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Congresso Espírita de Paris em 1925

Raul Franzolin Neto 
 

Desde a codificação do espiritismo, tem havido a preocupação de grandes líderes espíritas em manter a doutrina em constante movimento frente à humanidade com vistas a evolução do planeta. A organização de encontros de confraternização entre os espíritas se torna um importante meio de união em torno de um ambiente fraternal e de progresso espiritual, onde novos rumos podem ser mais bem definidos em sua divulgação para toda humanidade.

 

O maior fator do sucesso de um evento espírita, reside na humildade e na capacidade intelectual dos seus organizadores, tendo em vista, que o próprio ambiente formado com a presença de muitas pessoas, é um facilitador dos sentimentos de vaidade e orgulho para aqueles que têm a possibilidade de serem o centro das atenções.

Há muito se tem falado na importância da união dos espíritas em torno da doutrina codificada por Allan Kardec. Recentemente estivemos participando do 11º Congresso Estadual de Espiritismo na cidade de Bauru, interior do Estado de São Paulo, cujo tema central apresentou “O Espiritismo no Terceiro Milênio: Análise do Presente e Projeto do Futuro”. O evento foi de um sucesso brilhante, reunindo importantes lideranças do movimento espírita brasileiro e numeroso público congressista. A Comissão Organizadora soube muito bem acolher a todos, contando com apoio de muitos voluntários que promoveram um verdadeiro ambiente de alegria e confraternização em torno do bem comum.

Em 1925 os líderes espíritas franceses organizaram um grande Congresso Internacional Espírita em Paris, sob tutela da Federação Espírita Internacional, congregando representantes espíritas de 22 nações, sob a presidência de mestre seguidor de Allan Kardec após seu desencarne, que foi Léon Denis.

Interessante ressaltar que o próprio nome desse companheiro de Kardec pode ser visto no nome real do Codificador, Hipolite LEON DENISard Rivail. Isso mostra os desígnios que muitos espíritos amigos fazem em comum acordo antes do processo reencarnatório, principalmente em se tratando de uma missão de importância que deve permanecer nos anais da história da Terra.

Apesar de seu estado de saúde debilitado e quase cego, Léon Denis aceitou a missão após tentar sem sucesso passar para outros companheiros tão honroso e dignificante trabalho, principalmente para o grande cientista e astrônomo Camille Flammarion. Mas, após levar essa consulta aos seus mentores espirituais em uma reunião mediúnica, recebe uma surpreendente informação espiritual: “Flammarion não estará lá!” De fato, Flammarion desencarna em junho de 1925 e o Congresso realizou-se em setembro do mesmo ano.

O processo de unificação, portanto, não de hoje e será por longo tempo um desafio a todos os espíritas até que o projeto Terra Regenera se complete plenamente.

O evento foi um grande sucesso como não poderia deixar de ser e a postura do eminente amigo Léon Denis encontra-se bem descrita no livro “Léon Denis na Intimidade” de Claire Baumard, publicado pela Casa Editora O Clarim.

Vejamos um pequeno trecho dessa bela narrativa:

…No dia 10 de setembro, Léon Denis pronunciou o discurso de abertura; foi uma bela alocução onde estava traçada a história do Espiritismo desde há cinqüenta anos, com suas numerosas tribulações, mas, também, com seu soberbo desenvolvimento. Ele terminou mostrando aos espíritas do mundo inteiro que a pesada responsabilidade e que a grandes deveres estavam incumbidos.

A intervenção do Sr. Valabrègue forneceu ao Mestre oportunidade para uma magistral improvisação, O debate era sobre a Liberdade de Consciência. O Sr. Valabrègue partira para o combate após ter ouvido o discurso de Léon Denís e a relação muito interessante do Secretário Geral, Sr. Ripert. Ele exclamara: “Eu, eu não adoto vossa afirmação porque ela não proclama a liberdade de consciência”

A isto ‘Léon Denis replicou:

“Fizemos a revolução para ter a liberdade de consciência; nossos pais derramaram seu sangue para ter liberdade de consciência, creio que ela existe e que irradia sobre a França inteira. Após a leitura do relatório discutiremos esta questão que me parece, entretanto, supérflua, porque a liberdade de consciência existe, ela é mantida e contra ela ninguém se poderá opor nem combatê-la”.

Após diferentes leituras de comunicações (as do Dr. Maxwell, procurador geral da Corte de Apelações de Bordeaux e de Sir Oliver Lodge), a palavra foi dada ao Sr. Valabrègue; ele dissertou longamente, foi eloqüente, interessante, mas a grande maioria da assembléia não aprovou a diatribe que fazia aos espíritas, a reprovação de ortodoxia e de não ter feito do amor, a base e o princípio essencial de sua doutrina.

Não tirávamos os olhos do Mestre que, um pouco curvado sobre a mesa, ouvia atentamente seu contraditor, parecendo contrair-se sobre si mesmo como um lutador que prepara suas forças antes de medir-se com seu adversário. Ele se ergueu quando o Sr. Valabrègue terminou e fez uma magnífica improvisação:

“Senhoras, senhores, – disse ele, – permiti-me resumir este debate em algumas palavras; segui com atenção os discursos muito eloqüentes e espirituais do Sr. Valabrègue e me pergunto agora em que, realmente, suas opiniões diferem das nossas. Eu não vejo nenhuma diferença, senão quanto à maneira de exprimir. No fundo estamos perfeitamente de acordo, e, neste caso, por que discutir? Ele nos falou de Cristo e de seu grande amor. Mas todos nós admiramos o Cristo e todos nós nos prosternamos com respeito diante desta grande figura que domina os séculos e permiti-me lembrar que o Cristo não apenas deu um exemplo magnífico de devotamento e sacrifício, mas nos trouxe também um ensinamento: a razão de sua encarnação sobre a Terra. Ele veio dar-nos um conhecimento de Deus, da alma e do destino, princípios que, infelizmente, não se aplicam mais em toda sua beleza e em toda sua grandeza. É precisamente nossa obra fazer com que revivam; é por isso que estamos reunidos, que trocamos opiniões, que sofremos há cinqüenta anos para reconstituir e dar à Humanidade o ensinamento do Cristo; por fim permiti-me dizer-vos: haveis pronunciado a palavra ortodoxia; Espiritismo não é uma ortodoxia no sentido de doutrina fechada, de doutrina rígida, é simplesmente uma representação livre do pensamento, é uma evolução, é uma etapa para a verdade Integral, para o infinito. Allan Kardec não disse que o Espiritismo permaneceria aberto a todos os desenvolvimentos do futuro, e, por conseqüência, a todas as manifestações do pensamento e da Ciência? Mas justificamos estas palavras, incorporamos em nossos trabalhos, em nossas obras todos os progressos, todos os conceitos das ciências, fizemos melhor do que isto indicamos os caminhos, as rotas a seguir. Foi graças a nós que os sábios entraram em nossas vias, no estudo do mundo invisível, no estudo das forças invisíveis; foi graças aos nossos estudos e às nossas pesquisas. Quem foi, enfim, que falou em primeiro lugar, nos tempos modernos, do fluido, da mediunidade, do corpo astral? Foram os espíritas! Atualmente ainda, todos os sábios, todos os metapsiquistas, não fazem senão caminhar sobre nossos traços, e seguir o caminho que percorremos há muito tempo. Pois bem! Caro amigo, permiti-me dizer-vos, todos os nossos esforços convergem para o objetivo do qual haveis entrevisto a hora.

Falastes de consolações a dar à Humanidade, àqueles que sofrem, mas calculais todas as provas e todos os sofrimentos e todas as dores que o Espiritismo consolou? O Espiritismo não é simplesmente um ensinamento que repousa sobre base certa, é um critério que desafia contradições. O Espiritismo é um ensinamento para o mundo inteiro. Ensina-se por toda parte a reencarnação, os princípios do amor, e é Isto que faz a base do Espiritismo; jamais nenhuma doutrina apoiou-se sobre um critério tão universal.

Esse sentimento de amor de que falais, é a própria base do ensinamento espírita, como do ensinamento cristão.

Ele não é escola, doutrina, ensinamento, qualquer que seja sua forma e que não tenha seus princípios.

Nós temos princípios que ultrapassam os outros neste sentido de que eles nos vêm do Alto, de todos os pontos da Terra e que concordam entre si nos pontos essenciais.

Nesta reunião, em que todas as nações estão representadas, os anglo-saxões parecem se diferenciar de nós em certos pontos, mas a fusão que se opera – tendes a confirmação em obras, em telegramas e em manifestações do pensamento – demonstra que uma idéia, imensa, bela, sublime, se ergue acima das contingências e faz irradiar seu poder e sua bondade sobre o Mundo. Estamos todos de acordo; diferimos em termos e expressões, e se o Sr. Valabrègue quiser refletir, verá que estamos todos unidos em um mesmo sentimento de fraternidade é de união, e que marchamos todos no mesmo passo para horizontes melhores, para dias mais belos para a Humanidade!”…

Não há absolutamente nada de novo nos dias de hoje em relação ao pensamento e ensinamento desse grande estudioso e membro efetivo da equipe assegurada dos trabalhos de implantação da Doutrina Espírita na Terra.

Este simples artigo foi escrito com a itenção de incentivar os nossos amigos ou, as nossas amigas, a continuarem firmes nos propósitos da unificação e da simplicidade moral da doutrina espírita, organizando e desenvolvendo Encontros Espíritas de toda a natureza. Isso, juntamente com todas as demais iniciativas, promoverão a verdadeira unificação naturalmente e, nada mais justo e belo, do que concluirmos este trabalho com as palavras de Léon Denis ditas naquela época, conforme relatado no referido livro:

…”Se eu tivesse que resumir em traços concisos os ensinamentos dos Espíritos Guias, eu diria: a Lei suprema do Universo é o bem e o belo. E a evolução dos seres através dos tempos e através dos mundos não tem outro fim que não seja a conquista lenta e gradual destas duas formas da perfeição.

Mas o entendimento humano não se contenta com fórmulas, são precisos também imagens que a própria natureza nos oferece em profusão, por exemplo, a vida da árvore; não é ela uma imagem flagrante da evolução da alma? Ambas se elaboram no seio da matéria, nela mergulham raízes profundas a fim de absorver o suco nutritivo. Tal é a vida da alma encarcerada nos mundos planetários. Ela se firma, sobe pouco a pouco para a luz e, como a própria árvore, estende seus ramos, cresce em sua pujança de radiação sobre o meio em que habita, depois cresce ainda para se expandir e aspirar pelo céu.

A verdade é que nós somos arrastados por uma potente força evolutiva para os mais altos destinos. Essa noção é capaz de revolucionar a vida social sob todas as suas formas, pois que ela dá à nossa existência na Terra um sentido mais vasto, uma finalidade mais elevada.

Sem renegar nosso passado, a hora é chegada para a Humanidade renunciar às velhas formas e compartilhar resolutamente numa via nova feita de luz e de liberdade. Os males de nosso tempo provêm em que persistimos em viver de um ideal que se tornou estéril, e, mesmo, às mais das vezes, nenhum ideal, enquanto que o Universo abre seu pensamento, seus horizontes infinitos, o império da. vida, a escada prodigiosa cujos degraus nos convida a subir.

O ensinamento dos Espíritos, como um raio do Alto, vem dissipar nossas trevas e nos mostrar o caminho do futuro. Mas o homem, semelhante ao prisioneiro que saindo de seu cárcere, ou ao cego que subitamente recobra a vista, o homem permanece deslumbrado diante do clarão da Luz e hesita a se aventurar no novo caminho.

Em meio ao nosso século atormentado sob o golpe de provas sofridas, o pensamento se inquieta, a consciência desperta, pergunta-se para que tanto progresso material se o homem não é ainda mais desgraçado e ainda pior? Muito se fez pela matéria, isto é, pelo corpo, mas o que se fez pelo Espírito?

Qual é a verdadeira fonte de vida em nós? O espírito foi negado, desprezado, desconhecido por uns, outros não o entreveram senão através do véu de fórmulas desgastadas”…

Raul Franzolin Neto

(Publicado no Boletim GEAE Número 392 de 30 de maio de 2000)