Cirurgias e Curas Mediúnicas (II)
Desejando dar continuidade a este delicado tema, tecemos agora algumas
reflexões acerca das instituições mediúnicas – ditas «espíritas» – que se
dedicam a esse mister.
O VOCÁBULO ESPÍRITA – Essas associações mediúnicas ou pessoas particulares
que realizam cirurgias ditas espirituais, pelo Brasil afora, bem que poderiam
ser mais honestas e verdadeiras consigo próprias e com o público em geral,
retirando a palavra «espírita» das suas respectivas denominações (palavra criada
por Allan Kardec a 18 de abril do ano 1857, para denominar os adeptos da
Doutrina Espírita, que por sinal nada têm a ver com as cirurgias mediúnicas),
colocando nos seus agrupamentos – religiosos, filosóficos, científicos ou não –
a palavra espiritualista ou outra denominação que não seja a espírita, a fim de
não mais confundir propositadamente o povo, no tocante ao que é Espiritismo e ao
que não é, ao que é mediunidade com Jesus e ao que é simplesmente Mediunismo.
IRRESPONSABILIDADE – Respondendo a uma pergunta do público, o médium Raul
Teixeira falou (no III Simpósio Paranaense de Espiritismo, realizado em Curitiba
em 8, 9 e 10 de agosto/97) que muitas das pessoas que enfrentaram esse tipo de
«operação cirúrgica espiritual», submetendo-se a instrumentos cortantes de todo
jaez, hoje encontram-se – numa grande quantidade – paraplégicas ou
tetraplégicas, ou com seqüelas e amputações graves produzidas pela mão dum
irresponsável, dito doutor espiritual (seja Espírito ou médium), que, em poucos
minutos e em nome da insensatez, acha que pode suprir o árduo conhecimento dos
médicos, haurido em largos anos de estudo universitário em favor da Humanidade.
No mesmo Simpósio, disse que as pessoas, em geral, que se referem às cirurgias
mediúnicas como sendo uma verdadeira panacéia, não têm uma postura investigativa
séria, porque teriam de fazer um detalhado e profundo acompanhamento após esses
casos de pseudo-curas, para saberem as reais condições de como ficou a pessoa
atendida após o «ato cirúrgico».
Nós somos do pensamento que as pessoas são livres para freqüentar o lugar que
prefiram. É uma questão de liberdade e de consciência. Mas não podemos deixar de
considerar que, muitas vezes, por situações limites de dor pelas quais passam,
ou ante a iminência de não saber o que fazer ante o sofrimento de um ser amado,
essas pessoas, muitas vezes desavisadas, mal informadas ou enganadas por
pseudo-religiosos, procuram esse tipo de tratamento, onde lhe é proposta a
«terapia espírita» das operações cirúrgico-mediúnicas.
Aí é que nós, os que realmente nos chamamos de espíritas, entramos na
questão, porque em verdade eles poderiam haver proposto aos seus «clientes ou
pacientes» uma terapia mediúnico-cirúrgica ou simplesmente espiritualista, sem
ostentar na legenda das suas instituições o qualificativo «espírita», mas
preferem valer-se da seriedade e do prestígio que o Espiritismo goza na
sociedade brasileira e mundial, para macular e servir-se do nome da veneranda
Doutrina Espírita, em atenção a seus caprichos e vaidades personalistas. Por
outro lado, se esses agrupamentos não se auto-intitulassem de «espíritas»,
nenhum problema haveria, porque eles próprios seriam responsáveis ante a lei
pelos atos praticados (ainda que o Espiritismo não concorde com esse atos),
tendo essas denominações religiosas espiritualistas suas próprias convicções
respeitadas, como o amparo da Constituição do Brasil, na parte da Liberdade de
Cultos.
DESINFORMAÇÃO, IGNORÂNCIA OU MÁ FÉ – Vale salientar que os vocábulos
espiritualista, espiritual e espiritualismo têm já uma acepção bem definida,
como oportunamente disse Allan Kardec ao começar a sua Introdução ao Estudo da
Doutrina Espírita, que se encontra na primeira página de O Livro dos Espíritos.
Dar-lhes uma nova para as aplicar ao Espiritismo seria multiplicar as causas já
numerosas de anfibologia (ambigüidade lingüística). Com efeito, o espiritualismo
é o oposto do materialismo; quem crê haver em si outra coisa que a matéria, é
espiritualista (a maioria das religiões conhecidas – ainda que com diferenças de
interpretação – acreditam na sobrevivência da alma, sendo, portanto,
espiritualistas). Mas não se segue daí que possuam todos os postulados ou
princípios básicos que norteiam a Doutrina Espírita (Existência de Deus;
Existência e Imortalidade da Alma; Reencarnação; Comunicabilidade dos Espíritos
e Pluralidade dos Mundos Habitados). É por isso que o sábio codificador Allan
Kardec complementa, na fonte citada: «Em lugar das palavras espiritual,
espiritualismo, empregamos para designar esta última crença (a Doutrina
Espírita) as de espírita e de Espiritismo, das quais a forma lembra a origem e o
sentido radical, e que, por isso mesmo, têm a vantagem de ser perfeitamente
inteligíveis, reservando à palavra espiritualismo a sua acepção própria. (…)
Os adeptos do Espiritismo serão os espíritas ou, se o quiserem, os espiritistas.
(…) Com uma palavra para cada coisa, todo o mundo se entenderia».
E nós sabemos, pela desinformação que algumas pessoas possuem – umas por
ignorância, outras por má fé -, que elas acreditam que onde haja Espíritos ou
médiuns, aí há Espiritismo, quando realmente não é bem assim. A mediunidade não
é patrimônio da Doutrina Espírita; os Espíritos comunicam-se com os homens desde
a mais remota antigüidade. O que o Espiritismo fez, a partir do ano de 1857, foi
reunir a gama de fatos e feitos mediúnicos, dar-lhes uma classificação e uma
denominação específicas, destacar os valores ético-morais de sua prática,
nortear-lhes sua utilidade e explicá-los claramente ao público.
CONCLUSÃO – Uma última questão a considerar: os respeitáveis médiuns
espíritas Francisco Cândido Xavier, Divaldo Pereira Franco e José Raul Teixeira
conhecem (pelo Brasil afora) e discordam das pessoas que vivem economicamente
deste tipo de «negócio das consultas cirúrgicas», dedicando quase todas as horas
do dia e da noite a atender nas suas residências, ou noutros locais (quem pagará
o aluguel?), lucrando monetariamente com a dor alheia. Outros dizem que não
cobram nada, mas sempre pedem alguma coisa em troca pelo seu «serviço» (quem
paga os materiais descartáveis ou não, usados nas «operações»?). Outros, ainda,
abandonam literalmente seus compromissos familiares e profissionais para «dispor
de mais tempo», a fim de atender diuturnamente, explorando cada vez mais o povo
sofredor.
Não seria mais leal e humano encaminhar os portadores de problemas físicos
diretamente aos médicos, a esses dignos profissionais da Medicina, os quais
estudaram anos a fio para exercer tão nobre profissão? Usemos o bom senso!
Conseqüentemente, tanto na teoria quanto na prática, as cirurgias e operações
mediúnicas ditas espirituais e a Doutrina Espírita codificada por Allan Kardec
estão situadas em campos totalmente distintos, e não podem ser a «mesma coisa»,
como geralmente se diz. Essa distinção, aliás muito clara – como costumava falar
o saudoso Deolindo Amorim -, não impede, todavia, que haja respeito mútuo,
espírito de compreensão e tolerância, sem ser necessário chegar-se ao extremo de
forçar a fusão de crenças e de práticas totalmente divergentes. Em matéria
religiosa (não há quem não saiba disto) cada qual se inclina para o lado que lhe
agrada. É problema de consciência. Nosso objetivo é apenas este: deixar
suficientemente esclarecido que as operações e cirurgias mediúnicas ditas
espirituais não constituem, de forma alguma, variante nem modalidade do
Espiritismo.
(Jornal Mundo Espírita de Junho de 1998)