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Curso de Introdução ao Espiritismo Centre Spirite Lyonnais Allan Kardec Parte 3 Utilidade e consequências do Espiritismo

Qual pode ser a utilidade das comunicações com os Espíritos? Deus, nada
fazendo de inútil, isto também deve ter sua utilidade. Ora essa utilidade
ressalta não somente do ensinamento dos Espíritos, mas ainda e sobretudo das
conseqüências de tal ensinamento, como veremos em seguida.

Tem-se censurado as comunicações espíritas de não apresentarem nada de novo
senão aquilo que tem sido ensinado pelos filósofos desde Confúcio. O provérbio:
“Não há nada de novo sob o sol” é perfeitamente verdadeiro. Mas do fato de um
homem ter formulado uma idéia, se seguirá que todos os que a formularem depois
dele sejam inúteis ? Sócrates e Platão não enunciaram princípios idênticos aos
de Jesus ? Deve-se disso concluir que a Doutrina de Jesus tenha sido supérflua ?
Se assim fosse, bem poucos trabalhos teriam uma utilidade real, uma vez que, na
maior parte, se pode dizer que um outro há tido o mesmo pensamento e que lhe
bastaria possuir recursos. Confúcio, por exemplo, proclama uma verdade, depois
um, dois, três, cem outros homens vêm após ele e a desenvolvem, a completam, e a
apresentam sob uma outra forma, se bem que essa verdade, que poderia ter
permanecido nos arquivos da história e como privilégio de alguns eruditos, se
popularizou, se infiltrou nas massas e acabou por se tornar uma crença vulgar.
Que teria advindo das idéias dos filósofos antigos, se eles não tivessem sido
revividos pelos escritores modernos ? Quantos os conheceriam nos dias de hoje ?

Suponhamos então que os Espíritos não tivessem ensinado nada de novo, que não
tivessem revelado a menor verdade nova, que não tivessem feito, em uma palavra,
senão repetir todas aquelas que tinham sido professadas pelos apóstolos do
progresso, não seriam então nada, esses princípios ensinados hoje pelas vozes do
mundo invisível em todas as partes do mundo, no interior de todas as famílias,
desde o palácio às cabanas ? As massas não estariam mais compenetradas e
impressionadas desses ensinamentos vindo de seus parentes ou amigos, que pelas
máximas de Sócrates e de Platão que jamais leram ou que não conhecem senão de
nome ? Além disso, os filósofos são freqüentemente vistos como distraídos,
utopistas, de belas palavras; era preciso atingir as massas no coração, e o que
as atingiu foram as vozes de além-túmulo que se fizeram ouvir de seu próprio
lar.

A crença de que tudo acaba para o homem após a morte, de que toda
solidariedade cessa com a vida, o conduz a considerar o sacrifício do bem-estar
presente em proveito de outrem como um engano; daí a máxima: Cada um por si
durante a vida, já que não há nada do lado de lá. A caridade, a fraternidade, a
moral, em uma palavra, não têm nenhuma base, nenhuma razão de ser. Por que se
incomodar, se contrariar, se privar hoje, quando amanhã pode ser que não
existamos mais? A negação do porvir, a simples dúvida sobre a vida futura, são
os maiores estimulantes do egoísmo, fontes da maior parte dos males da
humanidade.

A crença na vida futura, mostrando a perpetuidade das relações entre os
homens, estabelece entre eles uma solidariedade que não se acaba na tumba; ela
muda assim o curso das idéias. Se essa crença não fosse senão um vão espantalho,
não duraria muito tempo; mas como sua realidade é um fato adquirido pela
experiência, é um dever propagá-la e combater a crença contrária, no interesse
mesmo da ordem social. É o que faz o Espiritismo; e o faz com sucesso porque dá
as provas; e definitivamente, o homem aprecia melhor ter a certeza de viver e de
poder viver feliz em um mundo melhor, em compensação das misérias daqui de
baixo, do que crer que se morre para sempre.

“A religião ensina tudo isso, replicarão os religiosos, quem tem necessidade
de uma nova filosofia?” Se a religião é suficiente, por que há tantos
incrédulos? A religião nos ensina, é verdade; nos diz para crer; mas existe
tanta gente que não crê sob palavra! O Espiritismo prova, e faz ver o que a
religião ensina pela teoria.

Qual é o maior inimigo da religião? O materialismo, porque o materialismo não
crê em nada; ora, o Espiritismo é a negação do materialismo, que não tem mais
razão de ser. Não é mais pelo raciocínio ou pela fé cega que se diz ao
materialista que nem tudo acaba com seu corpo, é pelos fatos, que lhe são
mostrados, fazendo-o sentir pelo tato e pela visão. Não é esse um pequeno
serviço que se faz à humanidade e à religião? Mas isso não é tudo: a certeza na
vida futura, o exemplo vivo daqueles que nos precederam, mostram a necessidade
do bem, e as conseqüências inevitáveis do mal. Eis porque, sem ser uma religião,
leva essencialmente às idéias religiosas; as desenvolve entre aqueles que não a
possuem, as fortifica entre aqueles que estão em dúvida. A religião nisso
encontra então apoio, não pelas pessoas de visão estreita que a querem
inteiramente dentro do fogo eterno, na letra mais que no espírito, mas por
aqueles que a vêem segundo a grandeza e a majestade de Deus.

Como o Espiritismo viria triunfar sobre a incredulidade de um tão grande
número, domar tantas paixões más, se não fosse pelas provas materiais que dá, e
como poderia dar essas provas sem as relações estabelecidas com aqueles que não
estão mais na terra? Não seria então nada o haver apresentado aos homens donde
eles vêm, ou para onde vão, e o porvir que lhe está reservado? A solidariedade
que ensina não é mais uma simples teoria, é uma conseqüência inevitável das
relações que existem entre os mortos e os vivos; relações que fizeram da
fraternidade entre os vivos não somente um dever moral, mas uma necessidade,
porque é de interesse à vida futura.

As idéias de castas, de preconceitos aristocráticos, produtos do orgulho e do
egoísmo, não têm sido em todos os tempos um obstáculo à emancipação das massas?
Basta falar, em teoria, dos privilégios de nascimento e da fortuna, porém, todos
os homens são iguais. O Evangelho foi o bastante para persuadir aos cristãos
possuidores de escravos que esses escravos eram seus irmãos? Ora, que pode
destruir seus preconceitos, nivelando a todos, mais do que a certeza de que nas
últimas faixas sociais se encontram seres que já pertenceram à alta sociedade;
que entre nossos servidores e entre aqueles a quem damos esmolas, podem se
encontrar pais, amigos, homens que nos comandaram; que aqueles enfim que estão
em altas posições agora podem descer ao último escalão? É isso então um
ensinamento estéril para a humanidade? É esta uma idéia nova? Não, mais de um
filósofo emitiu e pressentiu esta grande lei da justiça divina; mas não há nada
como se dar prova palpável, evidente! Bem, séculos antes de Copérnico, Galileu e
Newton, a redondeza e o movimento da Terra foram colocadas em dúvida; esses
sábios vieram demonstrar aquilo que, para outros, era apenas suposição; assim é
com os Espíritos que vêm provar as grandes verdades que permaneciam no estado de
letras mortas para um grande número de pessoas, dando-lhes por base uma lei da
natureza.

O estudo do Espiritismo serve para provar materialmente a existência do mundo
espiritual, mundo esse formado das almas daqueles que morreram, resultando daí a
prova da existência da alma e da sobrevivência dos corpos.

As almas daqueles que se manifestam revelam suas alegrias ou seus sofrimentos
segundo a maneira como eram na vida terrestre; resultando disso a prova das
penas e das recompensas futuras.

As almas ou Espíritos, ao descrever seu estado e sua situação, retificam as
idéias falsas que têm sido feitas sobre a vida futura, e principalmente sobre a
natureza e a duração das penas.

Os exemplos daqueles que morreram provam que a soma da felicidade futura está
em razão do progresso moral alcançado e do bem que se haja feito sobre a Terra;
que o fardo da infelicidade está em razão da carga dos vícios e das más ações;
daí resulta em todos aqueles que estão bem convencidos dessa verdade, uma
tendência toda natural a fazer o bem e a evitar o mal.

Quando a maioria dos homens estiver imbuída dessa idéia, professará esses
princípios e praticará o bem, resultando daí que o bem imperará sobre o mal aqui
em baixo; que os homens não procurarão mais se prejudicar mutuamente, que
conduzirão as instituições sociais tendo em vista o bem de todos e não o lucro
de alguns; em uma palavra, eles compreenderão que a lei da caridade ensinada
pelo Cristo é a fonte da felicidade, mesmo neste mundo, e basearão as leis civis
sobre a lei da caridade.

Aquele que se dá ao trabalho de aprofundar esta questão do Espiritismo nisso
encontra uma satisfação moral muito grande, a solução de muitos problemas para
os quais havia procurado em vão uma explicação nas teorias vulgares. O porvir se
desenrola diante dele de uma maneira tão clara, tão precisa, TÃO LÓGICA, que se
diz que, com efeito, é impossível que as coisas não se passem assim, e que é
espantoso que se não a tivesse compreendido mais cedo; que era assim, um
sentimento íntimo lhe dizia, que deveria ser. A ciência Espírita, desenvolvida,
que não tem feito outra coisa senão formular, tirar do nevoeiro as idéias já
existentes em seu foro interior, deu-lhe desde então um porvir com um propósito
claro, preciso, nitidamente definido; ele não avança mais no vazio, vê seu
caminho; não é mais aquele porvir de felicidade ou de infelicidade que sua razão
não podia compreender, e que por isso mesmo repelia; é um porvir racional,
conseqüência das leis mesmas da natureza, e que pode passar pelo exame mais
severo. É por isso que ele é feliz, é como se tivesse sido aliviado de um peso
imenso; aquele da incerteza, porque a incerteza é um tormento. O homem, a
despeito dele próprio, sonda as profundezas do porvir, e não se tolhe ante a
visão do eterno; o compara à brevidade e à fragilidade da existência terrestre.
Se o porvir não lhe oferece nenhuma certeza, ele se aturde, se dobra sobre o
presente, e tudo faz para o tornar mais suportável. É em vão que sua consciência
lhe fala do bem e do mal, e ele retruca : O bem é aquilo que me torna feliz. Que
motivo teria ele, com efeito, de ver o bem alheio? Por que sofrer privações? Ele
quer ser feliz, e para ser feliz, quer gozar, usufruir daquilo que possuem os
outros; quer o ouro, muito ouro; atira-se nessa via, porque o ouro é o veículo
de todos os gozos materiais; que lhe importa o bem-estar de seu semelhante? O
seu antes de tudo; quer se satisfazer no presente, não se importando se o poderá
mais tarde, num porvir no qual não crê; torna-se então ávido, ciumento, egoísta,
e apesar de tudo o que desfruta, não é feliz, porque o presente lhe parece muito
curto.

Com a certeza do porvir, tudo muda para ele; o presente não é senão efêmero,
e o vê escoar sem desgosto; é menos preso aos gozos terrestres, porque não lhe
dão senão uma sensação passageira, fugidia, que deixa a vida sem coração; aspira
a uma felicidade mais duradoura, e por conseqüência mais real; e onde a pode
encontrar, se não for no porvir? O Espiritismo, mostrando, provando esse porvir,
o livra do suplício da incerteza, eis porque o torna feliz; ora, aquilo que traz
a felicidade sempre encontra partidários.

Os tempos da crença cega são passados; hoje se torna necessário, para que uma
teoria filosófica, moral, religiosa seja aceita, que esta repouse sobre o
inabalável fundamento da demonstração científica. Outros tempos, outros
costumes: o mundo antigo se apoiava sobre a revelação, agora é preciso a certeza
lentamente conquistada; a lei não basta, é indispensável que a razão sancione o
que querem nos fazer aceitar como verdades.

O grande poder do Espiritismo consiste na liberdade de exame que deixa a seus
adeptos. Todos os seus princípios podem ser discutidos e postos em questão, mas
a cada vez que essa experiência tem sido feita, ele sai mais forte e mais
robusto do que antes dessa tremenda prova. As religiões, no momento atual, se
assemelham a esses cercados que têm sido indispensáveis às crianças para
aprenderem a andar, mas que se tornam inúteis e mesmo prejudiciais tão logo
tenham elas adquirido bastante desenvolvimento para andarem sozinhas. O homem do
século dezenove, aprisionado em um dogmatismo estreito, porque esses
ensinamentos não estavam mais em harmonia com seus conhecimentos, forçado a
escolher entre as certezas da ciência e a fé imposta, se lançou de corpo e alma
no materialismo. Mas, se esse homem reencontra uma doutrina que concilia a fé às
exigências da ciência e às necessidades de sua alma de crer em alguma coisa, não
hesita mais: adota essa nova fé, que satisfaz tão bem a todas as suas
aspirações. Essas considerações sumárias explicam a imensa extensão do
Espiritismo. Não é preciso crer, todavia, que o espiritismo seja oposto às
religiões; apenas combate os abusos, e dirige-se mais particularmente aos
materialistas e àqueles que, sem ser completamente ateus, estão indecisos com
relação à vida futura.

Em lugar de ser ridicularizada e combatida, esta doutrina deveria se
encontrar na base de todo ensinamento moral ou religioso. Dando ao homem a prova
evidente de que sua passagem sobre a terra é apenas temporária, que terá de
responder mais tarde pelo bem ou pelo mal que haja feito, impõe uma contenção
salutar aos maus instintos, que, sobretudo em nossos dias, ameaça transtornar a
sociedade. O Espiritismo faz conhecer com efeito, as condições em que a alma se
encontra após a morte. Em vez de considerar o espírito de maneira abstrata,
nossa doutrina demonstra que ele é, após a morte, uma verdadeira
individualidade, que não tem menos realidade que o homem; ficando mudada somente
a natureza dos corpos uma vez que as condições de existência não são mais as
mesmas.

Vale anotar:

  • O Espiritismo não pede nenhum ato de fé ; trazendo a prova da
    sobrevivência, dá a certeza na vida futura.

Para saber mais:

  • Que é o Espiritismo ? Allan Kardec. (p. 90-91 e p.109-115, p.
    154-159)
  • O Evangelho segundo o Espiritismo de Allan Kardec. (cap. I, O
    Espiritismo, Aliança da ciência e da religião)
  • O Céu e o Inferno Allan Kardec. (1ª parte, cap. I)
  • No Invisível Léon Denis. (cap. XI, aplicações morais e frutos do
    espiritismo)
  • O Espiritismo perante a ciência Gabriel Delanne.(3ª parte, cap. III,
    as objeções, p. 229-230 e p. 241-242)
  • Le phénomène spirite Gabriel Delanne. (4ème partie,
    Matérialisme et Spiritisme)
  • A Revista Espírita 1860 – p.1 Allan Kardec. (O Espiritismo em 1860)
  • A Revista Espírita 1863 – p.357 Allan Kardec. (Utilidade dos
    ensinamentos dos E…)
  • A Revista Espírita 1865 – p.225 Allan Kardec. (O que aprende o
    Espiritismo)
  • A Revista Espírita 1867 – p.33 Allan Kardec. (O livre pensamento e a
    livre…)