confessam, outrossim, o grande desgosto que os acompanha quando reconhecem
que, no estado de encarnação, arrebatados pela Arte, esqueceram os caminhos
luminosos conducentes à redenção espiritual, o que nos leva a conclusão de que a
Arte, por si só, não redime ou santifica o artista. Ele necessitará, além dela,
do cultivo do amor a Deus e ao próximo, da excelência de uma fé inquebrantável
nos princípios divinos, pois a lei que do Todo-Poderoso emanou, para orientar o
trajeto evolutivo das criaturas, não foi diferente para os artistas. Foi, sim, a
mesma, invariável eterna: Amor a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como
a si mesmo
.

No entanto, é fato observado que o verdadeiro artista, o artista enamorado do
ideal da perfeição no Belo, ou gênio, e não o artista mercenário, jamais carreta
perversidade nos próprios atos.

A constante comunhão com o Belo torna bondosos os verdadeiros artistas

Naturalmente bondosos, parece que a comunhão constante com o Belo isenta-os
da prática de perversões contra o próximo, e seus infortúnios, muitas vezes
acres, e a dedicação ao grande ideal que alimentam, são levados em conta na
Espiritualidade, concedendo-lhes méritos apreciáveis, sendo que a subsequente
existência que alguns deles tiveram, escolhida voluntariamente e não imposta,
conquanto obscura, não chegou a estabelecer expiação ou provação, mas testemunho
honroso de um caráter leal a si mesmo, cuja consciência se inquietara pela falta
do cumprimento de uns tantos deveres, de que se descuraram com gênios da Arte
que foram, pois tudo indica que a Arte tanto empolga e arrebata o seu cultor que
freqüentemente o aparta dos caminhos da redenção, ou do amor a Deus e ao
próximo.

(Notável médium brasileira. Psicografou, entre outras obras. “Memórias de Um
Suicida”, cujo autor espiritual é Camilo Castelo Branco. O trecho aqui
transcrito foi extraído de sua obra “Devassando o Invisível”, publicado pela
Federação Espírita Brasileira – FEB)