José Marcelo Gonçalves Coelho
Desde as épocas mais remotas o Universo tem nos acenado com a possibilidade, cada vez mais admissível, de existência de vida extraterrena; e, ao elevarmos a fronte em direção ao firmamento, uma profunda intuição nos dá a certeza de que Deus não ergueria bilhões de corpos celestes apenas para nossa contemplação.
A partir de 18 de abril 1857, data da primeira publicação de O Livro dos Espíritos, passamos a ter o respaldo das Inteligências Celestiais, que vinham para atestar a pluralidade dos mundos habitados—um dos postulados da Doutrina Espírita—revivendo, na verdade, o próprio Cristo, que já nos havia asseverado: “Na casa de meu Pai há muitas moradas (…)” (João 14:2).
Uma dessas moradas, o planeta Marte, tem sido alvo das mais variadas especulações, que vão desde as historietas e filmes infantis, povoados de imagens hilariantes e fantasiosas, que tanto fertilizam a nossa imaginação, até as mais profundas ilações de cunho esotérico ou cientifico.
Sob a ótica espírita, a temática sob análise atinge conotações ainda mais profundas, em virtude da observância do tríplice aspecto — Ciência, Filosofia e Religião. Visando à elucidação dos fatos, examinemos, preliminarmente, a nota de Kardec, atrelada à questão 188 da primeira obra basilar, que ora transcrevemos, em parte:
“De acordo com o ensinamento dos Espíritos, de todos os globos que compõem o nosso sistema planetário, a Terra é onde os habitantes são menos avançados, tanto física como moralmente. Marte lhe seria ainda inferior (…)” (grifo nosso).
Certamente valeu-se o codificador, inclusive, da comunicação dos Espíritos Mozart e Bernard Pallissy, que se diziam encarnados em Júpiter, em mensagem canalizada pelo médium e teatrólogo francês Victorien Sardou. Segundo eles, Marte seria o planeta mais inferior do Sistema Solar, de precárias condições de vida, habitado por criaturas sub-humanas.
Alguns anos após, mais precisamente em 1935, viria a lume a obra Cartas de Uma Morta, uma coletânea de mensagens psicografadas pelas mãos de Francisco Cândido Xavier, na qual o Espírito Maria João de Deus, sua querida mãe, entre outros temas, nos descrevia com riqueza de detalhes a vida marciana. Atentemos para o trecho que se segue:
“Todavia, o que mais me admirou não foram as expressões físicas deste planeta, tão adiantado em comparação com o vosso. Nele a sociedade está constituída de tal forma, que as guerras ou os flagelos seriam fenômenos jamais previstos ou suspeitados. A vibração de paz e de harmonia que ali se experimenta irradia aos corações felicidades nunca sonhadas na Terra. A mais profunda espiritualidade caracteriza essa humanidade, rica de amor fraterno e respeito ao Criador”.
Mais tarde, novamente através da mediunidade segura de Chico Xavier, em crônica datada de 25 de julho de 1939, integrante da obra intitulada Novas Mensagens,o Espírito Humberto de Campos nos trazia informações complementares, corroborando o relato acima; vejamos:
“Tive, então, o ensejo de contemplar os habitantes do nosso vizinho, cuja organização física difere um tanto do arcabouço típico com que realizamos as nossas experiências terrestres. Notei, igualmente, que os homens de Marte não apresentam as expressões psicológicas da inquietação em que se mergulham os nossos irmãos das grandes metrópoles terrenas. Uma aura de profunda tranqüilidade os envolve. É que, esclareceu o mentor que nos acompanhava, os marcianos já solucionaram os problemas do meio e já passaram pelas experimentações da vida animal, em suas fases mais grosseiras. Não conhecem os fenômenos da guerra e qualquer flagelo social seria, entre eles, um acontecimento inacreditável”.
Conforme se depreende facilmente, as duas últimas mensagens aqui reproduzidas, de fonte mediúnica comprovadamente fidedigna, opõem-se frontalmente às instruções recebidas por Victorien Sardou, considerado pelo Professor Rivail como “um desses fervorosos e esclarecidos adeptos” (Revista Espírita, ano I, nº 08, agosto/1858).
Entretanto, de posse de seu peculiar bom senso, Kardec jamais conferiu às orientações dos Espíritos o caráter de verdades absolutas, consciente de que o tempo traria novas revelações ou descobertas científicas que haveriam de modificá-las ou ratificá-las, pois que, à época, a Doutrina Espírita apenas acabara de desabrochar. E isto, pelo visto, parece ter ocorrido; tanto por parte das comunicações espirituais, conforme constatado, como da Ciência Acadêmica, à qual se submetem os princípios fundamentais do Espiritismo, pois assim se estatuiu:
“Caminhando de par com o progresso, o Espiritismo jamais será ultrapassado, porque, se novas descobertas lhe demonstrassem estar em erro acerca de um ponto qualquer, ele se modificaria nesse ponto. Se uma verdade nova se revelar, ele a aceitará” (Kardec, A Gênese, capítulo I, item 55).
E, certamente, as investidas espaciais nos têm dado relevante contribuição, principalmente através dos engenhos norte-americanos denominados Mariner 9, Viking (1e2), Mars Pathfinder e, mais recentemente, da sonda não tripulada Pathfinder, fruto do investimento de milhões de dólares, que, tendo pousado em solo marciano no dia 4 de julho de 1997, liberou, dois dias após, o veículo teleguiado denominado Sojourner. Durante meses diversas imagens nos foram transmitidas, entretanto, em momento algum foram encontrados quaisquer indícios de vida orgânica, nem, tampouco, de “criaturas sub-humanas”.
Ante o exposto, uma dúvida naturalmente se estabelecerá: Se nos é defeso, enquanto encarnados, visualizar aspectos da civilização marciana, mesmo de posse dos mais hodiernos recursos da tecnologia astronômica, a que espécie de vida, afinal, se referiram os Espíritos Humberto de Campos e Maria João de Deus em suas revelações?
Recorramos, primeiramente, à questão 181, de O Livro dos Espíritos, na qual o mestre de Lion indaga:
Os seres que habitam os diferentes mundos têm corpos semelhantes aos nossos?
A que os Espíritos respondem:
“Sem dúvida possuem corpo, porque é preciso que o Espírito esteja revestido de matéria para agir sobre a matéria. Porém, esse corpo é mais ou menos material, de acordo com o grau de pureza a que chegaram os Espíritos. E é isso que diferencia os mundos que devem percorrer; porque há muitas moradas na casa de nosso Pai e, portanto, muitos graus (…)”.
E mais adiante, à questão 186, Kardec questionaria:
“Há mundos em que o Espírito, deixando de habitar um corpo material, tem apenas como envoltório o perispírito?
…tendo obtido o seguinte esclarecimento:
-Sim, há. Nesses mundos até mesmo esse envoltório, o perispírito, torna-se tão etéreo que para vós é como se não existisse. É o estado dos Espíritos puros (grifei).
Percebemos, destarte, que os Espíritos que ora habitam o planeta Marte, ainda que não se encontrem num patamar evolutivo de absoluta pureza, certamente se fazem revestir de um corpo de matéria tão quintessenciada que nossa limitada percepção visual não consegue atingir.
Ademais, aguardemos, por orientação futurista do próprio codificador, os avanços científicos que, gradualmente, confirmarão todos os fundamentos espíritas, pois que, contradições, quando se apresentam, são mais na superfície do que no fundo, o que atesta a essência irrefutavelmente divina do Espiritismo, apanágio que, em última análise, constitui seu inabalável alicerce.
Referências bibliográficas:
- XAVIER, Francisco Cândido
- Novas Mensagens, FEB; pelo espírito Humberto de Campos
- Cartas de Uma Morta, editora LAKE; pelo espírito Maria João de Deus
- KARDEC, Allan
- O Livro dos Espíritos, editora LAKE, tradução de Herculano Pires
- Revista Espírita, Ano I, agosto de 1858, número 8
- JESUS, Novo Testamento, Evangelho de João, capítulo 14