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Cristianismo e Espiritismo

Duas matérias da revista protestante Ultimato Nº 274, de janeiro-fevereiro de
2002, motivaram-nos a escrever esta em defesa de verdades espíritas.

Às vezes, é muito fácil redigirmos um texto em defesa de determinados
princípios, mas não é fácil convencermos os nossos leitores, quando nós mesmos
estamos em dúvidas quanto às verdades, das quais nos propusemos fazer uma
apologia, ou então, quando não conhecemos bem o outro lado da moeda, ou seja, a
questão contra a qual nos colocamos. E isso sempre aconteceu e acontece com quem
se propõe a condenar o Espiritismo, como, inclusive nós já tivemos oportunidade
de passar também por esse tipo de experiência.

É que o Espiritismo possui verdades inquestionáveis. Não foi, pois, por
acaso, que a Igreja afirmou, logo após haver kardec publicado os seus primeiros
livros, que o Espiritismo deveria ser atacado com todas as armas – falsas e
sujas, também? – pois que ou a Igreja acabaria com ele, ou ele acabaria com ela.

Ledo engano da Igreja, naquela época, pois, desde Kardec, nenhum espírita
jamais pensou em destruir a Igreja. Kardec chegou mesmo a afirmar que não se
deveria levar a Doutrina Espírita para os padres e outras pessoas que já eram
sólidas em sua crença em Deus e na existência dos espíritos, mas apenas para os
materialistas o Espiritismo deveria ser pregado.

E há uma frase espírita muito conhecida: “O Espiritismo não é a religião do
futuro, mas, o futuro de toda religião”. Isto porque todas as religiões têm
alguma coisa a ver com ele – crença em Deus, na imortalidade dos espíritos, no
contato com eles, na mediunidade, na reencarnação e na necessidade de seguirmos
princípios morais que aprimoram nosso relacionamento com Deus e nossos
semelhantes -, o qual, pois, dá as mãos a todas as religiões, e jamais se
posicionando contra nenhuma delas. E todas elas, mais hoje, mais amanhã,
chegarão a descobrir os seus fenômenos e as suas verdades.

Segundo o autor de um dos textos em apreço da Revista Ultimato, o Espiritismo
é a religião que mais títulos honrosos dá a Jesus. Aliás, o grande biblista
francês, Pe- François Brune, reencarnacionista e representante do Vaticano para
Transcomunicação Instrumental (contato com os espíritos via eletrônica), disse
que gostaria de que os católicos amassem a Jesus como O amam os espíritas.
Portanto, o articulista está mais do que certo, quando reconhece o carinho com
que os espíritas tratam Jesus.Mas afirma ele que os Espíritas não reconhecem a
Divindade de Jesus. Mas isso não é novidade, pois há dois mil anos que os
cristãos brigam por causa disso. E, entre outras coisas, cita São Paulo que
advertiu os signatários de uma de suas Epístolas para que não aceitassem outro
Evangelho, senão aquele que ele pregava. Mas sabemos hoje que os ensinamentos
paulinos, às vezes, entram em choque contra os dos Evangelhos. E isso se explica
pelo fato de São Paulo não ter sido um apóstolo que conviveu diretamente com
Jesus, como aconteceu com a maioria dos outros apóstolos, entre os quais estão
quase todos os demais autores do Novo Testamento. E isso não nos é uma coisa
estranha, pois São Paulo teve sérias polêmicas, também, com São Pedro, com
relação à Circuncisão.

Mas, deixando de lado essas pequenas divergências, é notório que o
Espiritismo segue o Cristianismo, mas o Cristianismo Primitivo, ou seja, aquele
anterior ao tumultuado Concílio de Nicéia (325) e outros que começaram a
instituir os Dogmas da Igreja, entre eles o da Santíssima Trindade e,
conseqüentemente, o do Espírito Santo e o da Divindade de Jesus, que não
existiam entre as primeiras gerações das comunidades cristãs, as quais não
conheciam sequer o Espírito Santo, a não ser como um espírito humano. E do
citado Concílio o Bispo de Roma não teve uma participação direta, pois que à
frente de tudo estava o Imperador Constantino. Ademais, o papa não era ainda bem
um papa, porque esse privilégio de o Bispo da Capital do Império Romano ser o
bispo mais importante de todos, a ponto de mandar nos outros todos, estava ainda
muito no início. Por isso foi também o próprio Imperador Constantino quem
convocou e presidiu esse Concílio.

E, ainda, sobre o Espírito Santo, poucas pessoas sabem que, no original
grego, fala-se em “um Espírito Santo” (Pneuma Hagion). Como no Grego não há
artigo indefinido “um”, traduzindo-se essa expressão Pneuma Hagion para outras
línguas que possuem o artigo indefinido, como o Português, ele deve aparecer na
tradução, sob pena de ficar errada a tradução. Só se poderia colocar nas
traduções o artigo definido “o” (ho, em Grego), se ele tivesse sido empregado
pelos autores sagrados no texto original, que ficaria assim: “ho Pneuma Hagion”
.

Por outro lado, o Velho Testamento não fala em Santíssima Trindade nem em
Espírito Santo, a não ser quando se refere ao espírito santificado de alguém, só
nos ensinando que havia um Deus único (para mais detalhes sobre isso, consultem
o livro de nossa modesta autoria: “A Face Oculta das Religiões”, no capítulo
sobre a Santíssima Trindade, Ed.Martin Claret,SP, 2000).

Isso explica por que os cristãos dos primórdios do Cristianismo não conheciam
a Santíssima Trindade, o Espírito Santo nem a Divindade de Jesus. O Espírito
Santo, sim, era conhecido, mas, como vimos, sob a forma de “um” Espírito Santo,
ou seja, o espírito encarnado ou desencarnado, mas jamais como sendo a Terceira
Pessoa da Santíssima Trindade, de que nem sequer se ouvia falar. Foi por isso
que São Paulo disse que somos templos de um (como está no original grego)
Espírito Santo.

Já a Divindade de Jesus foi aprovada no Concílio de Nicéia (325) por um voto,
apenas, de diferença, apesar da pressão do Imperador Constantino, com ameaças de
punições, como o exílio no deserto, para os que votassem contra a proclamação da
Divindade de Jesus, que, até então, só era aceita por uma minoria da Igreja. O
famoso e respeitado teólogo Ário era o líder dos contrários à instituição do
Dogma da Divindade de Jesus, o qual contava com o apoio de mais de 300 bispos do
mundo até então cristão.

Ninguém nega que hoje se sabe mais Bíblia do que nos tempos passados.E é por
isso que o Espiritismo, com a ajuda de espíritos mais evoluídos, descobriu as
verdades do Cristianismo Primitivo, as quais se identificam plenamente com a
essência dos Evangelhos, pois que eram os primeiros cristãos aquelas pessoas que
mais ligadas estavam aos autênticos ensinamentos de Jesus, ensinamentos esses
que lhes chegaram por intermédio dos próprios apóstolos e primeiros discípulos
de Jesus.

Dissemos que o Cristianismo Primitivo era autêntico. Isso porque ele ainda
não havia sido adulterado pelos teólogos, os quais acabaram por dividi-lo, ao
longo dos séculos, em várias igrejas, sem contar as vítimas que foram
sacrificadas, inclusive com mortes com requintes de crueldade, de que são
exemplos as que ocorreram nas fogueiras da Inquisição.

Perguntamos, pois, ao articulista quem está seguindo um Evangelho diferente
do ensinado por Paulo, que se tinha algumas divergências com os outros
apóstolos, pelo menos, como todos o sabemos, primou pela caridade em toda a
acepção da palavra?

Os espíritas seguem uma interpretação moderna, racional, da Bíblia. E é por
isso que estão mais ligados ao Cristianismo Primitivo que é, como vimos, o
verdadeiro Cristianismo. Porque não aceitam todos os Dogmas da Igreja, são
considerados hereges. Mas sempre houve cristãos hereges.Ademais, Jesus não criou
nenhum dogma. E disse que seus discípulos seriam conhecidos pelo que eles
fizerem, isto é, pela prática do amor, conforme ao Novo Mandamento que Ele nos
trouxe do Pai, ou seja, para que nos amássemos uns aos outros como Ele nos amou.

Foi também Jesus quem disse que ninguém deixará de pagar até o último
centavo, o que quer dizer que somos nós mesmos é que temos de pagar os nossos
pecados, mas quer dizer mais, que pago o último centavo, o pecador estará quite,
não tendo nada mais que pagar, mesmo porque isso seria injusto, e Deus jamais
cometeria uma injustiça.

Com todo o respeito que temos para com o sangue derramado de Jesus, o que não
foi em vão, já que Ele se sujeitou a isso para nos trazer a Boa Nova, a Mensagem
de Amor do Pai para nós, não temos dúvidas em afirmar que não é bem esse Sangue
derramado Dele que nos redime. Se fosse assim, não teríamos que pagar nem o
primeiro nem o último centavo. Ademais, Ele afirmou que a cada um será dado
segundo suas obras. E, por obras , devemos entender as boas e as más. Estas, com
peso maior, nos levarão à condenação. Mas, se pesarem mais as boas, estaremos
salvos. Essa explicação dispensa mais comentários. Mas somente queremos acentuar
que, se fosse mesmo o sacrifício de Jesus que nos redimisse, não haveria
necessidade de seguirmos os seus ensinamentos evangélicos. E, por outro lado,
teríamos até que aplaudir os judeus e os romanos que O crucificaram, pois seria
graças ao crime deles que ganharíamos a felicidade eterna. E será que Deus
exigiu esse monstruoso crime para nos perdoar?Um pecado maior redime outro
pecado menor? E que não venham com a lenga-lenga dizendo que se trata de um
mistério de Deus, pois é mistério criado pelos teólogos.

Quanto aos espíritos comunicantes que, segundo o autor, são todos maus, isso
não é verdade. A Bíblia nos mostra que há os impuros,sim, mas que há também os
bons e os iluminados, por exemplo, os anjos que, segundo o grande teólogo
francês citado acima, o Pe- François Brune, são espíritos de luz de pessoas
falecidas. Em outras palavras, são os Espíritos Santos (santificados) das
pessoas que já viveram aqui na Terra ou em outros mundos. E São Paulo chega a
dizer que há pessoas que têm o dom de discernir espíritos. E, também, São João,
na sua primeira Carta, fala que devemos examinar os espíritos, para sabermos se
são bons ou maus. Disso se infere que, se fosse o Espírito Santo (Terceira
Pessoa da Santíssima Trindade),que baixasse nos cristãos, nunca haveria
necessidade de exame, podendo-se concluir, pois que tanto pode vir um bom
espírito (santo,santificado) ou um pertubado, galhofeiro ou trevoso. E o
Espiritismo sabe bem dessas coisas do ponto de vista bíblico, filosófico,
científico e de modo inteligente e racional, sem mistérios e sem maluquices de
teólogos que andam meio perdidos com os dogmas instituídos por seus colegas
medievais.

E Santo Agostinho, que viveu também bem próximo dos primeiros séculos do
Cristianismo Primitivo, comunicava-se com espíritos dos mortos, sendo um exemplo
disso o contato que teve com sua mãe, já falecida, Santa Mônica. E no seu livro
“De Cura Pro Mortuis” (Tratado dos Mortos), ele diz que os espíritos dos mortos
podem trazer conhecimentos para nós.

E a respeito da reencarnação, os grandes teólogos do Cristianismo Primitivo
aceitavam-na, entre eles Orígenes, São Clemente de Alexandria, Panteno
(discípulo direto de São Paulo) e o Papa São Gregório Magno (para maiores
detalhes, vejam o nosso livro “A Reencarnação Segundo a Bíblia e a Ciência), Ed.
Martin Claret,SP).

Quanto à Parábola do Rico Avarento, o Epulão, e o Pobre Lázaro, ela não pode
ser interpretada como sendo contrária à reencarnação. Além de se tratar de uma
parábola e não de um fato real, pelo contrário, ela sugere a idéia vaga, é
verdade, da reencarnação, pois, se Jesus, nesta história, coloca, com
naturalidade, o Epulão querendo voltar à Terra, é porque isso era considerado
uma coisa normal entre os judeus. E Ele não deu como sendo causa da não
permissão do rico avarento ressuscitar (reencanar) na Terra a impossibilidade da
reencarnação. E é fácil entendermos que a causa é outra. De fato, se isso –lhe
fosse permitido, seria dado aos seus parentes um privilégio muito grande, não
dado às outras pessoas, privilégio este que contrastaria com o princípio de Deus
não fazer acepção de pessoas.

Os espíritas defendem o princípio de que a Bíblia não deve ser interpretada
cegamente, mas, de modo racional, como o era no Cristianismo Primitivo, em que
não havia a influência das complicações teológicas.

E, no tocante à Divindade de Jesus, os espíritas seguem o próprio Jesus que
nunca se proclamou ser Deus, mas, tão-somente, Filho de Deus.Ora, todos somos
também filhos de Deus. E todos, igualmente, podemos ser um com Jesus e o Pai,
como Ele nos ensinou. E a prova de que Jesus não é mesmo Deus é que a Bíblia nos
apresenta Jesus, várias vezes, orando a Deus, ao Pai, mas nunca ela nos
apresenta o Pai orando para Jesus.

Acrescente-se a tudo isso o fato de que, enquanto que os líderes das igrejas
cristãs vivem de sua religião, os líderes espíritas vivem para a sua religião!

E, por fim, ainda mais uma vez, perguntamos ao articulista quem é que está
deixando de seguir o Evangelho de Jesus, do qual São Paulo queria ser, de
coração, o seu maior divulgador, e para o que estava disposto a dar até sua
própria vida?

Mas, um dia, todos chegaremos ao Pai, pois Ele quer que todos nos salvemos –
e quem e o que poderão contra a sua vontade? -, por isso Ele nos fez imortais, e
para fazer funcionarem a sua Misericórdia e o seu Amor, deu-nos a eternidade, um
tempo sem fim, pois, para que todos possamos voltar para Ele!

José Reis Chaves (BH, MG), palestrante, radialista, professor de Português e
Literatura, formado na PUC-Minas, e autor dos livros, entre outros, “A
Reencarnação Segundo a Bíblia e a Ciência”, “A Face Oculta das Religiões” e
“Quando Chega a Verdade”, Ed. Martin Claret,SP.