Enéas Martim Canhadas
Desejos, o que são?
Emmanuel nos fala em Pensamento e Vida que a nossa mente possui, entre outros, o “Departamento do Desejo no qual operam os propósitos e as aspirações.” A palavra desejo vem do latim e significa ânsia, apetite. Precisamos recorrer a Freud forçosamente, para tentar explicar um pouco o que é o desejo. Trata-se de um sentimento ligado a alguma satisfação, mas que, num primeiro momento estava apenas relacionada a uma percepção que excitou os nossos sentidos. É bom lembrar que a psicanálise, talvez a forma mais conhecida de tratamento terapêutico das nossas emoções e sentimentos, trata do desejo como uma moção inconsciente. Talvez por isso, não saibamos explicar as causas do prazer que encontramos em satisfazer os nossos desejos. Explicamos a satisfação das necessidades como sendo os próprios desejos mas, na realidade, estamos apenas demonstrando porque ficamos satisfeitos e não o por quê da necessidade de encontrar satisfação em alguma coisa. De forma mais simples, explicamos o prazer de comprar um sapato novo, mesmo já tendo outros pares de sapatos, como sendo o próprio desejo, mas desejo não é bem isso, é antes um impulso inconsciente que nos levou a precisar comprar um novo par de sapatos para nos sentirmos satisfeitos. Imaginemos o bebê recém nascido mamando no seio da mãe. Aquele seio quente, macio, com um cheiro conhecido (o cheiro do corpo da mãe) e que ainda deixa sair um líquido de sabor agradável (lembre-se que o bebê ainda não conhece o açúcar), e que o alimenta e faz cessar a sua fome. A amamentação vai dar à criança uma percepção muito favorável para que, em seguida, ela saiba associar a vivência da sua satisfação com a necessidade a ser satisfeita, que é a fome.
Não quero nem saber, o que sei é que tenho desejos!
É claro, todos nós temos e isso é uma das coisas mais normais do mundo. Nem sempre temos clareza dos nossos desejos porque, em muitos casos, a sua verdadeira origem está inconsciente, isto é, não sabemos o por quê. É uma armadilha que o nosso psiquismo arma para nós nesse momento. O que sabemos que é bom para nós, é intensificado pelos sentidos. O que os olhos não vêem o coração não cobiça, não é mesmo? Depois que vemos, cobiçamos, desejamos, queremos para nós. Por isso repreendemos as crianças quando dizemos que elas parecem ter olhos nos dedos, é como se elas precisassem pegar para sentir. Nas crianças a curiosidade se confunde com o ter.
Olha, não é que eu seja invejoso(a), mas afinal de contas eu sou filho(a) de Deus!
Em primeiro lugar, filhos de Deus, todos nós somos. No entanto estamos ainda na idade infantil da nossa caminhada evolutiva. Vamos discutir agora um outro viés que se dá com os nossos desejos. Isso foi explicado por um pensador que desenvolveu o conceito de desejo mimético, é o mimetismo. Esse conceito nos ensina que todos somos possuidores do desejo de querer igual ao do outro, desejar um objeto já desejado e possuído por alguém. Podemos simplificar dizendo que trata-se da inveja. Então, se temos inveja, ainda não somos virtuosos e nossas escolhas ainda não são espontâneas. Torna-se necessário que façamos juízo do que desejamos. No fundo, muitas vezes, queremos para nós o que pertence ao outro. Quando admiramos o relógio no pulso de alguém ou elogiamos a sua camisa, gostaríamos de ter comprado aquela camisa antes dele e também seria agradável ver como fica no meu pulso aquele relógio. Podemos até dissimular e negar tais interesses, mas sabemos que, no íntimo, isso é verdade. Não falamos de uma inveja corrosiva e que pode nos lançar no fogo eterno das expiações.O que acontece é que somos muito apegados. O nosso instinto de posse é algo que nos aproxima muito do animal. É o estado anímico que existe muito forte dentro de cada um dos seres humanos. Como nos ensina Emmanuel, nós caminhamos do instinto para a luz através da razão. Oscilamos entre posse e desapego movidos pelos impulsos inconscientes que nos levam à curiosidade de encontrar e descobrir para atender aos apelos formulados pelos desejos. Os desejos fazem funcionar a força da vontade para a empreitada das descobertas. O Espírito se aperfeiçoa pelo exercício de fazer escolhas mais sábias, muitas vezes desconsiderando até mesmo suas inclinações mais sinceras, porém equivocadas ou nem sempre sábias. Atitudes que refletem ponderação, deixando transparecer um caráter elevado, possuído pelo Espírito mais íntegro, são o resultado desse complexo processo.
Se ser invejoso(a) é uma coisa inerente ao ser humano, então estamos num beco sem saída!
De maneira nenhuma. A saída existe. É a evolução que se faz assim mesmo, de muitos momentos em que parece não haver saídas. Neste momento do nosso progresso moral, a inveja é uma alavanca que nos coloca em conflito, nos desequilibra, mas por isso mesmo nos mobiliza. Cria ilusões, nos seduz, e cria em nós angústias, desespero e esperança. Aliás, só os becos sem saída é que nos oferecem os impasses. Geralmente é nas situações sem saída que descobrimos o maior número de alternativas. A esperança, neste caso, é filha do desespero. Em meio aos desejos e as experiências que nos levam a aprendizagem, ainda estamos atados ao desejo mimético do qual somos todos herdeiros. Dizemos sim ou não em muitos momentos das nossas vidas. Fazemos escolhas. Amamos e odiamos. Aos poucos, vamos dando os passos errantes, porém necessários ao progresso pessoal. Vamos nos desapegando e nos despojando de cada coisa que podemos prescindir na caminhada evolutiva, pois “o ser humano só é infeliz, geralmente, pela importância que liga às coisas deste mundo”. Ou também podemos dizer sim aos desejos de possuir isto ou aquilo. “O homem moral, que se elevou acima das necessidades artificiais criadas pelas paixões, tem, desde este mundo, prazeres desconhecidos do homem material” O exercício para continuar o aperfeiçoamento moral, no entanto, não cessa.
Pensamento e Vida, ditado pelo Espírito Emmanuel, psicografado por Chico Xavier, capítulo 2 “A Vontade”, FEB, 10ª Edição, Rio de Janeiro, 1998.
Livro dos Espíritos, livro segundo, Mundo Espírita ou dos Espíritos, Capítulo I, dos Espíritos – Origem e Natureza dos Espíritos, perguntas 76 e 78.
Conceito enunciado pelo pensador francês René Girard em A Violência e o Sagrado, Editora Paz e Terra, São Paulo, 1990.
O destaque é nosso. Expressão de retórica, não se tratando de conceito ou ensinamento emitido pela Doutrina Espírita.